Crescimento da população

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Referência : Nápoles, S., (2018) O crescimento exponencial de populações: Euler ou Malthus?, Rev. Ciência Elem., V6(2):041
Autor: Suzana Nápoles
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [http://doi.org/10.24927/rce2018.041]
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Em 1798, no livro An Essay on the Principle of Population, que teve seis edições, Thomas Malthus (1766-1864), um clérigo e erudito inglês influente nos campos da economia política e da demografia, escreveu:

“A população, quando não controlada, aumenta em progressão geométrica. A subsistência aumenta apenas em progressão aritmética. Um pequeno conhecimento dos números mostrará a imensidão do primeiro poder em comparação com o segundo.“


Malthus não tentou traduzir matematicamente o seu modelo de crescimento. Limitou-se a caraterizá-lo pressupondo que a taxa segundo a qual a população cresce num determinado instante é proporcional à população total nesse mesmo instante.

Numa revisão da primeira edição discutiu em detalhe os obstáculos para o crescimento da população em vários países, nomeadamente atraso no casamento, aborto, infanticídio, fome, guerra, epidemias e fatores económicos. Para ele, o casamento retardado era a melhor opção para estabilizar a população.

Para caraterizar matematicamente este modelo, considerando o crescimento em anos consecutivos e supondo uma taxa de crescimento r em cada ano, se num ano n a população é \(P_n\) no ano seguinte a população será \(P_{n+1}=(1+r)P_n\), pelo que \(P_{n+1}=(1+r)^nP_0\) e o crescimento é descrito por uma progressão geométrica de razão \(1+r\).


FIGURA 1. Thomas Malthus.

Supondo uma variação contínua do tempo, e designando por \(P(t)\) a população no instante t e por r a taxa de crescimento por unidade de tempo, a equação diferencial que traduz o modelo contínuo preconizado por Malthus é \(P'(t)=rP(t)\). Então, \(P(t)=ke^{rt}\) com k constante.

Como \(P(0)=k\), e \(P_0\) o número de indivíduos no ano zero, a evolução da população é dada por \(P(t) = P_0 e^{rt}\).

Acontece que 50 anos antes, em Introductio in analysin infinitorum, no VI capítulo “De quantidades exponenciais e logaritmos” para ilustrar a grande utilidade das tabelas de logaritmos para abreviar cálculos numéricos, o matemático suíço Leonhard Euler (1707-1783) dá vários exemplos que envolvem o crescimento populacional, de que transcrevemos os exemplos II e III.


FIGURA 2. Leonhard Euler e o seu Introductio in analysin infinitorum.


Exemplo II

“Se a população em certa região aumenta anualmente um trigésimo e, por outro lado, lá habitavam no princípio 100000 pessoas, pergunta-se qual o número de habitantes após 100 anos.

Seja o número inicial = n, pelo que n = 100000; passado um ano o número de habitantes será \(=(1+\frac{1}{30})n=\frac{31}{30}n\): depois de dois anos = \(\left(\begin{array}{c}\frac{31}{30}\end{array}\right)^2n\); ao cabo de três, \(\left(\begin{array}{c}\frac{31}{30}\end{array}\right)^3n\), e daqui depois de 100 anos será \(=\left(\begin{array}{c}\frac{31}{30}\end{array}\right)^{100}n=\left(\begin{array}{c}\frac{31}{30}\end{array}\right)^{100} 100000\): cujo logaritmo é \(= 100 l \frac{31}{30}+l100000\). E \(l \frac{31}{30}=l31-l10= 0,014240439\) de onde, \(100 l \frac{31}{30}=1,4240439\), que somando-lhe \(l 100000 = 5\) será o logaritmo do número de habitantes procurado, \(= 6,4240439\), a que corresponde o número 2654874.

Assim ao cabo de 100 anos será mais de vinte e seis vezes maior.”


Este exemplo publicado em 1748 é, meio século antes, a concretização do “Modelo Malthusiano” para uma população de 100000 habitantes e uma taxa de crescimento anual de 1/30.

No exemplo seguinte Euler faz alusão ao capítulo 7 do Livro do Genesis que relata como um dilúvio reduziu a população da terra a seis seres humanos.


Exemplo III

“Como a humanidade se espalhou após o dilúvio por obra de seis seres humanos, se o número destes alcançar duzentos anos depois o número 1000000, pergunta-se em que parte deveria crescer anualmente o número de humanos.

Se aumentar em cada ano \(\frac{1}{x}\), duzentos anos depois o número de humanos seria \(=\left(\begin{array}{c}\frac{1+x}{x}\end{array}\right)^{200} 6 = 1000000\) e por tanto \(\frac{1+x}{x}=\left(\begin{array}{c}\frac{1000000}{6}\end{array}\right)^{\frac{1}{200}}\).

Portanto \(l\frac{1+x}{x}=\frac{1}{200}l\frac{1000000}{6}=\frac{1}{200}. 5,2218487 = 0,0261092\)


e assim \(\frac{1+x}{x}=\frac{1061963}{1000000}\) e 1000000 = 61963x donde x =16 aproxidamente.

Bastará pois que os humanos aumentem por ano a sua décima sexta parte [...]. Contudo, se o número de homens tivesse crescido na mesma proporção durante um intervalo de 400 anos, deveria chegar a 1000000. \(\frac{1000000}{6}= 166666666666\), cujo sustento a terra inteira não seria de forma alguma capaz de dar.”


Euler, ao abordar o crescimento das populações, tinha uma preocupação matemática – a de mostrar a utilidade dos logaritmos – que ilustrou com exemplos.

Mas a observação anterior leva a crer que ele considerou o modelo exponencial desadequado para o estudo do crescimento populacional.

A população de Portugal espelha bem a falência deste modelo. Segundo dados do Instituto Nacional de Estatística, nos duzentos anos que decorreram entre 1770 e 1970, a população nem chegou a triplicar.



TABELA 1. População de Portugal entre 1422 a 1890.



Quanto a Malthus, as suas preocupações eram de natureza política e legislativa. Tomou como certo um crescimento exponencial da população mundial que conduziria a uma catástrofe por ausência de recursos e, para o travar, sugeriu o recurso a políticas adequadas. Ao publicitar o modelo exponencial - que ficou conhecido como Modelo Malthusiano - ligando-o a problemas legislativos reais, abriu caminho para que diferentes matemáticos se dedicassem à modelação do crescimento populacional.

Em 1844, o matemático belga Pierre Verhulst (1804-1849) propôs no artigo Recherches mathématiques sur la loi d’accroissement de la population, um modelo em que considera que, à medida que a população se aproxima de um valor máximo, a taxa de crescimento diminui: “O aumento virtual da população é, portanto, limitado pelo tamanho e pela fertilidade do país. Como resultado, a população fica cada vez mais próxima de um estado estável”.

Designado por P(t) a população no instante t, por r a taxa de crescimento por unidade de tempo e por M o número máximo de indivíduos que a região pode suportar, este modelo exprime-se pela equação diferencial


\(\frac{dP}{dt}=rP\left(\begin{array}{c}1-\frac{P(t)}{M}\end{array}\right)\),


cuja solução é


\(P(t)= \frac{P(0)e^{rt}}{1+\frac{P(0)(e^{rt}-1)}{M}}\),


Se P(t) for muito pequeno face a M tem-se que \(\frac{dP}{dt}≅ r P(t)\) que tem a solução \(P(t) ≅ P(0) e^{rt}\), e o crescimento é exponencial.


FIGURA 4. Pierre François Verhulst e o gráfico da curva logística.


À medida que t cresce a população aproxima-se assintoticamente de M. A equação diferencial que carateriza este modelo é atualmente designada por equação logística e a população máxima M por capacidade de carga. Com Verhulst relativizou-se “a hipótese da progressão geométrica, uma vez que ela só se pode verificar em circunstâncias muito especiais; por exemplo, quando um território fértil de tamanho quase ilimitado passa a ser habitado por pessoas com uma civilização avançada, como foi o caso das primeiras colónias americanas”.

Essa equação foi retomada por vários matemáticos e adaptada a contextos variados. São de realçar os casos em que a capacidade de carga varia como o tempo conduzindo ao modelo caraterizado pela equação diferencial


\(\frac{dP}{dt}=rP\left(\begin{array}{c}1-\frac{P}{M(t)}\end{array}\right)\)


onde a capacidade de carga M(t) = M(t +T) varia periodicamente com período T.


FIGURA 5. A demografia é instrumental para o controlo das populações humanas.


Desde o século XVIII que o estudo da dinâmica das populações é objeto de modelação matemática. Na atualidade existem outros modelos de crescimento: hiperbólicos, exponenciais, logísticos ou baseados noutras funções. Baseada nos modelos populacionais do matemático Song Jian, a República Popular da China em 1980, então a atingir o bilião de habitantes, instaurou uma política estrita de filho único. Essa lei foi flexibilizada em 2015, aumentando para dois o número máximo de filhos, para fazer frente ao envelhecimento da população e à redução do grupo de trabalhadores na faixa etária considerada economicamente ativa.

Muitos dos pareceres científicos nas mais diversas áreas baseiam-se em modelos matemáticos que podem permitir fazer estimativas e previsões, mas … ao olhar para o crescimento populacional ao longo dos tempos verificamos que os modelos matemáticos são instrumentais na análise da dinâmica das populações.


[editar] Referências

  1. BACAËR, N., A Short History of Mathematical Population Dynamics, Springer-Verlag, London, 2011.
  2. EULER, L., Introductio in analysin infinitorum, translated and annotated by Ian Bruce, 2013.
  3. KOROTAYEV, A., et al, Introduction to Social Macrodynamics: Compact Macromodels of the World System Growth, 2006.
  4. MALTHUS, T., An Essay on the Principle of Population, London, 1798.
  5. VERHULTS, P. F., Recherches mathématiques sur la loi d’accroissement de la population. NouveauxMémoires de l’Académie Royale des Sciences et Belles-Lettres de Bruxelles, 18, 14-54, 1845.


Criada em 3 de Maio de 2018
Revista em 27 de Maio de 2018
Aceite pelo editor em 18 de Junho de 2018