Dorothy Hodgkin
Referência : Maia, R. G., (2021) Dorothy Hodgkin, Rev. Ciência Elem., V9(2):026
Autor: Raquel Gonçalves-Maia
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2021.026]
Resumo
Dorothy Mary Crowfoot Hodgkin (1910–1994), química britânica, foi uma mulher notável na ciência mundial. Dotada de uma intuição privilegiada, a cristalografia de raios X foi o seu instrumento de análise da estrutura tri-dimensional de moléculas de interesse químico, bioquímico, biológico, farmacológico e médico: pepsina, penicilina, colesterol, vitamina B12, insulina. Em 1964 recebeu o Prémio Nobel da Química, a terceira mulher depois de Marie Curie, em 1911, e de Irène Joliot-Curie, em 1935. Foi um exemplo de coragem perante a artrite reumatoide que desde cedo a minou. Abraçou as causas da Paz e da igualdade de género.
Foi na cidade do Cairo que Dorothy Mary nasceu, em maio de 1910. Foi a primeira filha de John Winter Crowfoot, formado em Clássicos por Oxford e arqueólogo de renome, e de sua mulher Grace Mary Hood. Mais três filhas se sucederam: Joan, Elizabeth Grace e Diana. A família Crowfoot tinha o prestígio de várias gerações e interesses culturais e sociais elevados.
O rebentar da Grande Guerra encontra a família no Reino Unido em tempo de férias. As meninas e a ama ficam a residir em Inglaterra, enquanto os pais regressam ao Egito e Sudão. Seis anos depois a família voltará a reunir-se na The Old House (Beccles). Dorothy acomoda um laboratório no sótão onde, com o auxílio do droguista local e o dinheiro da mesada, faz surgir magníficos cristais. Em 1928 ingressa na Universidade de Oxford, no Somerville College, para estudar química. Escasso o número de raparigas; no seu ano, apenas mais uma se interessara pela disciplina.
Foi num laboratório instalado no Museu de História Natural da universidade – onde, em 1860, se desenrolara a famosa batalha verbal entre Thomas Huxley, fervoroso adepto do evolucionismo, e o Bispo de Oxford – que Dorothy fez a sua primeira investigação sobre estrutura de cristais. Obteve o BA Honours com a mais elevada classificação (1932). Na comemoração dos cem anos do nascimento de Dorothy Hodgkin, aí foi descerrado um busto em bronze da autoria de Anthony Stone.
Com uma bolsa de estudos, a jovem integra por dois anos o grupo de investigação de Desmond Bernal (1901-1971), Universidade de Cambridge. Investiga a estrutura de esteróis e derivados por cristalografia de raios X: colesterol, ergosterol, calciferol (vitamina D), ácidos biliares e as hormonas sexuais testosterona e progesterona. Participa, ainda, na primeira decifração estrutural alguma vez realizada de uma proteína, a pepsina. A estrutura dos esteróis veio a ser o tema da sua tese – obteve o Ph.D. em 1937.
Em 1934 está de regresso à Universidade de Oxford, com a garantia de independência na investigação. Dorothy Hodgkin foi exigente e o seu grupo ficou equipado com a mais moderna instalação existente na área da cristalografia de raios X. (Sir) Robert Robinson (1886-1975) lança-lhe um desafio: decifrar a estrutura de cristais de insulina (FIGURA 2).
Dorothy conseguiu deduzir as características da célula unitária romboédrica, mas a definição da estrutura atómica 3D, a sua ação, os seus centros ativos... ainda não.
Entretanto, e em sucessão, Dorothy Hodgkin desvenda, em 1945, a estrutura da penicilina. A molécula tinha um núcleo beta-lactâmico, um “anel” com três átomos de carbono e um de azoto, responsável pelas suas propriedades antibacterianas. Em 1955 termina a decifração estrutural 3D da vitamina B12, tipo porfirina, com o átomo de cobalto no centro da molécula e um anel planar feito de pequenos polígonos de cinco lados (pirrolos) – 63 átomos de carbono, 88 de hidrogénio, 14 de oxigénio e 14 de nitrogénio preciosamente arrumados. “Ela quebrou a barreira do som!”, exclamou (Sir) Lawrence Bragg (1890-1971).
Dorothy Hodgkin foi galardoada, como única recipiente, com o Prémio Nobel da Química em 1964, “pelas suas determinações por técnicas de raios X das estruturas de substâncias bioquimicamente importantes”. Jornais não se cansaram de aplaudir a sua “capacidade sem paralelo fora das aptidões “domésticas”.
O apogeu ainda não fora atingido. Em 1969, Dorothy Hodgkin e colaboradores terminam a resolução da conformação espacial da hormona peptídica insulina – uma investigação de grande exigência científica e técnica (FIGURA 3). A estrutura tridimensional foi apresentada publicamente pelo mais jovem elemento do grupo, (Sir) Tom Blundell (n. 1942), no 8.o Congresso Internacional de Cristalografia. O hexâmero de insulina tinha a forma de um donut com o seu buraco central. Seguiram-se refinamentos do modelo.
Durante uma década Dorothy Hodgkin é Research Fellow no Somerville College. Em 1944 é nomeada University Demonstrator. Difícil a progressão na carreira. Apenas em 1960 vem a auferir a posição de Wolfson Research Professor, na Universidade de Oxford.
Foi eleita Fellow da Royal Society of London em 1947. Recebeu a Royal Medal (1956) e a Copley Medal (1976) da Royal Society e a Mikhail Lomonosov Gold Medal (1982) da Academia Soviética das Ciências, e a prestigiada Order of Merit, em 1965. Foi Chancellor da Universidade de Bristol. O seu idealismo e feição cívica demonstraram-se pelo seu empenhamento social e político. Assumiu a presidência das Pugwash Conferences on Science and World Affairs, entre 1975 e 1988. Viajou muito. O Gana, a China e a Índia detiveram a sua atenção particular.
Casou com Thomas Lionel Hodgkin, em 1937. O casal teve três filhos: Luke Howard, professor de matemática no King’s College London, Prudence Elizabeth (Liz), doutorada em História e investigadora em direitos humanos (Amnistia Internacional) e John Robin Tobias (Toby) investigador em agrobiodiversidade. Dorothy Hodgkin veio a falecer em julho de 1994, em consequência da sua extrema debilidade muscular e articular.
O laboratório multinacional de Dorothy Hodgkin nunca conheceu fronteiras, nem se isolou da consciência do mundo exterior.
Criada em 5 de Dezembro de 2018
Revista em 5 de Dezembro de 2018
Aceite pelo editor em 15 de Junho de 2021