Zona de audibilidade

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Referência : Tavares, J., (2021) Zona de audibilidade, Rev. Ciência Elem., V9(4):064
Autor: João Nuno Tavares
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2021.064]
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[editar] Resumo

Deitados na praia, vemos um avião voar, a uma certa altitude. É claro que não ouvimos instantaneamente o som emitido pelos motores no instante em que ele passa sobre nós. O som tem uma certa velocidade de propagação e, por isso, demora a chegar a nós. O que ouvimos é o som emitido antes. O que vamos discutir neste pequeno artigo é a chamada zona de audibilidade, isto é, a região do solo (suposto plano) onde se ouve o ruído dos motores do avião.


Descrição do problema

Um avião voa com uma velocidade V, superior à velocidade do som, S. Em cada instante, o motor do avião emite um som que se propaga no espaço, com velocidade S, em todas as direções, sob a forma de ondas esféricas — estas esferas chamam-se as frentes de onda. Quando atingem o solo, intersetam-no em círculos cujo raio vai crescendo à medida que o tempo avança. Se um habitante da região sobrevoada pelo avião estiver dentro destes círculos, ele ouvirá o ruído dos motores do avião.


FIGURA 1. Avião, frente de onda, emitida no ponto A=(VT,0,h), e sua interseção com o solo (o plano Oxy).

Objetivo

Analisar a zona de audibilidade num certo instante. Por outras palavras, fixamos um instante, digamos, o instante 0 (congelamos o tempo nesse instante), onde o avião está no ponto (0,0,h), e vemos como é a região do solo onde o avião foi ouvido (FIGURA 1).


Dados do problema:

  • A altura h>0 do voo (suposta constante), medida em km.
  • A velocidade V do avião (suposta constante), medida em km/h.
  • A velocidade S de propagação do som (suposta também constante), medida em km/h.
  • O avião desloca-se em movimento retilíneo uniforme, ao longo da reta paralela ao eixo dos x’s, no plano Oxz, a uma altura h do plano do solo — o plano Oxy. O avião voa da esquerda para a direita, no sentido positivo do eixo dos x’s. Supomos ainda que o voo é supersónico: V>S.


Cálculos

Analisemos então a zona de audibilidade no instante 0. Neste instante o avião está no ponto (0,0,h), por cima da origem das coordenadas, O. T>0 horas mais cedo o avião estava no ponto A=(VT,0,h) (FIGURA 1). No ponto A, o motor do avião emitiu um som que se prapaga em todas as direções com velocidade S<V. A frente de onda tem pois a forma de uma esfera cujo raio cresce com velocidade S.


Qual o raio dessa esfera no instante 0?

Como passaram T horas, até o avião chegar ao ponto (0,0,h), é claro que esse raio é igual a ST. Essa esfera, no instante t=0, interseta o solo segundo uma circunferência centrada em (VT,0,0), e cujo raio é (R=(ST)2h2), como se deduz facilmente, aplicando o teorema de Pitágoras ao triângulo retângulo ABC, e atendendo a que ¯AB=h e ¯AC=ST (FIGURA 1).


Generalização

O mesmo acontece em cada instante T:0<tT — nesse instante o avião está no ponto (Vt,0,h) e, nesse ponto, o motor do avião emite um som que se prapaga em todas as direções com velocidade S. A frente de onda correspondente tem mais uma vez a forma de uma esfera cujo raio cresce com velocidade S<V. Essa esfera, no instante t=0, tem um raio igual a St e interseta o plano do solo segundo uma circunferência Ct, centrada em (Vt,0,0) e cujo raio é (St)2h2.

No plano Oxy, a equação dessa circunferência é


Ct:(x+Vt)2+y2=(St)2h2 (1)


Zona de audibilidade

É agora claro que a zona de audibilidade, no instante 0 é constituída por todos os pontos do solo que estão dentro dos círculos delimitados por todas estas circunferências (Ct), para t:0<tT (FIGURA 2), isto é, por todos os pontos (x,y) do solo, que satisfazem as inequações (uma para cada t):


(x+Vt)2+y2(St)2h2,t:0tT (2)


ou, fazendo as contas:


(V2S2)t2+2Vxt+(x2+y2+h2)0t:0tT (3)


FIGURA 2. Zona de audibilidade, no instante 0.

Para cada t, esta é uma inequação do segundo grau em t. Quais as condições em que admite solução? A resposta está dada no teorema seguinte, cuja demonstração é simples:


Teorema

Considere um polinómio quadrático da forma:


at2+bt+c


com coeficientes a>0 e c>0. Para que exista um t0 que satisfaça a inequação:


at2+bt+c0


é necessário e suficiente que:


  1. b<0
  2. b24ac0


No nosso caso, a inequação é (3) com:


a=V2S2>0,b=2Vx e c=x2+y2+h2>0


Aplicando os critérios do teorema, concluímos que:


  1. b=2Vx<0x<0
  2. b24ac0(2Vx)24(V2S2)(x2+y2+h2)0


Esta última desigualdade pode ser escrita na forma:


x2[(V2S2)/S2]y2h21


ou, fazendo k=VSh, na forma:


x2k2h2y2h21 (4)



FIGURA 3. Zona de audibilidade no solo, no instante 0.

Conclusões

  1. A zona de audibilidade no instante t=0 consiste de todos os pontos (x,y) do solo, que satisfazem:

  2. x2h2h2y2h21 e x<0 (5)


  3. A hipérbole de equação:

  4. x2k2h2y2h2=1 (6)


é a envolvente das circunferências Ct, dadas por (1) (FIGURA 3).

[editar] Referências

  1. BOLTYANSKII, V., Envelopes. Popular lectures in mathematics, Pergamon Press and MIR Editions. 1964.
  2. HANNA, G. & JAHNKE, H. N., Arguments from Physics in Mathematical Proofs: An Educational Perspective, For the Learning of Mathematics, 22, 3, p. 38-45. 2002.


Criada em 22 de Julho de 2021
Revista em 22 de Julho de 2021
Aceite pelo editor em 15 de Dezembro de 2021