Nanopartículas de prata

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Referência : Sousa, A., Ramalho, A., Fernandes, E., Freitas, M., (2022) Nanopartículas de prata, Rev. Ciência Elem., V10(3):040
Autores: Adelaide Sousa, Ana Ramalho, Eduarda Fernandes e Marisa Freitas
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2022.040]
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[editar] Resumo

As nanopartículas de prata estão presentes na vida quotidiana do Homem desde tempos ancestrais, essencialmente devido à singularidade das suas propriedades físicas, químicas e biológicas. O interesse por este tipo de nanopartículas tem aumentado exponencialmente em todo o mundo, sendo prova disso a sua vasta aplicação em inúmeros produtos do nosso dia-a-dia. Apesar dos seus benefícios, a crescente exposição a nanopartículas de prata levanta questões acerca das suas implicações na saúde humana.


A história da nanotecnologia

Primeiramente, o que significa “nano”? A terminologia “nano” deriva da palavra grega “nanos”, que significa “anão” ou algo muito pequeno, sendo atualmente utilizada como prefixo no Sistema Internacional de Unidades para denotar um fator de 10-9 m[1], [2]. Assim sendo, as nanopartículas são comummente definidas como partículas ou aglomerados de partículas ultrafinas, com diâmetro entre 1 e 100 nm[3], [4].

Na verdade, a história da nanotecnologia, isto é, do desenvolvimento e manipulação de matéria à escala nanométrica, pode ser traçada até tempos ancestrais. Embora a manipulação de materiais à escala atómica e molecular pareça ser um conceito moderno, sabe-se que vários artesãos antigos manipulavam a matéria à mais ínfima escala, ainda que de forma não intencional. Há vários exemplos famosos de artefactos antigos que foram criados utilizando materiais à escala nanométrica. Um dos mais conhecidos, a taça Lycurgus, que agora reside no Museu Britânico em Londres, foi criada por romanos, cerca de 400 d.C. e representa uma das mais notáveis realizações na indústria do vidro antigo, sendo o mais antigo exemplo famoso de vidro dicróico que contém nanopartículas de prata (AgNP) e ouro (FIGURA 1). Este copo de bronze romano revestido de vidro muda de cor em certas condições de iluminação e pode apresentar duas cores diferentes: verde sob luz direta e vermelho-púrpura quando a luz brilha através do vidro[5], [6].

Apesar de já estar presente na vida quotidiana, o surgimento teórico da nanotecnologia apareceu apenas em 1959, numa reunião de físicos, quando Richard Feynman proferiu a célebre frase “There’s plenty of room at the bottom”. De uma forma inteligente, e até mesmo provocatória, Feynman desenvolveu a hipótese de que a construção com precisão atómica e a escala até ao nível nanométrico, a partir da base, seria a chave para o avanço da tecnologia futura[7].


FIGURA 1. A taça Lycurgus, um exemplo de utilização de materiais nanotecnológicos nos tempos antigos. O copo aparece verde na luz refletida e vermelho-púrpura na luz transmitida. Reproduzido com a permissão do Museu Britânico de Londres[8].

O surgimento das AgNP

De entre os diversos tipos de nanosistemas, a comunidade científica foi-se interessando de uma forma particularmente especial pelos nanosistemas metálicos, que permitem a melhoria das características físicas, químicas e biológicas dos metais como a prata ou ouro, em comparação com os seus homólogos volumosos[9], [10]. Devido ao elevado número de átomos presentes na sua superfície, estes nanosistemas apresentam propriedades físicas, químicas e morfológicas únicas[11], [12]. A sua elevada relação superfície/volume e pequeno tamanho permitem a ocorrência de algumas interações físicas ou químicas específicas com o ambiente biológico (como agregação, aglomeração, adsorção à superfície da célula e absorção pelas células)[13], [14].


Porquê e de que forma é que isto acontece?

Este fenómeno deve-se, em parte, ao confinamento espacial dos eletrões, que determina o tipo de movimento que os eletrões podem executar. Quando materiais maiores são alterados quanto ao seu tamanho e forma na nanoescala, o confinamento espacial dos eletrões é também alterado e surgem materiais com novas propriedades[15], [16], [17], [18].

Atualmente, as AgNP são o tipo de nanopartículas mais produzido e comercializado em todo o mundo, estando presentes em cerca de metade dos produtos que contêm nanopartículas na sua composição[19].


Mas, porquê o interesse nas nanopartículas de prata?

A utilização da prata remonta a 4000 anos a.C., sobretudo na Grécia e Roma. Este metal era rotineiramente utilizado devido, sobretudo, às suas propriedades antimicrobianas. Embora nesta altura não se soubesse que os micróbios eram o foco das infeções e, portanto, o uso da prata fosse empregado de forma empírica, sabe-se que a prata era muito utilizada em recipientes para o armazenamento de água potável, bem como em suturas para fechar feridas e evitar infeções[20], [21].

Tendo por base os benefícios da prata, juntamente com os avanços da nanotecnologia, surgem então as AgNP.


Propriedades químicas, físicas e biológicas e aplicações das AgNP

O crescente interesse nas AgNP deve-se ao facto de estas apresentarem uma série de características interessantes e otimizadas, em comparação com o metal prata, como por exemplo: atividade catalítica, propriedades óticas, térmicas e de alta condutividade elétrica, morfologia ajustável, fácil síntese, alta relação superfície/volume e sistema de entrega intracelular. Para além destas propriedades físico-químicas, as AgNP apresentam também diversas propriedades biológicas que as tornam ainda mais atrativas, nomeadamente, propriedades antibacteriana, antifúngica, antiviral e anticancerígena[22], [23], [24], [25].


Quais são, então, as áreas de aplicação de AgNP? Em que produtos do nosso dia-a-dia podemos encontrar AgNP?

Apesar de invisíveis aos nossos olhos, as AgNP estão cada vez mais presentes em produtos do nosso dia-a-dia. Tal como mencionado na TABELA 1, as AgNP estão presentes em diversas categorias de produtos, sendo de destacar a sua utilização em áreas tão diversas como saúde (curativos de feridas, protetor solar), fitness (por exemplo: vestuário, cosméticos, protetor solar), casa e jardim (por exemplo: limpeza, materiais de construção, mobiliário doméstico, tintas) e em alimentos e bebidas (por exemplo: alimentos armazenáveis tipo enlatados, suplementos). Embora em menor percentagem, as AgNP também têm sido utilizadas em acessórios para crianças e brinquedos, eletrodomésticos, automóveis e eletrónica[26], [27].


TABELA 1. Exemplos de produtos que contêm AgNP na sua composição.

De entre as suas inúmeras áreas de aplicação, é importante destacar a utilização das AgNP na área da saúde. Estas nanopartículas têm sido amplamente utilizadas na terapêutica, nomeadamente como revestimentos antibacterianos utilizados em curativos de feridas, implantes cardiovasculares, cateteres, implantes ortopédicos e implantes dentários. Para além disso, as AgNP são também usadas no diagnóstico de inúmeras doenças como o cancro, sendo capazes de permitir a deteção de células cancerígenas.


Mas, será que a exposição diária a AgNP pode estar associada a algum impacto negativo para a saúde humana?

Apesar da evolução da nanotecnologia e das vantagens associadas ao uso das AgNP, a sua utilização crescente na vida quotidiana da população mundial, de forma direta ou indireta, levanta várias preocupações sobre a exposição humana e possíveis efeitos tóxicos decorrentes de uma exposição prolongada[28], [29]. Se, por um lado, as propriedades das AgNP as tornam apelativas em diversas áreas, também são estas propriedades que resultam em riscos para a saúde humana. De facto, a exposição prolongada a AgNP promove não só a sua entrada no organismo, como também a libertação do ião prata, o que por sua vez poderá levar à ocorrência de danos no DNA, stress oxidativo e morte celular[30], [31]. Assim sendo, é fundamental regulamentar de forma adequada a aplicação de AgNP em produtos de consumo diário, para que a exposição humana não exceda a dose diária aceitável de 0,9 μg de iões de prata/kg de peso corporal por dia, estabelecida pela Agência Europeia dos Produtos Químicos[32].


Agradecimentos

Agradece-se o apoio financeiro de fundos nacionais (FCT/MEC, Fundação para a Ciência e Tecnologia e Ministério da Educação e Ciência) no âmbito do financiamento UIDB/50006/2020. Adelaide Sousa agradece o financiamento através da sua bolsa de doutoramento com a referência SFRH/ BD/150656/2020. Marisa Freitas agradece à FCT e ao LAQV/REQUIMTE o seu contrato com a referência CEEC-2020.04126.CEECIND/CP1596/CT0006 e LA/P/0008/2020, respetivamente.

[editar] Referências

  1. BARHOUM, A. & MAKHLOUF, A. S. H., Emerging Applications of Nanoparticles and Architecture Nanostructures, Elsevier, p. 341-384. 2018.
  2. BAYDA, S. et al., The History of Nanoscience and Nanotechnology: From Chemical-Physical Applications to Nanomedicine, Molecules (Basel, Switzerland), 25, 1, p. 112. 2019.
  3. BARHOUM, A. & MAKHLOUF, A. S. H., Emerging Applications of Nanoparticles and Architecture Nanostructures, Elsevier, p. 341-384. 2018.
  4. BAYDA, S. et al., The History of Nanoscience and Nanotechnology: From Chemical-Physical Applications to Nanomedicine, Molecules (Basel, Switzerland), 25, 1, p. 112. 2019.
  5. BARHOUM, A. & MAKHLOUF, A. S. H., Emerging Applications of Nanoparticles and Architecture Nanostructures, Elsevier, p. 341-384. 2018.
  6. BAYDA, S. et al., The History of Nanoscience and Nanotechnology: From Chemical-Physical Applications to Nanomedicine, Molecules (Basel, Switzerland), 25, 1, p. 112. 2019.
  7. BAYDA, S. et al., The History of Nanoscience and Nanotechnology: From Chemical-Physical Applications to Nanomedicine, Molecules (Basel, Switzerland), 25, 1, p. 112. 2019.
  8. MUSEUM, B., The Lycurgus Cup.
  9. ORDORSKI, B. & FRIEDMAN, A., Functionalized Nanomaterials for the Management of Microbial Infection, Elsevier: Boston, p. 77-109. 2017.
  10. VENKATESH, N. et al., Metallic nanoparticle: a review, Biomedical Journal of Scientific & Technical Research, 4, 2, p. 3765-3775. 2018.
  11. ROSSI, M. et al., Nanotechnology for Food Packaging and Food Quality Assessment, Academic Press, p. 149-204. 2017.
  12. JEEVANANDAM, J. et al., Review on nanoparticles and nanostructured materials: history, sources, toxicity and regulations, Beilstein Journal of Nanotechnology, 9, 1, p. 1050-1074. 2018.
  13. ROSSI, M. et al., Nanotechnology for Food Packaging and Food Quality Assessment, Academic Press, p. 149-204. 2017.
  14. JEEVANANDAM, J. et al., Review on nanoparticles and nanostructured materials: history, sources, toxicity and regulations, Beilstein Journal of Nanotechnology, 9, 1, p. 1050-1074. 2018.
  15. FIRDHOUSE, J. & LALITHA, P., Biosynthesis of Silver Nanoparticles and Its Applications, Journal of Nanotechnology, p. 1-18. 2015.
  16. ABBASI, E. et al., Silver nanoparticles: Synthesis methods, bio-applications and properties, Critical Reviews in Microbiology, 42, 2, p. 173-180. 2016.
  17. MARTIROSYAN, A. et al., Food Nanoparticles and Intestinal Inflammation: A Real Risk?. 2012.
  18. ZHANG, X. F. et al., Silver Nanoparticles: Synthesis, Characterization, Properties, Applications, and Therapeutic Approaches, International Journal of Molecular Sciences, 17, p. 1534. 2016.
  19. DUCHEYNE, P., Comprehensive biomaterials II, Elsevier. 2017.
  20. HICKS, A. L. et al., Life Cycle Payback Estimates of Nanosilver Enabled Textiles under Different Silver Loading, Release, And Laundering Scenarios Informed by Literature Review, Environmental Science & Technology, 49, 13, p. 7529-7542. 2015.
  21. MATHUR, P. et al., Pharmaceutical aspects of silver nanoparticles, Artificial cells, Nanomedicine, and Biotechnology, 46, p. 115-126. 2018.
  22. FIRDHOUSE, J. & LALITHA, P., Biosynthesis of Silver Nanoparticles and Its Applications, Journal of Nanotechnology, p. 1-18. 2015.
  23. ABBASI, E. et al., Silver nanoparticles: Synthesis methods, bio-applications and properties, Critical Reviews in Microbiology, 42, 2, p. 173-180. 2016.
  24. MATHUR, P. et al., Pharmaceutical aspects of silver nanoparticles, Artificial cells, Nanomedicine, and Biotechnology, 46, p. 115-126. 2018.
  25. PATHAKOTI, K. et al., Nanostructures: Current uses and future applications in food science, Journal of Food and Drug Analysis, 25, 2, p. 245-253. 2017.
  26. COUNCIL, E. R., The Nanodatabase. 2012.
  27. FAUSS, E., The silver nanotechnology commercial inventory, University of Virginia. 2008.
  28. MATHUR, P. et al., Pharmaceutical aspects of silver nanoparticles, Artificial cells, Nanomedicine, and Biotechnology, 46, p. 115-126. 2018.
  29. ZORRAQUÍN-PEÑA, I. et al., Silver Nanoparticles against Foodborne Bacteria, Effects at Intestinal Level and Health Limitations, Microorganisms, 8, 1, p. E132. 2020.
  30. GALDIERO, S. et al., Silver nanoparticles as potential antiviral agents, Molecules, 16, 10, p. 8894-918. 2011.
  31. ARORA, S. et al., Nanotoxicology and in vitro studies: the need of the hour, Toxicology and Applied Pharmacology, 258, 2, p. 151-165. 2012.
  32. EFSA, Safety assessment of the substance silver nanoparticles for use in food contact materials, EFSA Journal, 19, 8, p. e06790-e06790. 2021.


Criada em 21 de Dezembro de 2021
Revista em 23 de Fevereiro de 2022
Aceite pelo editor em 14 de Outubro de 2022