Perfurações da membrana timpânica
Referência : Sousa, J., Queirós, Tomé, D, (2023) Perfurações da membrana timpânica, Rev. Ciência Elem., V11(3):021
Autores: Jéssica Sousa, Orlando Queirós e David Tomé
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2023.021]
Resumo
A perfuração da membrana timpânica (MT) é um problema otológico relativamente frequente nos dias atuais, causada, na maioria das vezes, por traumatismos. Esta patologia provoca comprometimento da impermeabilidade da membrana que separa o ouvido externo do médio, sendo que a colocação de um fragmento de celulose bacteriana tornou-se um método eficaz para a recuperação anatómica e fisiológica.
O tímpano (FIGURA 1) é uma membrana muito fina e semitransparente com um formato arredondado e côncavo, situada na profundidade do canal auditivo externo, que separa o ouvido externo (pavilhão auricular e canal auditivo externo) do ouvido médio (cavidade onde ficam os ossículos — martelo, estribo e bigorna), sendo assim importante para a audição e para a proteção contra a entrada de agentes infeciosos. O tímpano, por ser uma estrutura importante na transmissão do som do meio externo para o interior do ouvido, transforma o som em energia vibratória, sendo essa vibração transmitida para os ossículos que, depois, a transmitem à cóclea (responsável pela transformação do som de energia hidromecânica em energia elétrica para o nervo auditivo). Se o tímpano estiver perfurado, as ondas sonoras não serão transmitidas, levando a uma diminuição da capacidade auditiva surgindo, na maioria das vezes, uma perda auditiva de grau ligeiro (21—40 dB) a moderada (41—70 dB) sendo que, em alguns casos, se houver uma lesão na cadeia ossicular, pode chegar a grau severo (71—90 dB). Uma perfuração timpânica pode ser diagnosticada pelo médico ao examinar o ouvido com um otoscópio[1].
Pode ocorrer de forma espontânea ou traumática, sendo que na primeira há uma infeção chamada otite média, que se carateriza pelo acumular de secreções no interior do ouvido médio, aumentando a pressão e provocando isquemia e necrose da membrana timpânica. Como resultado, o paciente sente dor seguida de secreção purulenta; já a perfuração traumática pode- se dar pela inserção de objetos dentro do canal auditivo (cotonetes ou protetores auriculares) ou pela concussão ocasionada por uma forte pressão que atinge a membrana timpânica (trauma acústico). Como consequência dessa perfuração pode haver perda auditiva geralmente de transmissão (quando o som é bloqueado e não consegue alcançar as estruturas sensoriais do ouvido interno), acompanhada por plenitude aural, zumbido, autofonia e otites. A perda auditiva sentida pelo paciente torna-se mais intensa quanto maior for a perfuração, piorando nas frequências mais graves[2], [3]. Outra forma de perfuração da MT é o chamado barotrauma (uni ou bilateral) que se carateriza por lesões derivadas da mudança súbita de pressão (por atividades aquáticas ou aéreas) que pode causar dor, plenitude aural (sensação de ouvido cheio) e infeções do ouvido médio[4].
A maioria das perfurações timpânicas cicatrizam-se sozinhas, não deixando nenhuma sequela, desde que o paciente siga com as recomendações médicas (manter o ouvido seco). No entanto em alguns casos, será necessária cirurgia para reparar o tímpano (timpanoplastia), mas dependo do trauma, os ossículos podem estar comprometidos e, nesse caso, o procedimento cirúrgico tem como função corrigir esses danos[5].
A celulose bacteriana (FIGURA 2) é um polissacarídeo de origem microbiana que é bastante estudada, devido às vantagens que traz a sua obtenção, entre elas: a produção independente das condições climáticas, a possibilidade de utilização de matéria-prima regional, o aumento da rapidez na produção de um produto escasso e a diminuição do custo das infraestruturas. Este polímero apresenta uma alta regularidade estrutural devido ao rígido controlo dos parâmetros de fragmentação e à especificidade do microrganismo utilizado que leva a uma maior uniformidade das suas propriedades físicas e químicas[6].
Em relação à estrutura fibrosa, a celulose bacteriana difere da celulose vegetal, o que desperta um interesse maior não só na aplicação em/a novos campos, mas também no desenvolvimento de métodos para a sua produção em larga escala. As suas propriedades mecânicas, bem como as suas micro e macroestruturas, são influenciadas pelas condições de fermentação durante a síntese, pela estirpe da bactéria utilizada e pelo tratamento após a síntese, sendo que, a porosidade da celulose bacteriana pode ser adaptada, variando as condições fisiológicas de crescimento, tais como: o pH, a temperatura e a composição do meio de cultura[7].
A celulose bacteriana possui algumas propriedades que são consideradas as mais importantes, entre elas: a sua morfologia que é caraterizada por uma estrutura de rede fibrosa tridimensional, sendo constituída por microcanais de tamanho variável; a sua hidrofilicidade, visto ser capaz de absorver 100 vezes a sua própria massa em água e a sua cristalinidade, que pode ser influenciada pelo arranjo molecular cristalográfico. Este polímero, para além destas caraterísticas, também apresenta um elevado módulo de elasticidade, um elevado grau de proliferação, uma permeabilidade e porosidade elevadas, uma excelente resistência mecânica e uma elevada área superficial[8].
A síntese de celulose bacteriana ocorre mediante a inoculação de um microrganismo em um meio de cultura propício ao seu crescimento, sendo que, de acordo com as condições de cultivo, existem dois métodos capazes de a sintetizar: o método de cultivo estático, em que a celulose é sintetizada na forma de uma película gelatinosa e o método de cultivo agitado, em que a celulose é obtida com tamanhos e formas variadas. O processo de formação da celulose em condições estáticas é o mais recomendado na área industrial por levar a um aumento da sua produtividade, visto ser regulada pela quantidade de oxigénio que entra em contacto com a superfície do meio e pelo tempo de fermentação, tendo em atenção que as bactérias não sintetizam este polímero se houver insuficiência de oxigénio[9].
Para fechar a perfuração da membrana timpânica, a aplicação de um fragmento de celulose bacteriana (FIGURA 3), tornou-se atualmente uma alternativa viável. É uma técnica segura, de baixa toxicidade, biocompatível, capaz de favorecer o crescimento e a diferenciação celular dos tecidos, favorecendo assim o processo de revascularização e epitelização da membrana timpânica[10].
No tratamento da perfuração timpânica existem dois procedimentos cirúrgicos, a timpanoplastia, que tem como função regenerar a membrana timpânica, controlar a infeção e melhorar a audição. E existe a aplicação de um fragmento de celulose bacteriana, sendo esta destacada pela sua alta eficácia. Existem fatores importantes em ambas as técnicas que podem influenciar o sucesso da cirurgia ou do enxerto, entre eles: a idade do paciente, a localização da perfuração, o funcionamento do canal auditivo, o estado da mucosa do ouvido médio, o tipo de película utilizada e a experiência do cirurgião[11].
Na membrana timpânica o processo de cicatrização ocorre pela proliferação do epitélio escamoso queratinizado e pela sua camada mais externa (camada córnea), sendo esse crescimento seguido para o interior das bordas da perfuração até ao ouvido médio. Um exemplo atual no mercado é o fragmento de película de celulose bacteriana Bionext® sobre a aérea lesada do tímpano, com o intuito de oferecer uma recuperação funcional imediata, promovendo assim, o alívio dos sintomas[12].
A película Bionext® advém da fermentação de bactérias Acetobacter xylinum e é uma substância inerte, muito resistente e insolúvel em solventes orgânicos, tendo como caraterísticas específicas a permeabilidade definida a líquidos e gases e a resistência à tração e alongamento. Este fragmento foi recentemente usado como enxerto para a pele, sendo útil para curativos em lesões por queimaduras, dermabrasões ou áreas doadoras de pele, mas também já foi usado como substituto de meninges[13].
Vários cientistas avaliaram a resposta do epitélio da MT e da mucosa da cavidade timpânica em cobaias submetidas à perfuração timpânica, que receberam implantes de películas de celulose, e mostraram que a cicatrização com esse material ocorre de forma similar à espontânea, sem provocar nenhum dano tecidual e levando a uma recuperação funcional[14].
Todavia, a película de celulose, apesar de ser um material biológico e inerte, pode ter um risco para a saúde do paciente, visto poder provocar uma reação alérgica inflamatória, facto esse que só acontece se o paciente for alérgico ao composto da celulose[15].
O paciente, ao ser submetido à colocação do fragmento de celulose bacteriana, terá um retorno agendado para 30 dias após a primeira consulta para reavaliação da otoscopia e do quadro clínico, sendo que, durante esse período de tempo, será orientado a proteger a orelha acometida do contacto com a água, mas em caso de queixas o paciente poderá retornar a qualquer momento[16].
A perfuração timpânica (FIGURA 1) mesmo sem tratamento é conhecida por ter um bom prognóstico e uma recuperação espontânea; no entanto, enquanto se espera a cicatrização da membrana, o paciente terá que conviver com os sintomas causados pela perfuração, mas com a aplicação da película de celulose bacteriana esse desconforto é minimizado levando a uma melhoria dos seus sintomas, tornando-se, assim, uma opção de tratamento bastante efetiva e sustentável[17].
A aplicação da película de celulose bacteriana tem-se mostrado um procedimento inócuo, com baixo índice de complicações, bem tolerado pelos pacientes e com nítida melhoria dos sintomas e dos limiares auditivos, sendo uma boa alternativa para o tratamento clínico enquanto se espera a cicatrização da membrana timpânica, promovendo assim uma rápida recuperação.
Referências
- ↑ CLÍNICA DR GOBBO, Otologia, Centro de Otorrino de Campinas. 2006.
- ↑ PLACHESKI, A. C., Perfuração Timpânica Traumática – Revisão Bibliométrica, Revista Científica Multidisciplinar Núcleo do Conhecimento, ed. 01, Vol. 07, pp. 131-137. 2021.
- ↑ PINHO, A. et al., Traumatic perforations of the tympanic membrane: immediate clinical recovery with the use of bacterial cellulose film, Brazilian Journal of Otorhinolaryngology, 86, 6, 727–733. 2020.
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- ↑ DUARTE, E. et al., Celulose bacteriana: propriedades, meios fermentativos e aplicações, Brasil: Fortaleza: Embrapa Agroindústria Tropical. 2019.
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- ↑ nce"> 4 KATO, M. et al., Avaliação da resposta tecidual da mucosa da orelha média de cobaias à presença de celulose bacteriana, Acta ORL, 26, pp. 7-13. 2008.
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Criada em 11 de Novembro de 2022
Revista em 2 de Maio de 2023
Aceite pelo editor em 15 de Julho de 2023