Coleções biológicas

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Referência : Santos, J., Covelo, F., Fidalgo, C., Sales, F., (2021) Coleções biológicas, Rev. Ciência Elem., V9(1):008
Autor: Joaquim Santos, Filipe Covelo, Cidália Fidalgo e Fátima Sales
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2021.008]
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O caso do Herbário da Universidade de Coimbra


Resumo

As coleções biológicas alojam organismos vivos ou preservados cujo objetivo é o estudo da biodiversidade. As coleções de material preservado, nas quais se incluem os herbários, disponibilizam exemplares colhidos ao longo de décadas e mesmo séculos para investigação que atualmente utiliza as mais modernas metodologias[1]. O grande número de organismos, a sua grande variabilidade e distribuição generalizada no planeta tornam o seu estudo logisticamente impossível, a menos que se disponha de coleções, cuidadas, catalogadas e de fácil acesso.

 

A vasta coleção mundial de exemplares mantidos em herbários globais resulta de colheitas que se iniciaram no séc. XVI com Luca Ghini, Andrea Cesalpino e Ulisse Aldrovandi. Estes exemplares documentam a diversidade das plantas e constituem a base do conhecimento sobre elas. Apenas com grande quantidade de material é possível fazer comparações e delinear conclusões científicas.

Existem cerca de 3.500 herbários no mundo que alojam cerca de 400.000.000 exemplares[2]. Até 2013 foram utilizados cerca de 4.800.000 exemplares de herbário em artigos científicos, num total de 733 herbários[3]. Esta investigação só é possível com a gestão, conservação, ampliação e disponibilização das coleções por técnicos especializados.

Estas coleções estão, primariamente, na base da investigação em taxonomia, ou seja, na identificação e descrição de espécies e estabelecimento de classificações. Mas desempenham também um papel muito importante em conservação, biogeografia, genética e evolução, em estudos de polinização, em bioeconomia (agricultura, indústria farmacêutica e alimentar, cosmética, fitopatologia, etnobotânica), até alterações climáticas (fenologia, fixação de elementos químicos, etc.) saúde e segurança interna (prevenção e investigação de terrorismo biológico), saúde pública (rastreio da história de doenças infeciosas e identificação das suas fontes e reservatórios), educação, e outros[4], [5], [6], [7] (FIGURA 1A)). Os herbários (i) alojam material de referência o que implica a preservação cuidada dos exemplares, (ii) constituem uma ferramenta para identificação de material vegetal, algas fungos e líquenes, o que implica uma organização interna atualizada, (iii) estabelecem a base para a aplicação dos nomes científicos, o que implica materiais corretamente identificados, (iv) constituem uma base de dados da diversidade vegetal e, para tal, tem representada a variabilidade interespecífica e distribuição geográfica.

O Herbário da Universidade de Coimbra (COI, acrónimo internacional; https://www. uc.pt/herbario_digital/) possui cerca de 800.000 exemplares, constitui o maior herbário português e é um dos cinco maiores na região mediterrânica. Fundado por Júlio Henriques em 1880, tem desenvolvido ininterruptamente uma atividade reconhecida internacionalmente. É o único herbário internacional global nacional. Estes herbários globais são coleções (i) com representação da maioria dos taxa existentes, de todos os continentes e da maioria dos países, (ii) têm grandes dimensões, (iii) são antigos e incluem exemplares de datas muito variadas, (iv) são ricos em exemplares tipo1 e outros exemplares históricos, (v) são importantes para os investigadores tendo muitas solicitações para investigação. O Catálogo online do Herbário de Coimbra (FIGURA 1B)) recebe cerca de 200 utilizadores por mês totalizando uma média de 2.800 visualizações mensais. Em 2019, foram emprestados a outras entidades cerca de 600 exemplares para estudo ou exposições.

O Herbário inclui maioritariamente angiospérmicas, mas contém também algas, fungos, líquenes, fetos e gimnospérmicas. O material é prensado e seco (FIGURA 1C)), montado em cartolina, identificado, etiquetado e disposto ordenadamente segundo classificações internacionalmente reconhecidas. Fornece materiais e informação para a elaboração de (i) Floras que descrevem detalhadamente todas as plantas de uma área, como a Flora Iberica (http://www.floraiberica.es/) da qual é colaborador oficial; (ii) Monografias que descrevem detalhadamente um grupo taxonómico em toda a sua área de distribuição, como do género Aframomum[8] com a qual colaborou; (iii) listas especializadas, como a Lista Vermelha da Flora Vascular de Portugal Continental (https://listavermelha-flora. pt/) da qual é colaborador oficial. A lentidão inerente ao estudo da diversidade vegetal resultante do vasto número de organismos e de exemplares existentes nas numerosas coleções dispersas pelo mundo, contrasta com os problemas que o planeta enfrenta e que crescem exponencialmente.


FIGURA 1. Herbário da Universidade de Coimbra. A) Valor científico das colecções de herbário. B) Catálogo online. C) Preparação de material fresco para prensagem e secagem. D) Um dia de trabalho no Herbário.

A troca de informação rápida é fundamental para imprimir a aceleração necessária na investigação da biodiversidade. O atual acesso aberto às coleções através de catálogos digitais na Internet representa um enorme esforço global dos herbários e permite acelerar extraordinariamente a investigação. O Herbário da Universidade de Coimbra contribui ativamente para este esforço geral (FIGURA 1D)). Desde 2002 que informatiza os seus materiais e os disponibiliza no seu Catálogo online (http://coicatalogue.uc.pt).

A informatização é um processo que consiste em criar um registo para cada exemplar numa base de dados e transcrever os dados relevantes do exemplar para campos específicos.

Um identificador único é atribuído a cada exemplar na base de dados e o mesmo é colocado no exemplar sob a forma de código de barras. Pode obter-se também uma imagem do exemplar que fica associada ao registo. A informatização é uma tarefa exigente que requer recursos humanos e tempo. À semelhança de instituições em outros países, o Herbário está a recorrer à contribuição dos cidadãos para esta tarefa[9]. A Ciência Cidadã constitui uma estratégia moderna que promove a participação do público em atividades de investigação e contribui para democratizar a ciência, aproximar a academia e a sociedade, promover a literacia científica, a participação ativa do público em decisões e a inovação[10]. O Herbário da Universidade de Coimbra desenvolveu uma plataforma colaborativa, o EXPLORATOR (https://coicatalogue.uc.pt/explorator/), cujo objetivo é a informatização das suas coleções.

O Herbário constitui uma coleção biológica com potencial para continuar a sua missão de apoio à investigação da diversidade vegetal num tempo em que os desafios à vida no planeta requerem decisões efetivas, inclusivas e justas.

Referências

  1. HEBERLING, JM & ISAAC, BL., Herbarium specimens as exaptations: new uses for old collections, American Journal of Botany, 104, 963-965. 2017.
  2. THIERS, B., The World’s Herbaria 2020: A summary report based on data from Index Herbariorum, 2021.
  3. LAVOIE, C., Biological collections in an ever-changing world: herbaria as tools for biogeographical and environmental studies, Perspectives in Plant Ecology, Evolution and Systematics,15 (1): 68-76. 2013.
  4. MILLER, EA et al., Herbaria macroalgae as a proxy for historical upwelling trends in Central California, Proceedings of the Royal Society, B., 287 (1929): 20200732. 2020.
  5. HEBERLING, JM et al., The changing uses of herbarium data in an era of global change: an overview using automated content analysis, BioScience, 69, 812-822. 2019.
  6. FUNK, VA, Collections-based science in the 21st Century, Journal of Systematics and Evolution, 56, 175-193. 2018.
  7. NESBIT, M., Use of herbarium specimens in ethnobotany, 22, In Salick J, Konchar K, Nesbitt M (eds) Curating biocultural collections. A handbook. The Board of Trustees of the Royal Botanic Gardens, Kew. pp: 313-328. 2014.
  8. HARRIS, DJ & WORTLEY, AH, Monograph of Aframomum (Zingiberaceae), Systematic Botany Monographs, 104, 1-204.
  9. SWANSON, A. et al., A generalized approach for producing, quantifying, and validating citizen science data from wildlife images, Conservation Biology, 30, 520-531. 2016.
  10. DITOS CONSORTIUM, Citizen Science and Open Science: synergies and future areas of work, DITOs policy brief 3. 2017.


Criada em 19 de Janeiro de 2021
Revista em 20 de Janeiro de 2021
Aceite pelo editor em 15 de Março de 2021