Propriedades óticas de cristais anisotrópicos
Referência : Lage, E., (2023) Propriedades óticas de cristais anisotrópicos, Rev. Ciência Elem., V11(3):014
Autor: Eduardo Lage
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2023.014]
[editar] Resumo
Nos cristais eletricamente anisotrópicos, a propagação de ondas eletromagnéticas apresenta comportamentos diferentes dos manifestados em meios isotrópicos. A anisotropia origina, para cada direção de propagação da onda, dois vetores de onda diferentes, com polarizações ortogonais para o deslocamento elétrico. O campo elétrico não é, em geral, colinear com o deslocamento elétrico, daí resultando que os vetores de Poynting para aquelas ondas não são colineares com a direção de propagação da onda. Os vetores de onda definem uma superfície de duas folhas que se mostra ser dual da superfície dos raios associada com a propagação da energia, permitindo uma interpretação geométrica das propriedades óticas destes cristais. Os fenómenos de birrefringência, observado primeiramente por R. Bartholin (1669) e explicado por C. Huygens (1690), e as refrações cónicas interna e externa previstas por W. R. Hamilton (1832), são fenómenos espetaculares mas integralmente descritos pela teoria de Maxwell do campo eletromagnético como é mostrado neste trabalho.
Os meios isotrópicos (gases, líquidos, cristais do sistema cúbico) apresentam um comportamento relativamente simples para a propagação de ondas planas e monocromáticas[1]. A isotropia do meio manifesta-se na relação de dispersão[2] onde não intervém a direção de propagação da onda e esta direção é, também, a da propagação da energia. As propriedades óticas do meio são determinadas pelo seu índice de refração e pelos dois estados de polarização1 que podem ser escolhidos arbitrariamente no plano perpendicular ao vetor de onda.
Nos meios anisotrópicos, de que vários exemplos são dados adiante, a relação ente o deslocamento elétrico, →D, e o campo elétrico, →E, é tensorial[3] — num qualquer sistema de eixos triretangular, essa relação escreve-sea:
Di=ε0ε′ijEj (1)
Admite-se aqui que o tensor permitividade elétrica relativa, ε′ij, é simétrico pelo que é sempre diagonalizável. As suas direções próprias são ortogonais e definem o sistema de eixos dielétricos x1, x2, x3. Os correspondentes valores próprios (ε′1,ε′2,ε′3), determinam o comportamento ótico:
meios isotrópicos ε′1=ε′2=ε′3
cristais uniaxiais ε′1=ε′2≠ε′3
cristais biaxiais ε′1<ε′2<ε′3
Designam-se por índices de refração principais as raízes quadradas destes valores próprios. Deve sublinhar-se que as direções próprias são, muitas vezes, coincidentes com eixos cristalográficos e que os valores próprios dependem, em geral, da frequência da onda eletromagnética. Notar-se-á, também, que nos cristais anisotrópicos, os vetores →D e →E não são, em geral, colineares, fazendo um ângulo agudo entre eles porque a densidade de energia elétrica[4] 12→E⋅→D é sempre positiva. No entanto, aqueles vetores são colineares nos eixos dielétricos e, também, noutras direções no caso de haver degenerescência dos valores próprios.
No que se segue, e para facilitar a notação, redefine-se →Dε0→→D e abandona-se a plica no tensor permitividade elétrica relativa. Assim, para uma onda eletromagnética plana (vetor de onda →k) e monocromática (frequência angular ω), as equações de Maxwell dão:
→k∧→E=ω→B (2)
→k∧→B=−ωc2→D (3)
Segue-se que os vetores →D, →B, →k formam um triedro direto. O vetor de Poynting:
→S=ε0c2→E∧→B (4)
que determina a direção da propagação da energia eletromagnética, situa-se, tal como →D, →E, →k, num plano perpendicular ao campo magnético, →B (FIGURA 1).

Note-se que o ângulo entre os vetores →D, →E é igual ao ângulo entre os vetores →k, →S. A maior parte das propriedades óticas dos cristais anisotrópicos reside neste não alinhamento entre a direção de propagação da onda e a direção de propagação da energia.
Eliminando o campo magnético nas eqsuações (2) e (3), obtém-se:
→k2→E−(→k⋅→E)→k=ω2c2→D (5)
Esta equação vai fornecer a relação de dispersão. Para isso, considere-se um sistema de eixos triretangular x, y, z com o eixo z alinhado na direção do vetor de onda e os eixos x, y escolhidos arbitrariamente no plano perpendicular ao vetor de onda. Como é Dz=0, da equação (1) tira-se Ez=−1εzx(εzzEx+εzyEy) que se substitui na equação (5) projetada no plano x, y, obtendo-se a seguinte equação sob forma matricial:
c2ω2k2(ExEy)=[Exx−εxzεzzεxy−εxzεzyεzzεyx−εyzεzxεzzεyy−εyzεzyεzz]
É uma equação de valores próprios onde a matriz no segundo membro é simétrica. A equação secular (equação de Fresnel) define então, dois valores próprios k2, distintos em geral, sendo ortogonais os respetivos vetores próprios (ExEy). Note-se que tal não significa que os correspondentes vetores →E sejam ortogonais (para os quais existem, também, as componente Ez). Na verdade, o segundo membro da equação anterior define as componentes (DxDy) do deslocamento elétrico, sendo, pois, os verdadeiros vetores próprios daquela equaçãob. Assim, para uma direção arbitrária de propagação, há, em geral, duas ondas com a mesma frequência que se propagam naquela direção (i.e. k>0) com diferentes vetores de onda, apresentando, pois, diferentes índices de refração, η (recorda-se[5] que k=ωcη), com polarizações →D retilíneas perpendiculares entre si e à direção de propagação, sendo também diferentes os respetivos vetores de Poynting. Há casos em que aqueles dois valores próprios são iguais, e.g., por razões de simetria nos cristais uniaxiais ou para direções particulares (binormais) nos cristais biaxiais, como se mostra adiante. Nestes casos, a ortogonalidade das polarizações pode sempre ser imposta.
Tem particular interesse projetar a equação (5) nos eixos dielétricos onde a matriz [ε] está diagonalizada. Obtém-se:
[k2−k21−ω2c2ε1−k1k2−k1k3−k1k2k2−k22−ω2c2ε2−k2k3−k1k3−k2k3k2−k23−ω2c2ε3][E1E2E3]=0 (6)
A matriz é simétrica; o necessário anulamento do seu determinante dá a relação de dispersão para qualquer direção, o que será apresentado mais abaixo. Genericamente, o determinante é uma função F(→k,ω,[ε]) e o seu anulamento:
F(→k,ω,[ε])=0 (7)
define uma superfície no espaço dos vetores de onda. É, realmente, uma superfície de duas folhas que se tocam em alguns pontos, como se verifica a seguir, designada por superfície dos vetores de onda. A normal a esta superfície é determinada pelo seu gradiente (em relação às componentes de k), i.e., ▽→kF. Ora, diferenciando a função para as variáveis →k e ω, tem-se:
▽→kF⋅d→k+∂F∂ωdω=0→→vg=dωd→k=−▽→kF∂F∂ω (8)
onde →vg é a velocidade de grupo[6], pelo que esta é normal à superfície dos vetores de onda. A explicitação da função F torna-se mais simples se se começar por definir um vetor →η, adimensional, da seguinte forma:
→k≡ωc→η (9)
Então, a relação de dispersão F=0 dá a equação de Fresnel:
η2[η21ε1+η22ε2+η23ε3−ε1ε2−ε3ε1]+
+η21ε2ε3+η22ε3ε1+η23ε1ε2+ε1ε2ε3=0 (10)
Para uma direção arbitrária do vetor de onda definida pelo versor →u, i.e., →η=η→u, esta equação pode ser escrita mais sucintamente sob a forma:
ε1u21η2−ε1+ε2u22η2−ε2+ε3u23η2−ε3=0 (11)
Existem, pois, dois índices de refração, η, para as duas ondas que se propagam naquela direção, confirmando o resultado atrás obtido, situados entre o maior e menor dos índices de refração principais (como se observa se se representar graficamente a equação (11)). A equação (10) mostra claramente que a superfície dos vetores de onda é uma superfície de duas folhas. O estudo mais atento desta superfície é apresentado mais abaixo.
Os estados de polarização →D para as duas ondas são mais facilmente deduzido a partir do elipsoide dos índices que agora se descreve. Considere-se a energia eletrostática:
Ue=12→E⋅→D=12(D21ε1+D22ε2+D23ε3)
O elipsoide dos índices é definido por:
η211+η222+η233=1 (12)
Para encontrar as polarizações das duas ondas que se propagam numa direção arbitrária →u, encontra-se a interseção do plano normal →u passando pela origem do elipsoide. A interseção é uma elipse, em geral, cujos semieixos são os dois índices de refração (assinalados por ηa e ηb na figura onde, também, se marcaram, nos eixos, os índices de refração principais) e também definem as duas direções de polarização (FIGURA 2). A demonstração deste resultado é apresentada no Apêndice.

Usando a equação (9), as equações (2) e (3) reescrevem-se sob a forma:
→η∧→E=c→B (13)
c→B∧→η=→D (14)
Di=εijEj (15)
Um raio de luz é, realmente, um grupo de ondas com a mesma frequência, e vetores de onda distribuídos em torno de um vetor de onda →k central. Sendo um grupo de ondas, move-se com a velocidade de grupo a qual se mostrou ser normal à superfície dos vetores de onda. É, assim, de esperar que o vetor de Poynting, que exprime o transporte de energia do grupo, seja normal àquela superfície. Mas pode ser provada esta afirmação. Sejam →E, →D, →B os vetores do campo associados com a onda central. Para as outras ondas do grupo, haverá diferenças δ→E, δ→D, δ→B em relação àqueles vetores. Diferenciando as equações (13) e (14), tem-se:
cδ→B=δ→η∧→E+→η∧δ→E
δ→D=cδ→B∧→η+c→B∧δ→η
Então:
cδ→B⋅→B=δ→η∧→E⋅→B+→η∧δ→E⋅→B=1ε0c2δ→η⋅→S+δ→E⋅→B∧→η=1ε0c2δ→η⋅→S+1cδ→E⋅→D
12δ→D⋅→E=δ→B∧→η⋅→E+→B∧δ→η⋅→E=→η∧→E⋅δ→B+1ε0c2δ→η⋅→S=cδ→B⋅→B+1ε0c2δ→η⋅→S
Ora, δ→E⋅→D=δEiDi=δEiεijEj=δEjεjiEi=EiεijδEj=→E⋅δ→D. Deste modo, as equações anteriores determinam δ→η⋅→S=0, confirmando ser o vetor de Poynting normal à superfície dos vetores de onda.
Considere-se um vetor →s, colinear com o vetor de Poynting, →S, e satisfazendo a relação:
→s⋅→η=1 (16)
Quando o vetor de onda se desloca na superfície dos vetores de onda, este vetor →s, normal àquela superfície, define uma outra superfície, designada por superfície dos raios, que importa agora descrever. Note-se que tal vetor, tal como →S, é perpendicular aos vetores →E e →B (equação (4)). Assim, multiplicando vetorialmente por →s as equações (13) e (14), e usando a equação (16), obtém-se:
→s∧→D=c→B (17)
c→B∧→s=→E (18)
Ei=[ε]−1ijDj (19)
onde [ε]−1 é a matriz inversa da matriz das permitividades elétricas. Estas equações são duais das equações (13)-(15): se nestas se substituir →η→→s, →E→→D, →D→→E e [ε]→[ε]−1, obtém-se as equações (17) a (19) (→B é invariante). Deste modo, se uma equação for obtida envolvendo as primeiras grandezas, a mesma equação será válida para as segundas grandezas, bastando efetuar a correspondente substituição. Ora, sendo F(→η,[ε])=0, a equação da superfície dos vetores de onda (equação (10)), então F(→s,[ε]−1)=0 é a equação da superfície dos raios. E tal como →s é normal à superfície dos vetores de onda, é →η normal à superfície dos raios. Este resultado pode ser confirmado facilmente: imagine-se que se efetua um pequeno deslocamento δ→η tangente à superfície dos vetores de onda. Como →s é normal a esta superfície, então δ→η⋅→s=0. Ora, da equação (16) resulta δ→s⋅→η=0, i.e., o vetor de onda é normal ao correspondente pequeno deslocamento na superfície dos raios.
Cristais uniaxiais.
A tabela apresenta vários exemplos de cristais uniaxiais e indica os sistemas cristalográficos onde podem ocorrer. Nestes sistemas há um eixo de simetria de maior grau que se identifica, por convenção, com o eixo x3 dos eixos dielétricos, ficando os outros dois arbitrariamente escolhidos no plano perpendicular. Aquele eixo é designado por eixo ótico, sendo habitual definir ε||≡ε3 e ε⊥≡ε1=ε2. Embora o índice de refração dependa da direção de propagação, é costume designar os seus valores extremos por ηe=√ε|| (índice extraordinário) e ηo=√ε⊥ (índice ordinário), dizendo-se que o cristal é opticamente positivo/negativo se Δη≡ηe−ηo for maior/menor do que zero.

A superfície dos vetores de onda é constituída por uma esfera e por um elipsoide de revolução (FIGURA 3), em torno do eixo óticoc, com as duas folhas a tocarem-se apenas no eixo ótico:
η21+η22+η23=ε⊥
η21+η22ε||+η23ε⊥=1 (20)

A primeira folha descreve a onda “ordinária” para a qual →D e →E são colineares e perpendiculares ao eixo ótico originando um vetor de Poynting colinear com o vetor de onda. A segunda folha descreve a onda “extraordinária”: o vetor →D situa-se no plano definido pelo eixo ótico e o vetor de onda respetivo (plano principal), não sendo colinear com →E , pelo que o vetor de Poynting, perpendicular ao elipsoide, não tem a direção do vetor de onda. O elipsoide dos índices é, também, de revolução em torno do eixo ótico e confirma estas conclusões. Assim, para luz propagando-se numa direção genérica, haverá dois raios divergentes, cada um polarizado linearmente e com polarizações perpendiculares (FIGURA 4), tal como se observa num cristal de calcite (FIGURA 5).


Rodando o cristal, obter-se-á um único raio quando o vetor de onda, no interior do cristal, se alinhar com o eixo ótico.
Exemplo
A FIGURA 6 representa a interface (eixo x) de vácuo ou ar com um cristal uniaxial. O eixo ótico, x3, situa-se no plano de incidência, fazendo um ângulo α com a normal (eixo z) à interface. A interseção da superfície dos vetores de onda com o plano de incidência consiste na semicircunferência de raio √ε⊥ e no arco de elipse de semieixos √ε⊥ e √ε||, ambos desenhados (amarelo) na figura. Uma onda plana monocromática apresenta uma incidência normal à interface (vetor de onda k(i) dirigido segundo z. Pretende-se descrever as ondas refletida e transmitida.
Notar-se-á que a fase da onda incidente depende apenas do tempo no plano se separação, pelo que as ondas refletida e transmitida têm a mesma frequência e vetores de onda perpendiculares à interface[7]. Para a polarização perpendicular da onda incidente, a onda transmitida também em polarização perpendicular (a polarização é normal ao eixo ótico): é o raio ordinário, apresentando índice de refração o ηo=√ε⊥ e tendo o respetivo vetor de Poynting dirigido segundo o eixo z.

A caracterização completa das ondas transmitida e refletida é idêntica à encontrada para meios isotrópicos, reproduzindo-se aqui apenas a refletância e transmitância:
R⊥=(1−ηo1+ηo)2T⊥=4ηo(1+ηo)2
Para a polarização paralela da onda incidente, os estados de polarização das três ondas estão marcados na FIGURA 6, sendo de notar que se indicou a polarização →D(t) da onda transmitida (normal ao campo magnético e ao vetor de onda →k(t). A equação da elipse nos eixos dielétricos é (ver equação (20)):
η21ε||+η23ε||=1
Ora, para a onda transmitida, →η tem a direção do eixo z, pelo que o índice de refração da onda extraordinária é:
η(t)=((senα)2ε||+(cosα)2ε⊥)−12 (21)
É já possível obter a direção de propagação da energia para o raio extraordinário: o vetor de Poynting é normal à elipse no ponto onde esta se cruza com o eixo z. A normal à elipse tem a direção do vetor (η1ε||,η3ε||) nos eixos dielétricos x1, x3, sendo η1=−η(t)senα e η3=η(t)cosα no ponto considerado. Passando para os eixos x, z, esta normal tem componentes (−senαcosα(1ε||−1ε⊥),(sen)2ε||+(cosα)2ε⊥), pelo que:
tgβ=η(t)2senαcosα(1ε||−1ε⊥) (22)
onde se usou a equação (21). Este ângulo β é a separação angular entre os raios ordinário e extraordinário que se observa nas FIGURA 4 e FIGURA 5.
O vetor →D(t) tem componentes −→D(t)(cosα,senα) nos eixos dielétricos, pelo que o campo elétrico da onda transmitida tem componentes −→D(t)(cosαε⊥,senαε||). Passando para os eixos x, z, obtém-se −→D(t)((senα)2ε||,(cosα)2ε⊥,senαcosα(1ε||−1ε⊥)). Assim, a continuidade, na interface, das componentes tangenciais do campo elétrico, fica:
E(i)−E(r)=D(t)(senα)2ε||+(cosα)2ε⊥=D(t)η(t)2 (23)
Os campos magnéticos das três ondas têm a direção e sentido contrário aos eixos y≡x2. Para a onda transmitida, o campo magnético obtém-se da equação (14): cB(t)=D(t)η(t). Assim, a continuidade das componentes tangenciais do campo magnético, escreve-se:
E(i)+E(r)=D(t)η(t) (24)
Das equações (23) e (24) resultam as relações de Fresnel:
D(t)E(i)=2η(t)2η(t)+1E(r)E(i)=η(t)−1η(t)+1 (25)
Conclui-se que a refletância para esta polarização da onda incidente é:
R||=(η(t)−1η(t)+1)2
O vetor de Poynting para a onda transmitida deduz-se dos resultados anteriores, apresentando as seguintes componentes x, z:
→S(t)||=ε0cD(t)2η(t)(−sencosα(1ε||−1ε⊥),(senα)2ε||+(cosα)2ε⊥)=
=ε0cD(t)2η(t)(−sencosα(1ε||−1ε⊥),1η(t)2)
Este resultado confirma que o vetor de Poynting é normal à elipse, como atrás encontrado. A transmitância é definida por:
T||=(→S(t)||)z(→S(i)||)z=1η(t)3(D(t)E(i))=4η(t)(η(t)+1)2
verificando-se a conservação da energia: R||+T||=1.
Cristais biaxiais.
A tabela apresenta vários exemplos de cristais biaxiais e indica os sistemas cristalográficos onde podem genericamente ocorrer. No sistema triclínico, os eixos dielétricos não estão relacionados com qualquer eixo cristalográfico; no sistema monoclínico, um dos eixos dielétricos, e.g., x3, coincide com o eixo de simetria de 2.ª ordem ou é perpendicular ao plano de simetria; no sistema ortorrômbico, os três eixos dielétricos coincidem com os três eixos cristalinos de 2.ª ordem. No que se segue, admite-se a ordenação ε1<ε2<ε3; estas constantes definem os três índices de refração principais (designados por α, β, γ na tabela).

A superfície dos vetores de onda, equação (10), apresenta uma propriedade fundamental para a compreensão do comportamento ótico destes cristais: as duas folhas tocam-se em quatro pontos críticos, apenas, situados no plano x1x3, simetricamente dispostos nos quatro quadrantes, definindo duas retas simétricas em relação ao eixo x3. Essas retas são designadas por eixos óticos ou binormais. Com efeito, anulando à vez cada uma das componentes do vetor →η na equação (10), obtém-se a interseção da superfície com os planos dielétricos. A FIGURA 7 representa as linhas obtidas no primeiro octante. Estas linhas são arcos de circunferência ou de elipse que intersectam os eixos segundo os índices de refração principais (marcados na figura).

As linhas a cheio representam as interseções da folha exterior da superfície; a tracejado representam as interseções com a folha interior. As duas folhas tocam-se num único ponto neste quadrante do plano x1x3 , definindo a binormal. Há três outros pontos similares nos outros quadrantes, como se mostra na FIGURA 8.

É fácil encontrar as coordenadas deste pontos pois que resultam da interseção da circunferência de raio √ε2 com a elipse de semieixos √ε1 e √ε3, obtendo-se:
η21=ε3ε2−ε1ε3−ε1η23=ε1ε3−ε2ε3−ε1 (26)
Daqui resulta o ângulo β que a binormal faz com o eixo x3:
tgβ=√ε3ε1ε2−ε1ε3−ε2 (27)
Os pontos críticos são pontos especiais: nas suas vizinhanças, as normais à superfície (em número infinito) dispõem-se em cone, como se percebe na FIGURA 8. A interseção deste cone no primeiro quadrante do plano x1x3 está definido pelas duas setas vermelhas da FIGURA 9: uma normal ao arco de circunferência (com a direção, pois, da binormal) e a outra normal ao arco de elipse.

A importância de um ponto crítico percebe-se se se imaginar que se corta o cristal sob a forma de uma lâmina de faces paralelas e perpendiculares a uma binormal. Efetuando a incidência normal de uma luz natural, de modo que a sua polarização elétrica flutua aleatoriamente no plano perpendicular à direção de propagação, a onda transmitida tem a extremidade do seu vetor de onda no ponto crítico e os raios (vetores de Poynting), normais à superfície dos vetores de onda, distribuem-se em cone — é a refração cónica interna. Na face de saída, obtém-se uma distribuição cilíndrica de radiação paralela à binormal (FIGURA 10).

A superfície dos raios, dual da superfície dos vetores de onda, apresenta propriedades similares, exibindo quatro pontos críticos no plano x1x3, definindo duas retas designadas por bi-radiais fazendo um ângulo γ com o eixo x3 que, por dualidade, se deduz a partir da equação (27):
tgγ=√ε1ε3tgβ→γ<β (28)
Num ponto crítico da superfície dos raios há uma infinidade de normais dispostas em cone e que são o lugar geométrico dos vetores de onda associados com o mesmo vetor →s dirigido segundo a bi-radial, com extremidade no ponto crítico, estando um desses vetores de onda alinhado com a bi-radial. Considere-se uma lâmina de faces paralelas do mesmo cristal as quais são perpendiculares à bi-radial. Cobrindo a face de entrada excepto num pequeno círculo onde, com uma lente, se faz convergir luz de modo que os vetores de onda refractada se situem no referido cone, a radiação no interior do cristal apresenta um único raio que, ao atingir a face de saída, origina um feixe divergente, em cone, da radiação — é a refração cónica externa (FIGURA 11).

A FIGURA 12 resume a relação entre a superfície dos vetores de onda (azul) e a superfície dos raios (verde) nas suas interseções com o plano x1x3, indicando-se a tracejado as respetivas folhas internas (as escalas são diferentes para as duas superfícies). Desenharam-se a binormal (vermelho) e bi-radial (amarelo).

O ponto a é a interseção da binormal com a superfície dos raios. O vetor de onda dirigido segundo a binormal é perpendicular em a à superfície dos raios. O plano tangente a esta superfície em a é também tangente em b, pelo que os raios Oa e Ob estão associados com o mesmo vetor de onda (dirigido segundo a binormal). Assim, Oab é a interseção com o plano da figura do cone de refração cónica interna. De modo análogo, o ponto a′ é a interseção da bi-radial com a superfície dos vetores de onda. Como a bi-radial tem a direção de um raio, é normal àquela superfície. Assim, traçando o plano tangente à superfície dos vetores de onda em a′, ele volta a ser tangente a esta superfície em b′. Tal significa que os vetores de onda Oa′ e Ob′ admitem a mesma normal (o raio dirigido segundo a bi-radial) à superfície dos vetores de onda. Logo, Oa′b′ é a interseção com o plano da figura do cone de refração cónica externa.
A birrefringência é usada em écrans de cristais líquidos (LCD), em lentes polaroid e em técnicas de diagnóstico em Medicina. O plástico, sob tensão, é birrefringente revelando-se útil em Engenharia Civil para avaliar zonas sob elevada tensão em modelos, à escala reduzida, de pontes e barragens hidroelétricas, uma técnica designada por fotoelasticidade. Em Mineralogia é empregue para identificar rochas, minerais e pedras preciosas. Em Geofísica é utilizado para estudar as ondas-S (transversais) que se propagam apenas na parte sólida da Terra.
Apêndice.
Propriedades do elipsoide dos índices.
O elipsoide dos índices é definido, no sistema de eixos dielétricos, pela equação (12) que aqui se reescreve:
η21ε1+η22ε2+η23ε3=∑3i=1η2iεi=1 (29)
Seja →u o versor da direção de propagação de uma onda eletromagnética. O plano normal a →u passando pelo centro do elipsoide, é dado por:
→η⋅→u=∑3i=1ηiui=0 (30)
O plano intersecta o elipsoide segundo uma elipse cujos semi-eixos são determinados pelos extremos da distância à origem, i.e., pelos máximos e mínimos de:
→η2=∑3i=1η2i (31)
sujeitos às condições (29) e (30). Usando o método dos multiplicadores de Lagrange, procurarse- ão os extremos de:
∑3i=1η2i−α(∑3i=1η2iεi−1)−2β∑3i=1ηiui
onde α e β são os multiplicadores. Derivando, encontra-se:
ηi(1−αεi)−βui=0 (32)
Multiplicando por ηi e somando sobre i=1,2,3, obtém-se:
∑3i=1η2i−α∑η2ii=1η2iεi=0→α=∑3i=1η2i=η2
onde se invocou a equação (30). Assim, a equação (32) reescreve-se:
ηi=βui1−η2εi=βη2ui1η2−1εi (33)
Multiplicando por ui, somando sobre i e atendendo à equação (30), obtém-se:
∑3i=1u2i1η2−1εi=0
que é a equação de Fresnel, equação (11), i.e., as soluções ηa e ηb desta equação são os índices de refração das duas ondas propagando-se na direção de →u. Usando a equação (33), tem-se:
η(a)i∝ui1η2a−1εiη(b)i∝ui1η2b−1εi (34)
São, então, estas as direções dos máximo e mínimo da distância à origem. Os dois vetores →η(a) e →η(b) são ortogonais, o que confirma serem os semi-exos da elipse resultante da interseção:
→η(a)⋅→η(b)∝∑3i=1u2i(1η2b−1εi)(1η2b−1εi)∝∑3i=1u2i(11η2a−1εi−11η2b−1εi)=0
como decorre da equação de Fresnel. Estas mesmas direções são as direções da polarização →D das duas ondas. Com efeito, a equação (5) reescreve-se:
η2Ei−(ˉu⋅→E)η2ui=Di=εiEi→Ei=ˉu⋅→Eui1−εiη2
Então:
Di=εiEi∝ui1εi−1η2→→D(a)||→η(a)→D(b)||→η(b)
como resulta por comparação da equação anterior com a equação (34).
Notas
a Soma sobre índice repetido.
b Basta multiplicar ambos os membros da equação pela matriz, o que conduz à mesma equação mas com (ExEy)→(DxDy).
c É mais fácil obter estas equações fazendo k2=0 no anulamento do determinante da eq. (6), completando, depois, os resultados atendendo à simetria de revolução.
[editar] Referências
- ↑ LAGE, E., Ondas eletromagnéticas, Rev. Ciência Elem., V9(2):048. (2021). DOI: 10.24927/rce2021.048.
- ↑ LAGE, E., Ondas, Rev. Ciência Elem., V8(1):016. (2021). DOI: 10.24927/rce2021.016.
- ↑ LAGE, E., Escalares, vetores e tensores cartesianos, ZZZ. DOI: 10.24927/rce2018.086.
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Criada em 26 de Abril de 2022
Revista em 14 de Junho de 2022
Aceite pelo editor em 15 de Março de 2023