Plantas medicinais

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Referência : Hoffmann, A., Lobão, A. Q., Joffily, A., Brandes, A. F. N., Boscolo, O. H., Paiva, S. R., (2024) Plantas e monitoramento da qualidade do ar, Rev. Ciência Elem., V12(3):036
Autores: Andre Hoffmann, Adriana Quintella Lobão, Ana Joffily, Arno Fritz das Neves Brandes, Odara Horta Boscolo e Selma Ribeiro de Paiva
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2024.036]
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[editar] Resumo

O hábito de medicar-se com plantas já era disseminado e transmitido entre as mais antigas civilizações. Ainda hoje, a maior parte da população mundial depende de plantas medicinais ou extratos vegetais para o tratamento das mais variadas enfermidades. Embora diferentes culturas ao redor do mundo tenham desenvolvido vasto conhecimento sobre o potencial medicinal das plantas, a ciência ainda está longe de conhecer todos os efeitos e toda a diversidade de substâncias bioativas que elas são capazes de produzir. A adoção de boas práticas com relação às plantas medicinais é essencial, incluindo o uso consciente, a valorização dos conhecimentos tradicionais e a preservação da biodiversidade vegetal.


Utilizar-se das virtudes curativas de certos vegetais foi uma das primeiras manifestações do esforço da espécie humana para compreender e utilizar a natureza. Esse conjunto de conhecimentos evoluiu durante milênios, aprofundando-se e diversificando-se, sem nunca, porém, cair totalmente no esquecimento. Portanto, a história de nossa espécie está intimamente ligada ao uso das plantas. As utilidades variam desde alimentação, construção e ornamentação até o uso da planta inteira, de partes dela ou de extratos vegetais, para fins terapêuticos. Plantas formaram a base da medicina tradicional e muitas delas deram origem a medicamentos e tratamentos utilizados até hoje[1]. Segundo a Organização Mundial da Saúde, cerca de 80% da população do planeta faz uso de plantas medicinais, seja de forma esporádica, frequente, complementar ou mesmo como a única fonte de recursos medicamentosos[2].

Uma planta é considerada medicinal quando pelo menos uma de suas partes (raiz, caule, folha, flor, fruto ou semente) produz e/ou armazena substâncias com atividade farmacológica[3]. Essa planta, ou a parte específica dela, pode então ser processada industrialmente de diversas formas (utilizando, por exemplo, diferentes métodos de secagem e extração) para a obtenção do produto final medicamentoso. A droga vegetal ou o derivado de droga (extrato) produzido, sem a adição de substâncias, sejam elas naturais ou sintéticas, são considerados fitoterápicos[4]. A indústria de fitoterápicos movimenta bilhões de dólares por ano, e grande parte das novas entidades químicas descobertas são de origem natural[5]. Entre 1940 e 2010, quase metade dos princípios ativos (i.e. por exemplo, substâncias que apresentam efeitos farmacológicos) desenvolvidos para o tratamento do câncer vieram de produtos naturais ou seus derivados[6]. Por conta da complexidade de seus componentes e da grande diversidade biológica e química ainda pouco explorada, as plantas representam as fontes mais promissoras para o desenvolvimento de novos medicamentos[7].

O valor farmacêutico das plantas, assim como o valor como aditivos alimentares, saborizadores e reagentes bioquímicos de relevância industrial, se dá graças à sua capacidade de sintetizar moléculas orgânicas especiais[8]. Para a manutenção de suas funções biológicas e ecológicas, as plantas produzem uma diversidade de metabólitos derivados de diferentes rotas biossintéticas, que constituem os chamados metabolismo primário e secundário ou especial. São conhecidos como metabólitos primários aqueles associados ao funcionamento de todas as plantas, incluindo carboidratos, proteínas, lipídeos e ácidos nucléicos. Já os metabólitos secundários ou especiais são substâncias de diferentes naturezas químicas, cuja função principal é de defesa da planta contra herbívoros, patógenos e fatores ambientais, embora também estejam envolvidos em processos fisiológicos e de sinalização celular[9], [10], [11] (FIGURA 1). Apesar de terem surgido evolutivamente como mecanismo de defesa das plantas[12], esses metabólitos são a base para os efeitos clínicos em seres humanos, podendo interagir com nosso organismo de forma negativa — conferindo à planta determinado nível de toxicidade — ou positiva — conferindo às plantas propriedades medicinais[13].


FIGURA 1. Exemplos de alguns dos principais tipos de metabólitos secundários encontrados em plantas.

Diferentes espécies de plantas apresentam padrões específicos de produção e acúmulo de metabólitos secundários, que variam de acordo com a parte da planta, com as condições ambientais (temperatura, disponibilidade de água, luz solar, presença de ameaças químicas ou biológicas) e com a idade e fenologia da planta[14], [15], [16], [17], [18], [19]. A composição, concentração e o método utilizado para extrair as substâncias presentes numa planta medicinal são determinantes para a obtenção do efeito terapêutico desejado (FIGURA 2).

Portanto, é muito importante que tanto os usuários quanto os profissionais de saúde entendam os benefícios e os riscos envolvidos no uso de plantas medicinais e fitoterápicos[20]. Existe uma tendência a acreditar que alternativas naturais aos medicamentos sintéticos são seguras e livres de toxicidade e efeitos colaterais, mas é importante ressaltar que plantas medicinais também podem ser tóxicas. A toxicidade de uma planta pode variar de acordo com a dosagem, a sensibilidade do indivíduo (que também pode ser influenciada por fatores temporários como a gestação) e a interação com outras substâncias medicamentosas[21]. Além disso, o uso de espécies identificadas erroneamente, a preparação inadequada ou de partes erradas da planta, pode não ter efeito medicinal, ou pior, pode ser tóxico e até agravar o quadro clínico a ser tratado.


FIGURA 2. Exemplos de plantas medicinais, preparações e efeitos terapêuticos[22], [23], [24], [25], [26]. O processo de decocção consiste na imersão do material em água fervendo por tempo determinado, enquanto a infusão consiste em despejar água fervente sobre o material e, em seguida, tampar o recipiente por tempo determinado. A maceração envolve apenas o contato do material com a água a temperatura ambiente.

Para garantir que as plantas medicinais sejam utilizadas de forma segura, são indispensáveis:

  • A identificação correta da planta — seja por um botânico especialista ou por um detentor de conhecimento tradicional;
  • A utilização da parte correta da planta (aquela que de fato armazena as substâncias bioativas);
  • A adoção do método de preparação adequado;
  • Conhecimento da posologia adequada (número de vezes e a quantidade de medicamento a ser utilizado). Em caso de dúvida, a consulta à profissional de saúde habilitado é indispensável.

Existem cerca de 350.000 espécies de plantas conhecidas no mundo[27], sendo que apenas uma pequena fração teve sua composição química estudada. Muitas espécies ainda não foram descritas pelos taxonomistas e ameaças como desmatamento e mudanças climáticas, podem fazer com que elas desapareçam antes que possamos conhecê-las. Dada a imensa diversidade de espécies vegetais e de substâncias produzidas por elas, nossa capacidade de explorar o poder terapêutico das plantas depende da integração de diferentes áreas do conhecimento, como a botânica, a química e a farmacologia. Nesse cenário, a etnobotânica — ciência que estuda a relação entre os seres humanos e as plantas e o modo como essas plantas são usadas[28] — e a biologia da conservação são essenciais, tanto no direcionamento das pesquisas e na valorização dos conhecimentos tradicionais quanto para assegurar a preservação das espécies e suas substâncias com potencial terapêutico[29]. A retomada de antigos saberes de culturas passadas e a incorporação de novas práticas nos usos de plantas têm alavancado a disciplina de etnobotânica, abrindo caminhos para um aumento na eficiência tanto na bioprospecção quanto na conservação de ecossistemas[30].

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[editar] Referências

  1. SEN, T. & SAMANTA, S. K., Advances in Biochemical Engineering/Biotechnology, Springer Berlin, Heidelberg, 147, 59–110. 2014.
  2. AKERELE, O., Nature’s medicinal bounty: don’t throw it away, World health forum, 14, 4, 390-395. 1993.
  3. WHO, Programme on Traditional Medicine. Regulatory situation of herbal medicines: a worldwide review, World Health Organization, 1998.
  4. BRASIL. Dispõe sobre o registro de medicamentos fitoterápicos e o registro e a notificação de produtos tradicionais fitoterápicos, Agência Nacional de Vigilância Sanitária, RDC, 26/2014.
  5. SEN, T. & SAMANTA, S. K., Advances in Biochemical Engineering/Biotechnology, Springer Berlin, Heidelberg, 147, 59–110. 2014.
  6. NEWMAN, D. J.& CRAGG, G. M., Natural Products as Sources of New Drugs from 1981 to 2014, Journal of Natural Products, 79, 3, 629–61, 2016.
  7. MA, X. et al., Bioinformatics-Assisted, Integrated Omics Studies on Medicinal Plants, Briefings in Bioinformatics, 21, 6, 1857–74. 2020.
  8. WAWROSCH, C. & ZOTCHEV, S. B., Production of Bioactive Plant Secondary Metabolites through in Vitro Technologies—Status and Outlook, Applied Microbiology and Biotechnology, 105, 18, 6649–68. 2021.
  9. ERB, M. & KLIEBENSTEIN, D. J., Plant Secondary Metabolites as Defenses, Regulators, and Primary Metabolites: The Blurred Functional Trichotomy, Plant Physiology, 184, 1, 39–52. 2020.
  10. DIVEKAR, P. A. et al., Plant Secondary Metabolites as Defense Tools against Herbivores for Sustainable Crop Protection, International Journal of Molecular Sciences, 23, 5, 2690. 2022.
  11. ZAYNAB, M. et al., Role of Secondary Metabolites in Plant Defense against Pathogens, Microbial Pathogenesis, 124, 198–202. 2018.
  12. WINK, M., Evolution of Secondary Metabolites from an Ecological and Molecular Phylogenetic Perspective, Phytochemistry, 64, 1, 3–19.
  13. VEIGA JUNIOR, V. F. et al., Plantas medicinais: cura segura?, Química Nova, 28, 3, 519–528. 2005.
  14. ERB, M. & KLIEBENSTEIN, D. J., Plant Secondary Metabolites as Defenses, Regulators, and Primary Metabolites: The Blurred Functional Trichotomy, Plant Physiology, 184, 1, 39–52. 2020.
  15. DIVEKAR, P. A. et al., Plant Secondary Metabolites as Defense Tools against Herbivores for Sustainable Crop Protection, International Journal of Molecular Sciences, 23, 5, 2690. 2022.
  16. AKULA, R. & RAVISHANKAR, G. A., Influence of Abiotic Stress Signals on Secondary Metabolites in Plants, Plant Signaling & Behavior, 6, 11, 1720–1731. 2011.
  17. LI, Y. et al., The Effect of Developmental and Environmental Factors on Secondary Metabolites in Medicinal Plants, Plant Physiology and Biochemistry, 148, 80–89. 2020.
  18. POPOVI, Z. et al., Variability of Six Secondary Metabolites in Plant Parts and Developmental Stages in Natural Populations of Rare Gentiana Pneumonanthe, Plant Biosystems, 155, 4, 816–822. 2021.
  19. GOBBO-NETO, L., & LOPES, N. P., Plantas medicinais: fatores de influência no conteúdo de metabólitos secundários, Química Nova, 30, 2, 374–381. 2007.
  20. PEDROSO, R. S. et al., Plantas medicinais: uma abordagem sobre o uso seguro e racional, Physis: Revista de Saúde Coletiva, 31, 2, e310218. 2021.
  21. CAMPOS, S. C. et al., Toxicidade de espécies vegetais, Revista Brasileira De Plantas Medicinais, 18, 1, 373–382. 2016.
  22. EL MIHYAOUI, A. et al., Chamomile (Matricaria chamomilla L.): A Review of Ethnomedicinal Use, Phytochemistry and Pharmacological Uses. Life, 12, 479. 2022.
  23. ALASBAHI, R. H., & MELZIG, M. F., Plectranthus barbatus: a review of phytochemistry, ethnobotanical uses and pharmacology - Part 1, Planta Med., 76, 7, 653–661. 2010.
  24. SHARA, M., & STOHS, S. J., Efficacy and Safety of White Willow Bark (Salix alba) Extracts, Phytother Res., 29, 8, 1112–1116. 2015.
  25. PATOKA, J., & JAKL, J., XXX, J Appl Biomed, 8, 1, 11–18. 2010.
  26. BRASIL, Formulário de fitoterápicos da Farmacopéia Brasileira, Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Brasília: Anvisa. 2011.
  27. GOVAERTS, R. et al., The World Checklist of Vascular Plants, a continuously updated resource for exploring global plant diversity, Sci Data, 8, 215. 2021.
  28. ROCHA, J. A. et al., Etnobotânica: um instrumento para valorização e identificação de potenciais de proteção do conhecimento tradicional, Interações (Campo Grande), 16, 1, 67–74. 2015.
  29. GURIB-FAKIM, A., Medicinal Plants: Traditions of Yesterday and Drugs of Tomorrow, Molecular Aspects of Medicine, 27, 1, 1–93. 2006.
  30. BUENZ, E. J. et al., The Ethnopharmacologic Contribution to Bioprospecting Natural Products, Annual Review of Pharmacology and Toxicology, 58, 509–530. 2018.


Criada em 29 de Janeiro de 2024
Revista em 20 de Maio de 2024
Aceite pelo editor em 15 de Dezembro de 2024