Pôr na ordem os restos do Passado

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Referência : Costa, A. M., (2019) Pôr na ordem os restos do Passado, Rev. Ciência Elem., V7(3):042
Autor: Ana Maria Costa
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [http://doi.org/10.24927/rce2019.042]
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A Geoarqueologia surge como disciplina apenas nos finais do século XX e, embora a sua definição não esteja ainda bem estabelecida, pode ser sumariamente descrita como uma disciplina que aplica os conceitos, as metodologias e as técnicas das Geociências à resolução dos problemas decorrentes da investigação arqueológica.


No primeiro trabalho publicado por Pereira da Costa em 1865 após a descoberta dos Concheiros de Muge, em 1863 (Figura 1), é descrita a relação estreita entre as disciplinas das Geociências e a Arqueologia. Este autor, seguindo as tendências científicas europeias dos finais do século XIX que tinham como objetivo compreender a antiguidade do Homem, afirma que a sua resolução só podia advir de contextos arqueológicos preservados e integrados em estratigrafias fiáveis e “que nenhuma scientia póde contribuir tanto como a geologia para a resolução d’este difícil problema”.

Áreas científicas como a estratigrafia, a cronologia, a reconstituição ambiental e dos processos de formação e de alteração do registo arqueológico, entre outros aspetos, têm sido aplicados aos estudos arqueológicos. Voltando aos concheiros do Mesolítico recente em Portugal, salientam-se os trabalhos de investigação de van der Schrieck et al. de 2018 ou Costa et al. (in press), desenvolvidos com o objetivo de reconstruir a paleomorfologia e a evolução ambiental dos estuários do Tejo e do Sado, ocupados entre ca. 8400 e ca. 7000 cal BP (cal BP Antes do Presente - significa idade calibrada e indica o número de anos anteriores a 1950) por comunidades de caçadores recoletores. Salientam-se também os trabalhos de Aldeias e Bicho de 2016 e Duarte et al., 2017, que se centram no estudo micromorfológico destes concheiros (depósito orgânico constituído por abundantes conchas e fragmentos de conchas de moluscos associados a outros artefactos e ecofactos acumulados por acção humana) para compreender as atividades humanas aí desenvolvidas e a sua formação.

Conceitos das Ciências da Terra, assim como a história da ocupação do território são temas abordados desde o 1º Ciclo do Ensino Básico. A estratigrafia, os seus conceitos e princípios são temas curriculares do 7º ano (3º Ciclo do Ensino Básico) integrados nos sub-temas da dinâmica externa da Terra, i.e. relacionados com a definição e formação das rochas sedimentares. Do mesmo modo, o estudo das etapas fundamentais do desenvolvimento da humanidade desde as sociedades de caçadores-recolectores até à Idade Média são Aprendizagens Essenciais da disciplina de História do 7º ano (3º Ciclo do Ensino Básico), em que o aluno, entre outras coisas, deve reconhecer a importância da Arqueologia para o estudo das comunidades humanas.


FIGURA 1. Concheiro do Cabeço da Amoreira (Muge) em processo de escavação, durante
a saída de campo realizada no âmbito do congresso 150th Muge, em 2013.

Uma atividade prática multidisciplinar desenvolvida em sala de aula, onde seja realizada uma “escavação arqueológica” conduzida numa perspetiva geoarqueológica – i.e. tendo em conta conhecimentos prévios sobre os princípios da estratigrafia, da cronologia e de fóssil guia/fóssil diretor, assim como os conhecimentos adquiridos sobre a história da humanidade – será de extrema utilidade na consolidação dos conceitos adquiridos e na compreensão da estreita relação entre estas disciplinas.

[editar] Referências

  1. Andeias, V & Bicho, N., Embedded Behavior: Human Activities and the Construction of the Mesolithic Shellmound of Cabeco da Amoreira, Muge, Portugal. Geoarchaeology 31, 6. pp. 530-549. 2016.
  2. Angelucci, D.E., A partir da terra: a contribuição da Geoarqueologia. In: J. MATEUS e M. MORENO - GARCÌA (Eds.) Paleoecologia Humana e Arqueociências. Um programa multidisciplinar para a Arqueologia sob a tutela da cultura. Trabalhos de Arqueologia 29. Instituto Português de Arqueologia, Lisboa, 35 - 84. 2003.
  3. Cardoso, J.L. A Geoarqueologia. Fundamentos e métodos. Al - Madan, Almada. Série II, 5: 70 - 77. 1996.
  4. Costa, A.M. Sado palaeovalley configuration: implications for the Mesolithic settlement during the Holocene sea - level rise. In Roque, A, Brito, C, and Veracini, C (Eds.): People, Nature and Environments: Learning to live together.Chapter 14. Cambridge Schoolar Publishing. (in press)
  5. Duarte, C. et al. The microstratigraphic record of human activities and formation processes at the Mesolit hic shell midden of Poças de São Bento (Sado Valley, Portugal). Archaeological and Anthropological Sciences, 11(2), 483 – 509. 2017.
  6. Pereira da Costa, F. A., Da existencia do Homem em epochas remotas no valle do Tejo. Primeiro opúsculo: noticia sobre esquelet os humanos descobertos no Cabeço da Arruda. Comissão Geológica de Portugal, Lisboa, 3 - 59. 1865.
  7. Peyroteo-Stjerna, R., On Death in the Mesolithic. Or the Mortuary Practices of the Last Hunter -Gatherers of the South Western Iberian Peninsula, 7th – 6th Millennium BCE. Tese doutoral, Universidade de Uppsala. Occasional papers in archaeology 60. 2016
  8. Real, F., Geoarqueologia - uma disciplina a desenvolver. Programa e Resumos do II Congresso Nacional de Geologia. Maleo 2, nº13, pag.37. 1986.
  9. Van der Schriek, Holocene palaeoecology and floodplain evolution of the Muge tributar, Lower Tagus Basin, Portugal. Quaternary International 189, 135 - 151. 2008.

Recursos relacionados disponíveis na Casa das Ciências:

  1. O Cão de Muge – um amigo pré-histórico.


Criada em 31 de Maio de 2019
Revista em 3 de Junho de 2019
Aceite pelo editor em 16 de Outubro de 2019