Eletrostática
Referência : Lage, E., (2021) Eletrostática, Rev. Ciência Elem., V9(1):015
Autor: Eduardo Lage
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2021.015]
[editar] Resumo
A eletrostática é dedicada ao estudo do campo elétrico originado por cargas em repouso. Começa-se por considerar o campo gerado por uma única carga, generalizando-se, depois a um número arbitrário de cargas, distribuídas continuamente ou uma colecção discreta. A grandes distâncias de uma tal distribuição, a expansão multipolar fornece um desenvolvimento do potencial elétrico em termos de momentos dipolares, quadrupolares, etc., conceitos importantes no estudo de núcleos atómicos, moléculas, cristais líquidos… A análise da energia eletrostática do campo permite, por um lado, definir a energia de interação entre distribuições de carga bem separadas e, por outro lado, obter as forças e momentos que se exercem sobre essas distribuições. De fora deste trabalho ficam os fenómenos de influência elétrica que serão considerados noutro artigo.
O campo gerado por uma carga pontual
Considere-se uma carga pontual (q1), imóvel, e escolha-se um referencial cartesiano fazendo coincidir a sua origem com a posição da carga. O potencial elétrico[1] gerado pela carga só depende, por simetria, da distância (r) desta ao ponto de observação, i.e., φ(r). Assim, o campo elétrico →E=−▽φ é puramente radial[2]: Er(r)=−dφdr. Considere- -se, agora, uma esfera centrada na carga e raio r. Aplicando a forma integral da equação de Maxwell-Coulomb, tem-se:
Er4πr2=q1ε0 (1)
Donde:
dφdr=−q14πε0r2φ(r)=q14πε0r (2)
Aqui, a constante arbitrária que se poderia adicionar ao potencial, é nula porque se convenciona ser φ→r→∞0.
Mantendo o referencial fixo, pode agora obter-se a expressão do campo para uma posição arbitrária (→r1) da carga. Designando por →r a posição do mesmo ponto de observação, então a distância deste ponto à carga é |→r−→r1|, pelo que se escreve:
φ(→r)=14πε0q1|→r−→r1| (3)
→E(→r)=−▽φ=q14πε0→r−→r1|→r−→r1|3 (4)
O campo para uma distribuição arbitrária de cargas
Partindo da eq. (3), é imediato obter o potencial para um conjunto arbitrário de N cargas por simples sobreposição dos potenciais gerados por cada uma:
φ(→r)=∑Ni=114πε0qi|→r−→ri| (5)
Esta expressão adapta-se facilmente a distribuições contínuas substituindo a soma pelo integral adequado. Para uma distribuição em volume, tem-se:
φ(→r)=14πε0∫dV′ρ(→r′)|→r−→r| (6)
onde ρ(→r) é a densidade volúmica de carga. Este potencial é, pois, a solução particular da equação de Poisson:
Δφ=−ρε0 (7)
[No Apêndice, é discutida a forma analítica da densidade de carga para uma carga pontual cujo potencial é dado pela eq. (3)].
A eq. (6) adapta-se facilmente a distribuições em superfícies ou linhas, bastando lembrar que o integral é uma soma dos potenciais gerados pelas cargas δQ(→r)=ρ(→r)dV. Os exemplos seguintes ilustram estas observações; neles faz-se uso, apenas, da forma integral da equação de Maxwell-Coulomb[3].
a) Distribuição uniforme numa esfera (raio a, carga Q)
Por simetria, o campo elétrico tem a direcção radial e só depende da distância ao centro da esfera (FIGURA 1). Tem-se:
r>aEr4πr2=Qε0→Er=Q4πε01r2
r<aEr4πr2=1ε0Q43πa343πr2→Er=Q4πε0ra3 (8)
O correspondente potencial elétrico deduz-se por integração de Er(r)=−dφdr, sendo contínuo na superfície da esfera:
r>aφ(r)=Q4πε01r
r<aφ(r)=Q8πε0a(3−r2a2) (9)

Se a carga se distribuir apenas na superfície da esfera, o campo elétrico é nulo no seu interior e, no exterior, é definido pela primeira equação em (8); quanto ao potencial elétrico, tem a forma da primeira equação em (9), sendo constante no interior com o valor φ=Q4πε01a.
b) Distribuição uniforme numa superfície plana (densidade superficial de carga ρs)
O campo elétrico reduz-se, por simetria, à sua componente Ez perpendicular ao plano; não havendo cargas acima ou abaixo do plano, então ∂Ez∂z=0, i.e., Ez é uniforme naquelas regiões. A simetria de reflexão no plano determina que esta componente tem sinais opostos acima e abaixo do plano. Considere-se, então, um pequeno cilindro reto, com área das bases δA, cortado a meio pelo plano (cilindro gaussiano). Aplicando a forma integral de Maxwell-Coulomb, obtém-se:
EzδA−(−Ez)δA=ρSδAε0→Ez=ρS2ε0 (10)

Este resultado é mais geral do que a sua dedução fará parecer. Com efeito, para cargas distribuídas, não necessariamente de modo uniforme, sobre uma qualquer superfície, a eq. (10) é válida na imediata vizinhança dos pontos da superfície (sendo, agora, Ez a componente normal à superfície nesses pontos). Com efeito, se se considerar um pequeno elemento da superfície de área δA, esse elemento aparecerá plano quanto mais próximo dele se estiver. Deste modo, se →E for o campo total, gerado quer pelas cargas na superfície quer por outras cargas fora dela), a descontinuidade da componente normal deste campo é devida unicamente às cargas na superfície, podendo ser obtida pela eq. (10); por outro lado, a componente contínua do campo é devida às outras cargas e pode ser obtida efectuando a semi-soma dos seus valores de um e outro lado da superfície. Este comentário é importante para o cálculo das forças que o campo exerce sobre cargas distribuídas superficialmente.
c) O condensador plano
Considerem-se dois planos paralelos (distantes a), tendo o plano da esquerda (FIGURA 3) densidade de carga ρS e o da direita −ρS; o eixo z é perpendicular aos planos. Por sobreposição dos campos originados por cada plano, obtém-se:
Ez=0 no exterior dos planos
Ez=ρSε0 entre os planos

Há, assim, uma diferença de potencial elétrico V entre os dois planos; arbitrando φ=0 para o plano da direita, tem-se:
V=Eza=ρsaε0
Este exemplo fornece um modelo aproximado para um condensador plano, onde as placas, agora finitas, têm área A. Designa-se por carga do condensador a carga na placa positiva.
Assim, numa boa aproximação, é Q=ρSA e, portanto, V=ε0AaQ. A capacidade do condensador é a sua carga para uma diferença de potencial de 1V, i.e.,
C=QV=ε0Aa (11)
A unidade da capacidade no S.I. é o farad (F).

Note-se, porém, que para um real condensador plano, não só há uma acumulação de carga junto aos bordos das placas como o campo deixa de ser uniforme nas proximidades destes bordos e existem linhas de força no exterior das placas (FIGURA 4). Na verdade, um condensador plano, observado de longe, é um dipólo elétrico.

Considerem-se dois cilindros coaxiais, comprimento l, secção recta circular, de raios a e b>a. Uma bateria estabelece uma diferença de potencial V entre os cilindros, ficando o exterior ao potencial 0. A bateria faz passar carga Q do cilindro exterior para o cilindro interior - é essa a carga do condensador. Ignorando o efeito dos bordos, o campo está confinado ao espaço entre cilindros e tem a direcção radial. Imaginando um cilindro gaussiano, coaxial com os dados, de raio r com a a<r<b, o fluxo do campo através deste cilindro é Er2πrl que, pela lei de Maxwell-Coulomb deve ser igual a Qε0. Então:
Er=Q2πε01lr. Deste modo, a diferença de potencial entre os cilindros é:
V=∫badrEr=Q2πε0llog(ba)
A capacidade do condensador cilíndrico é:
C=QV=2πε0llog(ba) (12)
A expansão multipolar do potencial
Considere-se uma distribuição de carga localizada numa região limitada do espaço, de extensão típica a - por exemplo, um núcleo atómico ou uma molécula. Como se comporta o potencial elétrico em pontos distantes dessa região (r≫a)? A resposta é a expansão multipolar, i.e., o desenvolvimento do potencial em potências de ar. Para isso, escolhe-se um ponto qualquer no interior da distribuição para origem do sistema de coordenadas. Deste modo, a densidade de carga distribui-se em torno da origem até à distância típica a. Então, na eq. (6), o termo dominante no denominador é r=|→r| e obtém-se a expansão fazendo o desenvolvimento de |→r−→r′|−1 em potências de r′r∼ar. Até à 2ª ordem (nesta quantidade), tem-se:
1|→r−→r|=(r2−2→r⋅→r′+r′2)−12=1r(1−2→r⋅→rr2+r′2r2)−12=
=1r[1+→r⋅→r′r2+32(→r⋅→r′r2)2−12r′2r2+...]
Inserindo na eq. (6), obtém-se:
4πε0φ(→r)=1r∫dV′ρ(→r′)[1+→r⋅→r′r2+32(→r⋅→rr2)2−r′22r2+...]
No segundo membro, o primeiro termo faz intervir a carga total da distribuição:
Q=∫dV′ρ(→r′)
O segundo termo faz intervir o momento dipolar elétrico da distribuição, o vetor:
→p=∫dV′ρ(→r′)→r′ (13)
Os últimos dois termos fazem intervir o momento quadrupolar da distribuição, um tensor simétrico de 2ª ordem[4]:
Dij=12∫dV′ρ(→r′)[3x′ix′j−r′2δij] (14)
Note-se que o traço deste tensor é nulo:
Dij=0 (15)
Assim, a expansão do potencial escreve-se (soma sobre índices repetidos):
4πε0φ(→r)=Qr+→p⋅→rr3+13Dij3xixj−r2δijr5+... (16)
Aqui, no último termo, adicionou-se um fator que é, na verdade, nulo pela eq. (15).
Alguns comentários:
a) Para grandes distâncias da distribuição de carga, o termo dominante é o primeiro, o potencial de Coulomb como se toda a carga estivesse localizada na origem do referencial escolhido. É, muitas vezes, este termo que é apenas utilizado como potencial experimentado por eletrões movendo-se em torno de núcleos atómicos ou para interações entre iões.
b) Se a carga total da distribuição for nula (átomos ou moléculas neutras), o termo dominante é o segundo, i.e., a contribuição dipolar. Tal termo decai como 1r2 e exibe anisotropia porque depende da posição do ponto de observação (i.e., →r) em relação ao momento dipolar. O campo elétrico associado a tal termo mostra claramente esta anisotropia:
→E(→r)=14πε03→r(→p⋅→r)−r2→pr5 (17)
Para duas cargas pontuais de sinais opostos, a definição elementar do momento dipolar coincide com o resultado expresso na eq. (13) - basta substituir o integral por soma sobre as cargas e pdV→q para cada carga. Assim, se →l for o vetor de posição da carga positiva (+q) em relação à negativa (−q), obtém-se:
→p=q→l (18)
A FIGURA 6 exibe as linhas de força do campo elétrico gerado por um tal dipólo ideal.

Por exemplo, na molécula da água (H2O), o oxigénio ocupa o centro de um tetraedro e possui carga −2qe (qe é o valor absoluto da carga do eletrão), enquanto que cada hidrogénio (carga (qe) ocupa um dos vértices do tetraedro; a molécula é neutra, mas apresenta um momento dipolar (FIGURA 7) de grande importância para as propriedades químicas e biológicas da água. Mais adiante mostra-se como se pode verificar a existência deste dipólo com uma experiência simples.
c) O termo quadrupolar na eq. (16) será dominante se a distribuição de carga apresentar carga total e momento dipolar nulos., como acontece nas moléculas de cristais líquidos, ou como correcção ao potencial coulombiano se apenas o momento dipolar for nulo, como acontece com o potencial gerado por núcleos atómicos no estado fundamental. Neste último caso, o momento quadrupolar do núcleo é sentido pelos electrões que o orbitam, originando o levantamento de degenerescências nos níveis atómicos, assim fornecendo, também, informação sobre a distribuição de carga no núcleo.

A FIGURA 8 representa, esquematicamente, a distribuição de carga no átomo de oxigénio - o núcleo (azul) é tomado como origem e os dois eletrões (vermelho) situam-se simetricamente em relação àquele, à distância a. Tomando o eixo x na linha das cargas, é fácil obter:
D11=−2qea2D22=D33=qea2
sendo nulos todos os outros termos.

Energia eletrostática
Qualquer configuração de cargas tem associada uma energia Ue[5]: a sua diferença entre uma configuração inicial e outra final é o simétrico do trabalho realizado pelas forças do campo para levar as cargas da primeira à segunda configurações:
−dUe=δW (19)
Esta energia tem a expressão:
Ue=∫dVε0→E22 (20)
Observe-se que a energia eletrostática está localizada em todo o espaço e não, apenas, na região onde existam cargas. Uma outra expressão equivalente revela-se útil para o cálculo da energia eletrostática em diversas situações. Com efeito:
Ue=∫dVε02→E2=−∫dVε02→E▽φ=−∫dVε02▽⋅(→Eφ)+∫dVε02φ▽⋅→E
O penúltimo termo é nulo porque, pelo teorema de Gauss pode ser convertido num fluxo através de uma superfície esférica de raio R arbitrariamente grande: ∫ΣdSφ→E⋅→n. Ora, muito longe das cargas é φ∼1R e →E∼1R2, pelo que tal integral decai como 1R. Quanto ao último termo da expressão anterior, a equação de Maxwell-Coulomb conduz à forma pretendida:
Ue=12∫dVρφ (21)
Exemplos.
a) Distribuição uniforme de carga numa esfera
Usando a eq. (9), com a densidade ρ=Q/(4π3R3), facilmente se obtém:
Ue=35Q24πε0R (22)
Note-se que esta energia diverge para uma carga pontual.
Se a carga estiver, apenas, distribuída uniformemente na superfície da esfera, o resultado é, ainda, mais simples de obter:
Ue=Q28πε0R (23)
O raio clássico do eletrão (re) é o raio de uma tal esfera com a carga do eletrão (−qe) de modo que a energia eletrostática iguala metade da energia em repouso do eletrão:
q2e4πε0rc=mec2→rc=8,82...fm (24)
Nota: um fermi (fm)=10−5A∘=10−13cm
Este raio clássico é uma quantidade útil porque intervém em muitas expressões de Física Atómica, mas não deve levar a pensar que o eletrão tenha qualquer geometria esférica.
A eq. (21) é facilmente adaptada a cargas pontuais, bastando substituir dVρ→qi e o integral pela soma sobre as cargas:
Ue=12∑iqiφ(→ri)=12∑i≠jqiqj4πε0|→ri−→rj| (25)
Aqui, eliminaram-se os termos de auto-energia (i=j) que são divergentes. Note-se que apenas diferenças de energia eletrostática determinam o trabalho das forças (eq. (19)), pelo que tais termos são eliminados automaticamente.
Como exemplo, considere-se a energia eletrostática de um núcleo atómico com Z prótões e A−Z neutrões (A é o número de massa, i.e., o número de nucleões). Os prótões são todos equivalentes, pelo que se pode reescrever a eq. (25) sob a forma:
Ue=Z2∑i≠1q1φ1(→r1)≃Z2∫dVρ1φZ−1
Aqui, φ1(→r1) é o potencial originado pelos prótões i≠1 sobre o prótão selecionado. A última expressão traduz a média sobre a posição de todos os prótões face às suas grandes velocidades que os levam a, praticamente, ocupar uniformemente o volume do núcleo. Assim, ρ1≈qe4π3R3 e φZ−1 é o potencial de uma esfera (raio R) com uma carga (Z−1)qe uniformemente distribuída, o que permite utilizar-se o resultado da eq. (9). Deste modo, obtém-se:
Ue=35Z(Z−1)q2e4πε0R
O raio de um núcleo é essencialmente determinado pelo seu número de massa R≈A13 (expresso em fm) - tal significa uma densidade nuclear AR3 praticamente constante, tal como uma gota de liquido. Esta energia eletrostática é enorme: na tabela abaixo estimam- -se os seus valores para os núcleos de oxigénio (O) e urânio (U):

Os núcleos são mantidos estáveis porque, sobrepostas às forças repulsivas entre os prótões, existem forças atrativas ainda de maior grandeza entre todos os nucleões – são as forças nucleares e, ao contrário das eletrostáticas, atuam apenas a curtas distâncias (da ordem de 1fm), entre os vizinhos mais próximos (tornam-se repulsivas a mais curtas distâncias, tal como as forças de van der Waals entre moléculas). A contribuição desta energia nuclear é, então, proporcional ao número de nucleões e pode estimar-se o seu valor porque o urânio encontra-se no limite de estabilidade (é radioativo, mas com uma vida média muito longa!), i.e., a contribuição atrativa das forças nucleares é da ordem da contribuição repulsiva eletrostática - na verdade, compensa não só esta, mas também a energia cinética dos nucleões que tenderia a dispersa-los e que é da ordem da energia eletrostática. Designando por ε a energia nuclear por nucleão, será, então, para o urânio, Aε∼2,2GeV , donde ε≈9,2MeV.
Vê-se, agora, por que o núcleo de oxigénio é bastante estável: as forças nucleares contribuem com 16ε∼148MeV , bem acima dos 18,1MeV da energia eletrostática. E vê- -se, também, por que o U235 se desintegra: tem a mesma carga do U238, mas menos 3 neutrões e, portanto, a energia de coesão das forças nucleares não vence a repulsão eletrostática.
b) O condensador plano
Usando a eq. (21), facilmente se encontra a energia eletrostática para um condensador plano:
Ue=12QV=Q22C=CV22 (26)
onde C é a capacidade do condensador, eq. (11).
Qual a força que atua na placa negativa? Esta força tem, evidentemente, a direção do eixo z (FIGURA 3) e poder-se-ia pensar que seria Fz=−QEz. Porém, esta conclusão está errada. Com efeito, o campo Ez é a sobreposição dos campos originados pelas cargas nas duas placas. É óbvio que a força na placa negativa se deve, apenas, às cargas na placa positiva; ora estas criam um campo 12Ez, a parte contínua do campo quando se atravessa a placa negativa. Assim, é Fz=−12QEz=−12QVa=−12Q2aC, onde a é a distância entre as placas. Este resultado pode ser confirmado usando a energia eletrostática. Para isso, imagine-se um deslocamento da placa negativa de modo que a→a+δa, mantendo as mesmas cargas nas placas. O trabalho realizado pelo campo é δW=Fzδa; usando a eq. (19), tem-se:
Fzδa=−dUe=−d(Q22C)=Q22C2δC
Ora, pela eq. (11), é δC=−ε0Aa2δa=−Caδa, obtendo-se, assim, Fz=−Q22Ca.
Este assunto merece algumas considerações adicionais.
O circuito da FIGURA 9 mostra o condensador e a bateria que serviu para o carregar. É óbvio que a força que se exerce na placa negativa é a que atrás se obteve. A energia eletrostática escreve-se, em função dos dados, Ue=12CV2. Suponha-se que se procede ao mesmo deslocamento δa da placa negativa, mas mantendo, agora, a mesma diferença de potencial, i.e., bateria ligada. Um uso descuidado da eq. (19) leva a uma conclusão errada. Com efeito, parece que:
δW=Fzδa=−dUe=−12V2dCdaδa→Fz=CV22a

Resultado que coincide com o anterior em valor absoluto, mas com o sinal errado! Onde está o erro? O trabalho δW realizado pelo campo não é apenas Fzδa. Com efeito, como é mantida a diferença de potencial entre as placas durante o deslocamento, a carga do condensador variou: δQ=VδC. Tal carga foi transportada da placa positiva para a negativa – teve, pois, que passar do cátodo para o ânodo na bateria. O trabalho realizado pelo campo no interior da bateria (igual e oposto ao realizado pela força-eletromotriz da bateria) foi −VδQ=−V2δC. Assim, δW=Fzδa−V2δC. Com esta correção, tem-se:
δW=Fzδa−V2δC=−dUe=12V2δC→Fz=12V2dCda=−CV22a
em completo acordo com o resultado obtido quando as cargas permaneciam constantes. Estas considerações aplicam-se a qualquer tipo de condensador, seja qual for a sua geometria.
Expansão multipolar da energia eletrostática
Imaginem-se duas distribuições de carga bem definidas e distintas (o núcleo e a nuvem eletrónica, duas moléculas, etc.) que serão designadas por ρ1 e ρ2 e que geram os respetivos potenciais φ1 e φ2. A energia eletrostática para o conjunto das duas distribuições obtém-se da eq. (21):
Ue=12∫dV(ρ1+ρ2)(φ1+φ2)=12∫dV(ρ1φ1+ρ2φ2+ρ1φ2+ρ2φ1)
Os dois primeiros termos são as energias eletrostáticas de cada configuração tomadas isoladamente. Os últimos dois termos são, de facto iguais e a sua soma é a energia de interação U12 entre as duas configurações:
∫dVρ1(→r)φ2(→r)=∫dVρ114πε0∫dV′ρ2(→r′)|→r−→r′|=
=∫dV′ρ2(→r′)14πε0∫dVρ1(→r)|→r−→r′|=∫dV′ρ1(→r′)φ2(→r′)
Seja, então:
U12=∫dVρ1(→r)φ2(→r)=14πε0∫dV1ρ1(→r1)∫dV2ρ2(→r2)|→r1−→r2| (27)
Esta expressão é geral. Interessa agora imaginar que as duas configurações estão muito afastadas de modo a poder utilizar-se a expansão multipolar para o potencial. Para isso, escolhe-se um ponto (P1) no interior da primeira distribuição e um segundo ponto (P2) no interior da segunda distribuição. Seja →R=→P1P2 o vector com origem no primeiro ponto e extremidade no segundo ponto. Tome-se a origem do referencial cartesiano coincidente com P1. Se se designar por →r2 a posição da carga elementar dV2ρ2(→r2) em relação ao segundo ponto, então a distância entre as cargas elementares na eq. (27) é |→R+→r2−→r1|, com |→r1|,|→r2|≪|→R|≡R. Então, até à primeira ordem, tem-se:
1|→R+→r2−→r1|=1R[1+(→r1−→r2)⋅→RR2+32(→r1−→r2⋅→RR2)2−12(→r1−→r2)2R2+...]=
=1R[1+(→r1−→r2)⋅→RR2+→r1⋅→r2R2−3(→r1⋅→R)(→r2⋅→R)R4+...]
Substituindo na eq. (27) e integrando sobre as cargas, obtem-se (ver eq. (13) para a definição do momento dipolar):
U12=14πε0[Q1Q2R+Q2→R⋅→p1−Q1→R⋅→p2R3+→p1⋅→p2R3−3(→p1⋅→R)(→p2⋅→R)R5+...]
Note-se que U12=14πε0Q1→RR3≡→E1 é o campo elétrico gerado pela primeira distribuição no ponto P2; do mesmo modo, 14πε0Q1(−→R)R3≡→E2 é o campo elétrico gerado pela segunda distribuição no ponto P1. Em ambos os casos, a grandes distâncias das respetivas fontes. Deste modo, reescreve-se a equação anterior sob a forma:
U12=14πε0Q1Q2R−→E1⋅→p2−→E2⋅→p1+14πε0[→p1⋅→p2R3−3(→p1⋅→R)(→p2⋅→R)R5] (28)
No segundo membro, o primeiro termo é a interação Coulombiana pura como se as distribuições se reduzissem às suas cargas totais localizadas nos pontos escolhidos; os segundo e terceiro termos representam a interação do momento dipolar de uma distribuição com o campo gerado pela outra distribuição; e os últimos dois termos exibem a interação entre os momentos dipolares:
Upp≡14πε0[→p1⋅→p2R3−3(→p1⋅→R)(→p2⋅→R)R5] (29)
Este será o termo dominante na interação entre as duas distribuições de carga se cada uma apresentar carga total nula. Note-se que a interação dipolar é fortemente anisotrópica. Ela é mínima (mais negativa) se os dipólos se alinharem paralelamente entre si e com o eixo que as une; é máxima (mais positiva) quando se alinharem antiparalelamente entre si, tendo a mesma direção daquele eixo; e é nula quando os dipólos forem perpendiculares entre si, estando um deles alinhado com o eixo.
Força e momento sobre um dipólo
Considere-se um dipólo num ponto →r submetido à ação de um campo elétrico →E(→r) gerado por outra distribuição de carga – muitas vezes designado por campo aplicado. A energia de interação do dipólo com o campo é, como se viu atrás:
Uint=−→p⋅→E(→r) (30)
Este resultado já havia sido obtido noutro artigo[6]. Invocando a eq. (19), é possível agora deduzir a força e o momento que atuam sobre um dipólo. Para isso, aplicam-se os resultados deduzidos para deslocamentos ou rotações virtuais[7]. Imagine-se que o dipólo é transportado paralelamente a si próprio da posição inicial →r para a posição final em →r+δ→r. Tem-se:
δW=→F⋅δ→r=−dUint=→p⋅[→E(→r+δ→r)−→E(→r)]=→p⋅(δ→r⋅▽)→E(→r)
Por exemplo, Fx=→p⋅∂→E∂x. Quer dizer, a força é nula para um campo uniforme e, no caso de ser não uniforme, a força tem a direção do crescimento do campo. Uma experiência simples exibe este resultado. Abra-se uma torneira de água até escorrer um pequeno fio de água (FIGURA 9). Esfregando em um pano de flanela um pente de plástico e aproximando- a, sem tocar, do fio de água, ver-se-á este a encurvar em direção ao pente. Porquê? O pente ficou eletrizado pela flanela, originando um campo não uniforme que atua sobre as moléculas da água (dipólos como se viu), puxando-as para as regiões onde o campo é mais intenso.

O cálculo do momento que se exerce sobre o dipólo efetua-se começando por imaginar uma rotação infinitesimal do dipólo: →p→→p+δ→Ω∧→p. Aqui, δ→Ω define a rotação: a sua direção é o eixo de rotação, o seu sentido determina o sentido da rotação (regra do saca-rolhas) e o ângulo de rotação é |δ→Ω|. Designando por →M o momento devido ao campo, tem-se:
δW=→M⋅δ→Ω=−dUint=δ→p⋅→E=δ→Ω∧→p⋅→E=δ→Ω⋅→p∧→E
Então, o momento que atua sobre o dipólo é:
→M=→p∧→E (31)
Voltando à experiência do fio de água, percebe-se ainda melhor o seu resultado: as moléculas da água rodam alinhando os seus dipólos com o campo local e assim maximizam a força que o campo não uniforme sobre elas atua.
Apêndice
O potencial para uma carga pontual, eq. (3), deve ser solução da equação de Poisson, eq. (8), colocando-se a questão de qual a correspondente densidade de carga. Designe-se esta densidade por:
ρ(→r)=q1δ(→r−→r1) (32)
Aqui, →r1 é a posição da carga e a “função” δ(→r−→r1) deve satisfazer a seguinte condição óbvia que decorre da definição de densidade de carga:
∫DdVδ(→r−→r1)={1↔→r1no interior de D0↔→r1no exterior de D (33)
Assim, inserindo a eq. (3) na equação de Poisson, obtém-se uma muito útil solução particular, que se reescreve sob a forma:
Δ(1|→r−→r1|)=−4πδ(→r−→r1) (34)
Note-se que o laplaciano actua sobre as coordenadas de →r.
A “função” δ(→r−→r1) é, na verdade, o produto de três distribuições de Dirac:
δ(→r−→r1)=δ(x−x1)δ(y−y1)δ(z−z1)
Para cada uma delas, é verdadeira a seguinte propriedade:
∫badxδ(x−x1)=1↔x1∈]a,b[
O integral é nulo se x1 se situar fora do intervalo de integração. A distribuição de Dirac é a generalização, para funções contínuas, do símbolo de Kronecker[8].
[editar] Referências
- ↑ LAGE, E., Os fundamentos do eletromagnetismo, Rev. Ciência Elem., V9(1):016. (2021). DOI: 10.24927/rce2021.016.
- ↑ LAGE, E., Gradiente, divergência e rotacional, Rev. Ciência Elem., V8(2):029. (2020). DOI: 10.24927/rce2020.029.
- ↑ LAGE, E., Os fundamentos do eletromagnetismo, Rev. Ciência Elem., V9(1):016. (2021). DOI: 10.24927/rce2021.016.
- ↑ LAGE, E., Escalares, vetores e tensores cartesianos, Rev. Ciência Elem., V6(4):086. (2018). DOI: 10.24927/rce2018.086.
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Criada em 27 de Julho de 2020
Revista em 12 de Fevereiro de 2021
Aceite pelo editor em 15 de Março de 2021