Plantas e monitoramento da qualidade do ar
Referência : Oliveira, R. L., Costa, F. V., Junior, J. C. F. M., (2024) Plantas e monitoramento da qualidade do ar, Rev. Ciência Elem., V12(3):035
Autores: Ricardo Larroyed de Oliveira, Fábio Voigt da Costa e João Carlos Ferreira de Melo Junior
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2024.035]
[editar] Resumo
A poluição atmosférica representa um desafio à saúde humana, contribuindo anualmente para milhões de mortes prematuras. Neste cenário, as plantas surgem como sentinelas silenciosas, oferecendo uma perspetiva ecológica e economicamente viável para entender, monitorar e combater esse problema. A capacidade das plantas em absorver gases tóxicos e poluentes do ar, bem como seu papel como bioindicadores, torna-as aliadas na luta contra a poluição.
A poluição do ar é um problema global que afeta a saúde de todos, sendo responsável por cerca de 4,2 milhões de mortes prematuras em todo o mundo. É o segundo maior fator de risco para doenças não transmissíveis, com destaque para as doenças cardíacas, acidente vascular cerebral, câncer de pulmão e problemas respiratórios graves[1]. Para entender como a poluição do ar afeta a saúde humana, os cientistas geralmente utilizam métodos complexos, que envolvem análises físicas e químicas com o uso de máquinas para filtrar o ar[2]. No entanto, as plantas também podem fornecer informações importantes sobre a poluição do ar. Quando expostas a poluentes, as plantas podem adoecer, exibir sinais de injúria ou simplesmente acumular os poluentes manifestando macroscopicamente, ou apenas microscopicamente seus efeitos[3]. Essas alterações são identificáveis e podem ser usadas como ferramentas para sinalizar áreas poluídas. Esta abordagem, conhecida como monitoramento biológico ou biomonitoramento, é mais económica e ecológica, já que as plantas são, de forma geral, extremamente sensíveis e responsivas à poluição[4].
As plantas têm a capacidade de absorver gases nocivos, como dióxido de carbono e dióxido de enxofre, além de outros poluentes como os metais pesados. Embora a maioria das plantas seja sensível aos metais pesados, algumas conseguem crescer mesmo em locais muito contaminados, porque desenvolveram maneiras de evitar que esses metais prejudiquem seu crescimento e reprodução. Essas, plantas resistentes aos metais pesados, utilizam estratégias como imobilizar esses metais na parede celular, bloquear a sua entrada nas células ou criar substâncias que os neutralizam. Além disso, as plantas também podem armazenar esses metais em partes específicas de tecidos e células ou expulsá-los ativamente. Esses mecanismos ilustram a sua capacidade de sobrevivência ou resistência, mesmo em ambientes muito poluídos por metais pesados[5].
O biomonitoramento com o uso de plantas para avaliar a qualidade do ar, pode ser realizado por dois tipos de métodos: passivo e ativo6. No método passivo observam-se plantas que crescem naturalmente em uma área, sendo este método mais utilizado para observar impactos de longo prazo[6]. No método ativo, realiza-se o transplante de plantas cultivadas em ambientes controlados, como estufas, para uma determinada área que poderá estar contaminada. Nesse método, é possível padronizar e monitorar os organismos transplantados, controlar o tempo de exposição e a distribuição geográfica das plantas[7]. Essas características permitem o desenvolvimento de índices atmosféricos com base nas alterações observáveis nas plantas e na concentração de agentes poluentes dentro e fora das plantas[8].
Diversas espécies de plantas podem ser utilizadas no biomonitoramento de acordo com suas características, tais como a capacidade de bioacumulação de substâncias químicas e a habilidade de indicar a presença ou ausência de poluentes[9]. No Brasil, cientistas observaram que plantas nativas da Mata Atlântica apresentam alterações em sua morfoanatomia e fisiologia quando expostas a agentes poluentes, tais como redução da massa e espessura das folhas, perda de tecido fotossintético, alterações estomáticas, diminuição dos níveis de clorofila, entre outros. Essas modificações indicam a presença de agentes poluentes, tornando essas plantas indicadoras de poluentes atmosféricos[10]. As folhas têm a capacidade de captar e acumular diretamente poluentes do ar (FIGURA 1), incluindo o material particulado[11], que é composto por uma mistura de partículas sólidas microscópicas e gotículas líquidas suspensas no ar[12].
Em Portugal, também foram conduzidos estudos de biomonitoramento com o uso de plantas, abrangendo a pesquisa dos efeitos de pesticidas em folhas de pinheiros[13], da presença de metais pesados em cascas de árvores[14] e musgos[15], bem como os impactos nas concentrações de dióxido de enxofre (SO2) em líquens e briófitas[16]. Os líquens podem armazenar metais pesados, como ferro[17], coletar microfibras antropogênicas (partículas sintéticas feitas de celulose ou polímeros derivados de petroquímicos)[18] e exibem atividade mutagênica em resposta a substâncias poluentes[19].
As algas verdes ou clorofíceas, sensíveis à presença de poluentes no ar e na água, são utilizadas para detecção de ozônio e material particulado em ambientes urbanos[20], além de serem empregadas em estudos de biomonitoramento de poluição em ambientes marinhos[21]. Plantas avasculares, tais como musgos e hepáticas, são plantas que não apresentam uma camada cerosa na superfície e não possuem raízes, o que significa que conseguem absorver nutrientes diretamente do ar. Isso as torna capazes de acumular elementos químicos, especialmente metais pesados, em grandes quantidades[22].
No geral, as plantas superiores acumulam substâncias químicas e exibem sinais visíveis de danos (FIGURA 2), manifestando lesões e alterações na estrutura, tais como elementos lenhosos mais curtos e estreitos, além de uma redução na frequência de vasos, quando expostas à poluição[23].
Segundo as diretrizes do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA) para o biomonitoramento da qualidade do ar por meio de plantas, a escolha das espécies vegetais deve considerar diversos aspectos[24]. Primeiro, é importante que as plantas sejam fáceis de identificar no campo, para facilitar a sua localização durante as atividades de monitoramento. Também é crucial que elas mostrem uma resposta clara, indicando como a espécie ou o ecossistema vai reagir ao estresse ambiental. As plantas escolhidas devem estar distribuídas em muitas partes da área afetada pela poluição, para representar bem o espectro da poluição. Para lidar com as mudanças ao longo do tempo, é sugerido que elas sejam amostradas várias vezes durante o ano ou que todas as coletas sejam feitas na mesma estação para evitar erros de interpretação, ao passo a sazonalidade é precursora de mudanças na estrutura foliar. Por último, é essencial considerar o custo, garantindo que as plantas escolhidas sejam financeiramente viáveis no projeto de monitoramento[25].
Além de seu papel no monitoramento, as plantas destacam a responsabilidade coletiva de preservar o meio ambiente. Ao proteger as plantas e entender como elas alertam sobre a poluição, não apenas em relação à saúde, mas também ao equilíbrio do ecossistema. A colaboração entre a natureza e a ciência fomenta a esperança de um futuro em que a qualidade do ar seja um direito fundamental, assegurado pelas sentinelas silenciosas do nosso planeta: as plantas.
[editar] Referências
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Criada em 20 de Dezembro de 2023
Revista em 14 de Maio de 2024
Aceite pelo editor em 15 de Dezembro de 2024