Planck
Referência : Lage, E., (2020) Planck, Rev. Ciência Elem., V8(3):031
Autor: Eduardo Lage
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [http://doi.org/10.24927/rce2020.031]
Max Karl Ernst Planck nasceu em 23 de abril de 1858 em Kiel, Schleswig (hoje República Federal da Alemanha), onde fez os seus estudos iniciais. Era o 6º filho de Wilhelm Planck, professor de Direito na Universidade de Kiel e a sua mãe descendia de uma longa linhagem de pastores protestantes. Na família, da classe média superior, a educação e a cultura eram objeto de alta consideração, sendo habitual a leitura em comum de novelistas famosos, a representação de pequenas peças teatrais ou a interpretação de peças musicais. Max Planck frequenta o liceu (Maximiliansgymnasium) em Munique, onde são apreciadas as suas capacidades intelectuais (como aluno, foi um dos melhores, mas nunca o melhor) e, sobretudo, as suas qualidades sociais, sendo um favorito quer dos colegas quer dos professores. Ao terminar o ensino secundário em 1874, mas sendo um excelente executante de piano e órgão, hesita entre uma carreira musical e uma vida na Ciência. Pedindo conselho a um músico profissional, dele recebe uma resposta decisiva: ”Se tem de perguntar, o melhor é estudar outra coisa qualquer”. Assim, entra para a Universidade de Munique e, mais tarde, para a Universidade de Berlim, tendo decidido estudar Termodinâmica, por ter admirado as lições de Clausius, apesar de Philipp von Jolly (seu professor em Munique) o ter aconselhado contra uma carreira em Física, porque “a descoberta da Termodinâmica tinha completado a estrutura da Física Teórica”, ao que Planck respondeu, humildemente, que não tinha qualquer intenção de fazer descobertas mas apenas estudar e, talvez, aprofundar os fundamentos da Física!
Em 1879 (FIGURA 1) apresenta a sua tese de doutoramento (em Munique) sobre os Princípios da Termodinâmica, tendo recebido o grau summa cum laude. O próprio Planck lembraria que H. von Hehlmoltz nem sequer a leu e que Kirchhoff a leu, mas não gostou. E até Clausius, que tinha inspirado Planck, não mostrou o mínimo interesse, não se dignando sequer responder ao envio de uma cópia da tese que Planck lhe dedicara pedindo comentários.
Em 1880, Planck é contratado pela Universidade de Munique para ensinar Física Teórica. Aí, conhece Wien, de quem se torna amigo e colaborador e aí permanece até 1885, ano em que se transfere para Kiel, sua terra natal, onde fica até 1889. Kirchhoff morre em 1887 e a sua cátedra, em Berlim, é oferecida, primeiro a Boltzmann, que recusa, depois a Heinrich Herz, que recusa, e finalmente, por influência de Helmholtz, a Planck. Assim, em 1889, é nomeado professor associado e, logo a seguir, professor catedrático da Friedrich-Wilhelms- Universität em Berlim onde se manterá até à reforma.
Em 1890, casa com Marie Merck, de quem viria a ter dois filhos (Karl e Erwin) e duas filhas (Emma e Greta).
Assim, em 1900, com 42 anos e 43 artigos publicados (a maioria, sobre Termodinâmica, nenhum com relevância), respeitado como um cientista cumpridor e trabalhador, apreciado como bom administrador académico, Planck é o homem certo, no momento certo e no sítio certo (FIGURA 2). Berlim era um dos grandes centros científicos da altura e era na sua Universidade que se situavam os grupos experimentais e teóricos que mais marcaram o estudo da radiação do corpo negro. Planck tinha uma sólida formação científica em Termodinâmica e estava determinado em resolver o problema proposto por Kirchhoff a propósito do importante problema do corpo negro. Faltava, apenas, a oportunidade.
Esta terá chegado na tarde de domingo, dia 7 de outubro de 1900. Os Planck receberam a visita social de Heinrich Rubens, o qual comunica a Planck os últimos resultados experimentais do seu grupo, que sugeriam que a intensidade espectral é proporcional à temperatura (absoluta), para baixas frequências, afastando-se, decisivamente, da fórmula de Wien e aproximando-se da fórmula de Rayleigh. Acabada a visita, Planck medita como deveria ser uma fórmula que interpolasse entre estas duas e encontra uma expressão que parece ajustar-se bem aos resultados experimentais. No mesmo dia, escreve um postal a Rubens, apresentando-lhe a fórmula obtida. O artigo de Rubens, com os resultados experimentais, já estava pronto, mas ainda foi possível juntar uma nota indicando que Planck havia obtido uma fórmula que se ajustava perfeitamente aos dados experimentais. Em 19 de outubro de 1900, Planck apresenta a sua fórmula numa reunião da Sociedade Alemã de Física. Parecia ter sido, finalmente, encontrada a solução do desafio colocado por Kirchhoff – mas não se percebia qual a origem daquela expressão. Como deduzir a fórmula de Planck?
O próprio Planck confessa, na sua autobiografia (escrita quando já tinha perto de 90 anos) que tentou todas as hipóteses que a Física Clássica permitia. Conservador, por natureza, não havia aceite a interpretação estatística de Boltzmann – mas, em desespero (sic), volta-se para essa interpretação e vai introduzir uma hipótese de enorme audácia, ainda mais arrojada vinda de um homem de 42 anos, respeitador das regras e leis em que havia sido educado. A contradição entre o carácter revolucionário da hipótese de Planck e o carácter conservador do seu autor, mostra-nos bem uma mentalidade científica em ação: aceitar os dados experimentais e propor uma interpretação, mesmo que esta desafie toda a formação científica estabelecida.
Vejamos, então, o que fez Planck. Tendo ao seu dispor uma boa fórmula para a intensidade espectral, Planck imediatamente usou o resultado, por si obtido, relacionando aquela intensidade com a energia média de um oscilador harmónico responsável por absorver a energia electromagnética, deduzindo, assim, a energia média do oscilador. Em seguida, considera uma coleção de N tais osciladores e deriva a entropia (termodinâmica) de tal sistema como função da sua energia. Como deduzir esta entropia a partir dos princípios fundamentais da Física Estatística? Planck vai socorrer-se da interpretação estatística de Boltzmann (que antes não aceitava): a entropia é o logaritmo (multiplicado pela constante de Boltzmann) do número de maneiras de distribuir a energia pelos N osciladores. E faz duas hipóteses, ambas ao arrepio de qualquer interpretação clássica. Primeiro, admite que a energia é constituída por um certo número de “grãos” finitos de energia, todos iguais, a que Planck deu o nome de elemento de energia (mais tarde, chamou-lhe quantum de energia). Isto é, Planck considera a energia disponível como se tivesse uma “estrutura atómica”, atribuindo a cada oscilador um certo número destes elementos de energia. Segundo, embora os osciladores sejam distinguíveis, estes elementos de energia são indistinguíveis, um conceito totalmente ao arrepio da Física Clássica. Calcula, então, o número de maneiras de distribuir os elementos de energia pelos N osciladores, criando, desta maneira, uma nova distribuição estatística (a distribuição de Planck, como passou a ser conhecida) e deriva a entropia (estatística) do sistema, igual ao logaritmo deste número (Boltzmann). Comparando as duas expressões para a entropia, conclui, finalmente, que o elemento de energia para um oscilador harmónico é simplesmente proporcional à sua frequência natural: \(\varepsilon =h\nu \). Deste modo, um oscilador só pode ter energias que são múltiplos deste elemento. Ficou resolvido o desafio de Kirchhoff, mas a que custo? A quantificação da energia de um oscilador harmónico vai contra tudo o que nos ensina a mecânica de Newton; a indistinguibilidade dos “elementos“ de energia vai contra tudo o que nos ensina Maxwell e Boltzmann nas suas formulações estatísticas da teoria cinética. E, contudo, o acordo da fórmula de Planck com os dados experimentais é perfeito!
Estes resultados são comunicados em 14 de dezembro de 1900 à Sociedade Alemã de Física. Foram recebidos com enorme cepticismo, tendo sido considerados, apenas, como uma maneira hábil, mas não convincente, de resolver o problema da radiação do corpo negro. O próprio Planck tentou deduzir a sua expressão, para o elemento de energia, a partir de princípios clássicos. Em vão. A teoria só viria a ser aceite após Einstein (em 1905) ter utilizado o quantum (e a fórmula de Wien) para conceber o fotão, o quantum da luz. Nesse ano, os principais físicos reconheceram que a fórmula de Planck não era apenas uma maneira conveniente de representar dados experimentais – ela abria uma profunda crise na Física. A aceitação definitiva deu-se com Bohr (em 1913), que a incorporou na sua teoria do espectro do átomo de hidrogénio. São de Einstein, em 1913, as seguintes palavras: “O trabalho de Planck entusiasma e ao mesmo tempo torna tão difícil a existência dos físicos. Seria revelador poder pesar a quantidade de matéria cerebral que foi sacrificada pelos físicos no altar da função de Kirchhoff; e o fim destes cruéis sacrifícios ainda não está à vista”.
Tinha razão Einstein. Tinha a razão de um físico clássico (um dos maiores), para quem a Física é uma aventura intelectual que nos ajuda a ver como a Natureza se comporta. Mas como ver o que é um quantum de energia? Como conceber que essas parcelas de energia são indistinguíveis? São noções muito estranhas, alheias à nossa experiência comum, mas é assim que a Natureza se apresenta. Até Planck, os conceitos eram visualizáveis; a partir de Planck, deixam de o ser. Podemos imagina-los, se isso ajuda – mas a imagem serve, apenas, como analogia.
[O leitor interessado não terá deixado de notar que a hipótese do quantum não foi apresentada como hoje se ensina. A grande virtude de Planck foi obrigar-nos a aceitar que a energia se distribui, pelos osciladores, de forma discreta, quantificada. O desenvolvimento posterior da teoria quântica (sobretudo, a partir de 1924), viria mostrar que cada oscilador harmónico (unidimensional) tem um espectro de níveis de energia uniformemente espaçados, separados por \(h\nu \). Podemos, então, retomar o raciocínio de Planck para interpretar a entropia de uma coleção de osciladores – mas, agora, caracterizamos o estado desta coleção indicando quantos osciladores estão no estado fundamental, quantos estão no 1º estado excitado, etc. A distribuição \(W_{N}\) é a distribuição multinomial (porque os osciladores são distinguíveis) - e se maximizarmos o seu logaritmo (a entropia) em ordem a estes números de ocupação (sujeitos às condições de energia total dada e número total de osciladores fixo), reencontramos a fórmula de Planck, sejam os osciladores materiais ou de radiação. O número de quanta que Planck introduziu surge, agora, como o número do estado excitado de cada oscilador.]
O reconhecimento universal de Planck viria com o prémio Nobel da Física em 1918 (é interessante notar que em 1905 e 1906 Planck propusera Boltzmann para o prémio Nobel; Boltzmann nunca o receberia, tendo-se suicidado em 1907). Membro de inúmeras academias científicas (entre as quais a Royal Society, de Londres), é eleito reitor da Universidade de Berlim (em 1915) e nomeia o seu amigo Einstein como primeiro diretor do Kaiser Wilhelm Institut, do qual o próprio Planck seria Presidente em 1930. A sua vida científica, que nunca abandonou, não viria, contudo, a ficar marcada por qualquer outra descoberta tão importante como o quantum, mas devem ser citadas a equação de Fokker-Planck, que generaliza a teoria do movimento Browneano, ou a sugestão de unidades naturais (tais como a velocidade da luz, a constante de Planck, a carga do eletrão, a constante da gravitação universal de Newton), que não só seriam válidas em qualquer ponto do Universo como lhe permitiram derivar unidades básicas para o tempo e o espaço (hoje denominadas tempo e raio de Planck, respetivamente). A sua formação clássica levá-lo-ia a afastar-se dos desenvolvimentos posteriores da teoria quântica que ele fizera nascer, dedicando-se, sobretudo, quer a funções administrativas quer a estudos de filosofia e religião. A sua vida, porém, não seria isenta de tragédias.
Em 1910, morre Marie Planck, sua mulher, mas Planck volta a casar (em 1911) com a sobrinha de Marie, Marga von Hoesslin (filha do pintor Georg von Hoesslin). Durante a 1ª guerra mundial, Planck abraça a causa germânica, e, mesmo tendo-lhe morrido, na frente de batalha, o filho Karl e um sobrinho, declara: “É um grande orgulho podermos chamar-nos a nós próprios alemães”. Que contraste com o seu amigo Einstein, que passava propaganda contra a guerra nas ruas de Berlim! Em 1917, recusa assinar uma proclamação pedindo a resignação do Kaiser; no mesmo ano, morre a filha Greta e, em 1919, morre, de parto, a outra filha Emma. O período nazi vem mostrar o lado conservador e prudente de Planck – sendo um dos cientistas mais reputados da Alemanha, evita tomar posições. Quando Einstein é perseguido e a sua obra denegrida como judaica, Planck assume um silêncio em público, afirmando que quer manter-se fora de assuntos políticos, embora privadamente condene os ataques a Einstein. Durante a 2ª guerra, decidiu permanecer na Alemanha para moderar as políticas nazis – lutou longa e arduamente para proteger os estudantes e colegas judeus. Mas quando os nazis expulsaram das universidades todos os membros e estudantes judeus, Planck permaneceu em silêncio – e levou Einstein a quebrar uma amizade, não tendo mais falado com Planck. Proibido o ensino da relatividade, Planck, de forma característica, ensinava-a, não mencionando o nome de Einstein. No início de 1944, um bombardeamento aéreo destrói a sua casa, em Berlim, e todos os seus haveres. Mas Planck permanecia optimista, como sempre. No final desse ano, o seu único filho sobrevivente, Erwin, é preso por ter, alegadamente, participado no atentado contra Hitler. O prestígio de Planck era tal que os nazis propuseram-lhe salvar a vida do filho se Planck aderisse ao partido. Recusou – Erwin foi executado em Fevereiro de 1945, o que deixou Planck devastado. Morre em 4 de Outubro de 1947.
Em 1948, o Kaiser Willelm Geselchaft passou a chamar-se Max Planck Institut. No mesmo ano, Einstein escreve este belíssimo epitáfio, intitulado “Um tributo a Max Planck”: “Muitas espécies de homens se devotam à Ciência e nem todos pela causa da Ciência em si mesma. Alguns, entram no seu templo porque ela oferece oportunidade para exibirem os seus talentos particulares. Para este tipo de homens, a Ciência é uma espécie de desporto, na prática do qual se extasiam, tal como um atleta se extasia no exercício das suas proezas musculares. Há outra classe de homens que entram no templo para oferecer a sua polpa cerebral com a esperança de obterem um lucro apreciável. Estes homens são cientistas apenas pelo acaso de alguma circunstância que se lhes ofereceu quando escolhiam uma carreira. Se as circunstâncias fossem diferentes, poderiam ter-se tornado políticos ou empresários de negócios. Se descesse um anjo de Deus e expulsasse do templo da Ciência todos aqueles que pertencem às categorias que mencionei, temo que o templo ficaria quase vazio. Mas alguns praticantes ainda permaneceriam - alguns de tempos passados e outros do nosso. A estes últimos pertence o nosso Planck. E é por isso que nós o amamos.”
Recursos relacionados disponíveis na Casa das Ciências:
Criada em 10 de Fevereiro de 2020
Revista em 11 de Abril de 2020
Aceite pelo editor em 30 de Setembro de 2020