Geoparques e Parques Geológicos
Referência : Pimentel, N., (2021) Geoparques e Parques Geológicos, Rev. Ciência Elem., V9(3):054
Autor: Nuno Pimentel
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2021.054]
Resumo
Já todos ouvimos falar de Parques Geológicos e também, mais recentemente, de Geoparques. Embora pareçam iguais na sua semântica, com os mesmos dois termos a aparecerem separados ou aglutinados, na realidade são dois conceitos muito distintos. Importa por isso descobrir as diferenças e perceber “quem é quem” nesta coisa dos parques, em que a Geologia é claramente a rainha e nós (os visitantes) os seus consortes.
Os Parques Geológicos são em geral Parques Naturais em que a Geologia desempenha um papel primordial no seu interesse e atratividade. Embora haja dezenas de parques geológicos nos EUA, na Europa e na Ásia, os exemplos mais paradigmáticos são os grandes parques nacionais dos Estados Unidos da América, como o Grand Canyon, Yellowstone ou a Petrified Forest. No Grand Canyon, certamente o mais famoso e visitado parque dos EUA, a grande estrela é a sua Geomorfologia, com o espetacular encaixe do Rio Colorado - o vale fluvial atravessa e expõe centenas de metros de rochas que nos mostram a história geológica da região, desde as rochas ígneas e metamórficas mais antigas e deformadas (com mais de 1.000 milhões de anos), até às camadas sedimentares tabulares mais recentes (com cerca de 275 milhões de anos). No Yellowstone, os fenómenos geológicos relacionados com a presença de uma câmara magmática próxima da superfície são responsáveis pela maior concentração (mais de 50%) dos geysers ativos em todo o mundo. Na Petrified Forest, como o nome indica, são os inúmeros troncos fossilizados (silicificados) de grandes árvores com mais de 200 milhões de anos, o principal motivo de interesse daquele parque.
Nestes e em vários outros Parques Nacionais dos EUA, a Geologia foi claramente o fator-chave para a sua criação. Mas outros aspetos como a Natureza (englobando as paisagens geológicas, a fauna e a flora) e a Cultura, são também frequentemente valorizados e podem ser explorados pelos visitantes. Ainda assim, a dinamização destes parques centra-se no usufruto desses valores naturais por si mesmos, através de visitas guiadas, excursões, passeios, atividades educativas, etc.. Por outras palavras, o território é entendido como um conjunto de valores naturais e culturais para serem olhados e apreciados pelos visitantes que vêm de fora, como se de um museu (um bom museu, dinâmico e ativo) se tratasse… mas ao ar livre!
Os Geoparques são um conceito lançado em 2001 pela Organização de Educação, Ciência e Cultura das Nações Unidas (UNESCO). Em 2014, 17 Geoparques europeus e 8 chineses fundaram a Rede Global de Geoparques da UNESCO (UGGN), que rapidamente foi crescendo com novas adesões, atingindo em 2021 o número de 169 distribuídos por 44 países. Cerca de metade encontra-se na Europa, com 81 territórios distribuídos por 26 países, destacando-se a Espanha com 15 e a Itália com 11, enquanto Portugal tem neste momento 5 Geoparques mundiais e 3 aspirantes, de que falaremos adiante.
Segundo a definição da própria UNESCO, os Geoparques Globais da UNESCO (UGG) são áreas geográficas singulares onde locais e paisagens de importância geológica internacional são geridas com base num conceito holístico de proteção, educação e desenvolvimento sustentável. Cada UGG compreende uma série de locais com património geológico de especial importância científica, raridade ou beleza, representativos da história geológica de uma região e dos eventos e processos que a formaram, devendo também incluir património natural, histórico e cultural tangível ou imaterial. Como se pode desde logo entender, o âmbito dos geoparques não se cinge à sua Geologia, procurando olhar para além dela, para o território na sua integralidade, como instrumento educativo e de desenvolvimento regional.
Para a UNESCO, a Geologia é “apenas” o ponto de partida de um Geoparque, não o seu ponto de chegada. É com base na existência de aspetos geológicos ímpares e de relevância internacional, avaliada e atestada por especialistas externos, que cada Geoparque deverá procurar a sua estratégia de desenvolvimento local. Este é, portanto, um processo eminentemente bottom-up, ou seja, um processo que parte das entidades locais e das chamadas “forças vivas da região”, para construir uma ideia de “território”, com identidade geológica, natural e patrimonial própria. E só então, a partir daí, deverá lançar-se para uma abordagem holística, em que todos os valores desse território possam contribuir, de forma articulada e harmoniosa, para o desenvolvimento sustentável da região.
Tal como os Parques Geológicos, os Geoparques têm como “âncora” a existência de elementos geológicos únicos e de relevância nacional ou internacional. Mas um Geoparque implica uma estratégia de longo prazo, assente em três pilares essenciais: a Geoconservação, a Geoeducação e o Geoturismo. A Geoconservação consiste na identificação, caracterização, preservação e usufruto dos principais elementos geológicos do território - os chamados Geosítios. A Geoeducação consiste em desenvolver atividades junto do público escolar e da população em geral, acerca do valor, importância e significado desses Geosítios, mas também de todo o outro património natural e cultural da região. Finalmente, o Geoturismo consiste na promoção da visitação e estadia dos visitantes locais, nacionais e estrangeiros, direcionada para o usufruto natural desse património. A integração destes três pilares assegura que o território tem um desenvolvimento equilibrado, usando os seus valores endógenos e promovendo a sustentabilidade.
Portugal tem neste momento 5 Geoparques já reconhecidos pela UNESCO: Naturtejo, Arouca, Açores, Terra de Cavaleiros e Estrela. Cada um destes geoparques tem características muito próprias, contando a todos os visitantes uma parte da história do nosso planeta. No Naturtejo, o forte contexto paisagístico da Meseta meridional enquadra o Monumento Natural das Portas do Ródão e contém o Parque Icnológico de Penha Garcia. Em Arouca, nas rochas metamórficas paleozoicas encontramos as famosas trilobites gigantes e nos granitos da Serra da Freita as peculiares “pedras parideiras”. Em Terras de Cavaleiros percorremos centenas de milhões de anos de geohistória em rochas que nos falam de antigos oceanos e nos mostram uma “janela” para o Manto terrestre. Nos Açores encontramos evidências paisagísticas e geológicas dos processos vulcânicos antigos e recentes, nas nove ilhas e também no fundo marinho entre elas. Na Estrela, o glaciarismo, com os seus processos, formas e depósitos característicos, é o cerne temático deste geoparque, a par das suas extensas paisagens e elevada biodiversidade.
Na calha estão já outros territórios “aspirantes” a Geoparques UNESCO. No aspirante Geoparque Oeste (entre Torres Vedras, Montejunto e as Caldas da Rainha) destaca-se a riqueza em fósseis de dinossauros do Jurássico e o GSSP (Global Boundary Stratotype Section and Point) que marca universalmente o início do Toarciano, para além do excelente registo geológico das sucessivas etapas de abertura do Atlântico Norte. No aspirante Geoparque Algarvensis, a descoberta de uma jazida muito rica em fósseis do Triásico superior, contendo o crânio de um Metaposaurus algarvensis, serviu de mote para o seu lançamento, acompanhado de muitos outros pontos de interesse geológico no barrocal algarvio, incluindo a mina de sal-gema de Loulé. No aspirante Geoparque Litoral de Viana do Castelo, complementam-se as rochas paleozoicas que nos falam do antigo oceano Rheic, com os vestígios mais recentes da evolução da orla costeira do Atlântico. Por fim, o projeto de um futuro Geoparque Atlântico (entre a Figueira da Foz e Penacova) foi lançado em 2021 para valorizar um registo geológico com mais de 500 milhões de anos, desde antigas cadeias montanhosas arrasadas até à abertura do oceano Atlântico.
Para terminar esta nota, numa Revista direcionada essencialmente para os docentes e alunos do ensino pré-universitário, importará abordar a importância dos geoparques na educação formal e informal da população. Considera-se que o contacto com os espaços naturais, englobando a Geologia com a Biologia e também com a História e Geografia, tal como é preconizado nos geoparques, é essencial para uma educação, e até mesmo para uma cidadania, integrais. Esta é uma abordagem que urge implementar, no sentido de ligar as populações, em particular as estudantis, ao espaço real e natural que as rodeia. Levar os alunos a sair e a olhar para o território, a paisagem, as rochas e toda a vida (vegetal, animal e humana) que elas suportam, é fundamental neste século tecnológico, mas também ecológico. Os Geoparques pretendem assim contribuir para este desígnio, ao mesmo tempo que promovem o desenvolvimento sustentável do território e das populações que nele habitam e trabalham.
Geoparques (e aspirantes) em Portugal
https://www.azoresgeopark.com/.
https://www.geoparkterrasdecavaleiros.com/.
https://www.geoparkestrela.pt/.
https://www.geoparqueoeste.com/.
https://geoparquealgarvensis.pt/.
https://www.geoparquelitoralviana.pt/.
UGG - Geoparques Globais UNESCO
Parques Nacionais nos E.U.A
Referências
- UNESCO Global Geoparks - Fundamental Areas, Main Focus Areas, SDGs.
- FAQs about UNESCO Global Geoparks.
- Forum Português de Geoparques Mundiais da UNESCO.
- DUARTE, A., Os Geoparques e o Desenvolvimento Local. 2021.
Criada em 17 de Junho de 2021
Revista em 18 de Junho de 2021
Aceite pelo editor em 15 de Outubro de 2021