Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica

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Referência : Bertolami, O., Gomes, C., (2018) Stephen Hawking e a sua contribuição para a física teórica, Rev. Ciência Elem., V6(2):044
Autor: Orfeu Bertolami e Cláudio Gomes
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [http://doi.org/10.24927/rce2018.044]
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A 14 de março de 2018, o físico britânico Stephen Hawking faleceu aos 76 anos, deixando todavia um importante legado para a física teórica, muito particularmente, para o entendimento das deficiências intrínsecas da Relatividade Geral de Einstein, para a física dos buracos negros e para a cosmologia, a ciência do Universo como um todo.


Stephen Hawking doutorou-se em Física Teórica em 1966 pela Universidade de Cambridge, sob a supervisão de Dennis Sciama. Apesar da sua condição física progressivamente limitativa, manteve-se extremamente ativo na investigação nas áreas de cosmologia, física dos buracos negros e gravitação quântica.

Nessa altura, havia uma considerável discussão acerca da realidade e ubiquidade de singularidades, pontos no espaço-tempo onde a Teoria da Relatividade Geral deixa de fazer sentido e não desaparecendo através de mudança de sistemas de coordenadas que descrevem o espaço-tempo. Na segunda metade da década de 1960, Hawking e o matemático inglês Roger Penrose demonstraram que essas singularidades eram inevitáveis no contexto da Teoria da Relatividade Geral (ver, para uma descrição exaustiva, o livro Large Scale Structure of Space-Time escrito em colaboração com o físico sul-africano George Ellis, publicado em 1973[1]). Uma dessas singularidades corresponde ao início do Universo – Big Bang –, e outras estão presentes no interior dos buracos negros, não acessíveis à observação devido à presença de um horizonte de acontecimentos que, segundo a Conjetura da Censura Cósmica de Roger Penrose, protegem sempre as singularidades de se apresentarem “nuas”.

Subsequentemente, em 1975 ele desenvolveu a ideia que os buracos negros deveriam radiar termicamente a uma temperatura específica, inversamente proporcional às suas massas, temperatura esta que hoje designamos por temperatura de Hawking. Esta ideia dá origem ao paradoxo da informação, em que a informação que entrava no horizonte de evento se perdia. Com este contributo passou-se a ter uma equivalência entre a dinâmica e a termodinâmica de buracos negros[2], [3].


FIGURA 1. Emissão da radiação térmica de Hawking por um buraco negro.

No princípio da década de 1980, Hawking iniciou, em colaboração com o físico norte-americano James Hartle, o programa de investigação que hoje designamos por cosmologia quântica. Na cosmologia quântica, o espaço-tempo é descrito por uma função de onda, a função de onda do Universo, como na Mecânica Quântica. Esta equação de onda satisfaz uma equação análoga à de Schrödinger da Mecânica Quântica, a equação de Wheeler-DeWitt. A proposta de Hartle e Hawking é que a função de onda descreva um espaço-tempo sem fronteiras (No-Boundary proposal). A ideia é que à medida que retrocedemos no tempo, chegamos a um ponto em que o Universo é pequeno o suficiente para que efeitos quânticos sejam dominantes. Nesta altura, existe uma espécie de “espuma” do espaço-tempo de tal modo que o tempo não pode ser interpretado do modo como o vemos hoje, mas sim como uma quarta dimensão espacial. Uma analogia útil é a seguinte: se viajarmos para o Polo Sul, temos de seguir sempre para sul, mas quando alcançamos o ponto do Polo Sul já não faz sentido falarmos na direção sul; pelo mesmo raciocínio, ao retrocedermos no tempo há um ponto/instante em que não faz sentido falar-se em tempo. Matematicamente, isto torna-se possível passando de um espaço-tempo de Minkowski, como na Relatividade Restrita, para um espaço Euclideano a quatro dimensões, no qual o tempo passa a ser um número puramente complexo. Com esta formulação, o Universo não tem uma fronteira além daquela que permite a transição entre as duas descrições para o espaço-tempo, e que é exemplificado na FIGURA 2. Esta geometria é designada por shuttlecock ou volante/pena de badminton, devido à semelhança com este objeto[4], [5].


FIGURA 2. Representação tridimensional do modelo de Hartle-Hawking (no boundary proposal). A base corresponde a uma semiesfera a 4 dimensões, e a estrutura que apresenta o tempo como uma direção distinta das espaciais corresponte a um Universo em expansão[6].

Hawking também estudou outros problemas como o das máquinas do tempo, e questões relacionadas com a cosmologia e a formação de estruturas no Universo. Com o seu caraterístico humor, Hawking afirmou não ser possível viajar no tempo. Para tal sugeriu organizar uma festa convidando pessoas do futuro a se juntarem a ele, e dado que ninguém apareceu, concluiu então que viagens no tempo não são possíveis na realidade. Outra prova prende-se com o facto de não termos recebido ainda turistas do futuro, numa clara alusão irónica à procura turística desenfreada que assistimos nos dias de hoje.

Mais recentemente, ele pronunciou-se sobre questões de interesse geral como as implicações do desenvolvimento da inteligência artificial e a necessidade e inevitabilidade da exploração espacial. Mostrou-se reticente acerca dos desenvolvimentos no domínio da inteligência artificial, classificando-o como possivelmente perigoso para a nossa civilização, pois apesar dos potenciais benefícios comportam sérios riscos à continuidade da humanidade. Relativamente à exploração espacial, Hawking encarava as viagens espaciais quer pelo seu interesse científico quer como forma de preservar a humanidade de riscos de destruição devido a guerras nucleares, ou epidemias devido a vírus geneticamente modificados.

O físico Stephen Hawking legou-nos uma extraordinária contribuição científica e humana. Deixou um extraordinário exemplo de resiliência, dedicação ao conhecimento e à sociedade. Fisicamente debilitado e “preso” a uma condição rara, a esclerose lateral amiotrófica que lhe foi diagnosticada aos 21 anos, a sua mente foi das mais livres dos nossos tempos: concebeu hipóteses, conjunturas e teorias; pensou a sociedade de hoje e a do futuro.

Referências

  1. HAWKING, S. W., & ELLIS, G. F. R., The Large Scale Structure of Space-Time. Cambridge University Press. ISBN 0-521-09906-4, 1973.
  2. HAWKING, S. W., The Nature of Space and Time, 1994.
  3. BERTOLAMI, O., O problema da informação na radiação dos Buracos Negros, Jornal Público, 27 novembro 2005.
  4. HAWKING, S. W., The Nature of Space and Time, 1994.
  5. BERTOLAMI, O., MOURÃO, J. M., The Ground state wave function of a radiation dominated universe, Class. Quant. Grav., 8, 1271, 1991.
  6. KIEFER, C., SANDHOEFER, B., Quantum Cosmology, General Relativity and Quantum Cosmology, arXiv:0804.0672 [gr-qc], 2008.




Recursos relacionados disponíveis na Casa das Ciências:

  1. Texto sobre Relatividade Geral;
  2. Buracos Negros.




Criada em 7 de Maio de 2018
Revista em 30 de Maio de 2018
Aceite pelo editor em 18 de Junho de 2018