Campo magnético estacionário
Referência : Lage, E., (2021) Campo magnético estacionário, Rev. Ciência Elem., V9(1):019
Autor: Eduardo Lage
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2021.019]
[editar] Resumo
Correntes contínuas criam um campo magnético independente do tempo, sendo aqui deduzidas expressões gerais entre as fontes e o campo ilustradas por exemplos característicos e importantes, tais como espiras, solenóides e esferas carregadas em rotação uniforme. É introduzido o importante conceito de potencial vetorial magnético, um auxiliar no cálculo do campo magnético que permite obter a relação exata entre este e as correntes e que se reduz, em limites apropriados, à lei de Biot e Savart. Outro importante conceito é o momento magnético de uma distribuição de correntes, salientando- se que existem tais momentos de forma intrínseca para os quais se deduz o campo magnético por eles originado. A análise das forças que um campo magnético exerce sobre correntes é reservado para outro artigo.
O campo magnético estacionário é originado por correntes contínuas, não dependendo, pois, do tempo. Tal campo é regido pelo seguinte par das equações de Maxwell[1]:
▽⋅→B=0 (1)
▽⋅→B=μ0→i (2)
Comparando com as equações da Eletrostática[2], conclui-se que a eq. (1) significa a inexistência de cargas magnéticas, pelo que as linhas de força do campo magnético são sempre fechadas. Pelo mesmo motivo, é contínua a componente normal do campo magnético através de qualquer superfície, mesmo que existam correntes superficiais.
A eq. (2), obtida primeiramente por Ampére, relaciona o campo com as correntes. É muito útil considerar a sua forma integral. Para isso, considere-se uma linha fechada C onde se arbitra um sentido de circulação (FIGURA 1) – deste modo, fica definido, em cada ponto da linha, um vetor infinitesimal d→l, tangente à linha, com o sentido da circulação e grandeza |d→l|, o elemento de comprimento na linha. Designa-se por circulação do campo ao longo de C o integral (soma) ∮Cd→l⋅→B. Seja, agora, uma qualquer superfície aberta a ∮Cd→l⋅→B que se apoie em C.

Em cada ponto desta superfície, fica definido o versor da normal →n cujo sentido está relacionado com o sentido da circulação pela regra do saca-rolhas. Ora, pelo teorema de Stokes, tem-se[3]:
∮Cd→l⋅→B=∫ΣadS→n⋅(▽∧→B)=μ0∫ΣadS→n⋅→i≡μ0I (3)
onde I é a intensidade da corrente que atravessa a superfície Σa no sentido da normal definida. Esta eq. (3) é, muitas vezes, suficiente para determinar o campo magnético, como se mostra em alguns exemplos abaixo. Interessa, aqui, usá-la para estudar a descontinuidade da componente tangencial do campo através de superfícies onde existam correntes superficiais.
Tais correntes são uma idealização: qualquer corrente distribui-se, realmente, no espaço mas se estiver confinada a uma estreita vizinhança de uma superfície, é útil atribui-la inteiramente à superfície. Na FIGURA 2 considera-se uma tal superfície onde, num ponto qualquer, se define o versor da normal (de sentido arbitrário) e um pequeno vetor d→l no plano tangente. Então, →is⋅(→n∧d→l) é a intensidade da corrente que atravessa o comprimento |d→l|.

Construa-se, agora, um pequeno retângulo no plano determinado por →n e d→l, e defina- -se o sentido de circulação (FIGURA 3). Seja →B1 o campo abaixo do plano e →B2 o campo acima do plano. Lembrando que a componente normal do campo é contínua, obtem-se pela eq. (3):
∮d→l⋅→B=(→B2−→B1)⋅d→l=μ0→is⋅(→n∧d→l)=μ0(→is∧→n)⋅d→l
Como o elemento d→l é arbitrário na superfície, conclui-se:
→B2−→B1=μ0→is∧→n⇔→n∧(→B2−→B1)=μ0→is (4)
É esta a relação procurada para a descontinuidade das componentes tangenciais do campo.
Os exemplos seguintes ilustram a determinação do campo em várias situações de interesse.

Corrente uniforme em fio retilíneo
A FIGURA 4 representa um fio cilíndrico (raio R) de comprimento ilimitado percorrido por uma corrente de intensidade I. É útil usar coordenadas cilíndricas com o eixo z coincidente com o eixo do cilindro. Considere-se um ponto P, interior ou exterior ao cilindro. O plano definido por este ponto e o eixo do cilindro é um plano de simetria por reflexão do sistema.

Ora, sendo →B um pseudovetor, então, por reflexão neste plano, trocam de sinal as suas componentes paralelas ao plano e é invariante a sua componente Bϕ perpendicular ao plano. Assim, é Br=Bz=0. A simetria de rotação em torno do cilindro e a simetria de translação ao longo do cilindro indicam que é Bϕ(r). Seja, agora, uma circunferência (raio r) perpendicular ao eixo e nele centrada. Usando a eq. (3), tem-se:
r>RBϕ2πr=μ0I→Bϕ=μ0I2πr
r<RBϕ2πr=μ0IπR2πr2→Bϕ=μ0IrR (5)
Note-se que o campo é contínuo em R: não há correntes superficiais.
Corrente circular uniforme na superfície de um cilindro ilimitado
A FIGURA 5 representa um cilindro de comprimento ilimitado e secção reta circular (raio a). Na superfície do cilindro existe uma corrente superficial, circular e uniforme (→is).

Tomando o eixo do cilindro para eixo z de coordenadas cilíndricas, é imediato verificar que o pseudovetor →B só tem não nula a componente Bz devido à simetria de reflexão em qualquer plano normal ao eixo do cilindro. A simetria de rotação em torno deste eixo e a eq. (1) informam que só poderá ser Bz(r); mas, no exterior do cilindro, sendo nulo o 2º membro da eq. (2), então Bz terá de ser constante e esta tem de ser nula porque o campo deve anular-se longe do cilindro. Assim, Bz está confinado ao interior do cilindro, onde não pode depender de r pela eq. (2). Segue-se que Bz é constante no interior do cilindro, obtendo-se, por aplicação da eq. (4):
Bz=μ0isr<a (6)
Se o mesmo cilindro for percorrido por uma corrente superficial longitudinal (i.e. paralela ao eixo do cilindro), com a geometria da FIGURA 4, o campo é nulo no interior do cilindro e, no exterior, as suas linhas de força são circulares:
Bϕ=0r<a
Bϕ=μ0isarr>a (7)
Estes dois resultados permitem-nos modelizar o campo gerado por um solenóide (FIGURA 6). O enrolamento ao longo do cilindro é helicoidal com um passo h, de modo que a equação da hélice é z=hϕ2π, originando o versor da tangente (em coordenadas cilíndricas) →τ=cosα→eϕ+sen→ez, com cosα=α√a2+(h2π)2.

Deste modo, a densidade superficial de corrente fica →is=is→τ. Considere-se um pequeno comprimento δz de uma, qualquer, geratriz do cilindro. A corrente que passa através deste elemento é, por definição, →is⋅→eϕδz=iscosαδz. Por outro lado, há nδz enrolamentos que atravessam aquele comprimento, onde n é o número de enrolamentos por unidade de comprimento da geratriz. Cada enrolamento transporta a corrente de intensidade I, pelo que iscosαδz=Inδz, i.e., is=nIcosα, originando o respetivo vetor →is=nIcosα→τ=nI→ez+nItgα→ez. Esta corrente é, pois, a soma de uma corrente circular, perpendicular ao eixo do cilindro, →i⊥s=nI→eϕ com uma corrente longitudinal →i||s=nItgα→ez, paralela àquele eixo. A primeira gera um campo no interior do cilindro (ver eq. (6)):
Bz=μ0nIr<a (8)
A segunda gera um campo no exterior do cilindro (ver eq. (7):
Bϕ=μ0nItgαar=μ0nIh2πrr>a
Para um enrolamento muito apertado (h≪a), este campo exterior é muito fraco e, na realidade, é dominado, para um solenóide de comprimento finito, pelo primeiro campo que fecha as suas linhas de força no exterior do cilindro (FIGURA 6).
O potencial vetor magnético
A eq. (1) é automaticamente satisfeitas se se escrever:
→B=▽∧→A (9)
O potencial vetor magnético →A é um vetor polar[4] e a sua definição fica aqui completada com a escolha do padrão de Coulomb:
▽⋅→A=0 (10)
Nestas condições, a equação de Maxwell-Ampére (eq. (2)) fica:
Δ→A=−μ0→i (11)
Comparando com a equação de Poisson da Eletrostática, é imediato concluir que a sua solução particular é:
→A(→r)=μ04π∫dV′→i(→r′)|→r−→r′| (12)
Esta expressão sugere, muitas vezes, que o potencial vetor magnético apresenta a mesma geometria das correntes, o que muito facilita a procura de soluções.
É fácil mostrar que satisfaz à condição (10) porque as correntes são estacionárias (▽⋅→i=0). O campo magnético obtém-se, agora, da eq. (9):
→B(→r)=μ04π∫dV′▽(1|→r−→r′|)∧→i(→r′)=μ04π∫dV′→i(→r′)∧→r−→r′|→r−→r|3 (13)
Para correntes em fios finos, percorridos por uma corrente I basta substituir ∫dV′→i(→r′)→Id→l, obtendo-se assim a lei de Biot e Savart:
→B(→r)=μ0I4π∮d→l′∧→r−→r′|→r−→r′|3 (14)
O integral faz-se ao longo do circuito onde d→l′ é um pequeno vetor, tangente em cada ponto ao circuito, com o sentido da corrente e grandeza igual ao elemento de comprimento. Deve observar-se que a eq. (14) perde validade na imediata vizinhança do fio condutor porque aí se faz sentir a espessura finita do fio, devendo então empregar-se a eq. (13) de validade genérica.
A FIGURA 7 representa uma espira circular (raio R) percorrida por uma corrente I. Pretende- se calcular o campo magnético a grandes distâncias da espira (r≫R). A eq. (12) adaptada a esta geometria, fica:
→A(→r)=μ0I4π∮Rdϕ′→eϕ′|→r−→r′|≃μ0I4πRr∮dϕ′→eϕ′(1+→r⋅→rr2)

No último membro, o 1º termo é nulo; quanto ao seguinte, usando coordenadas esféricas com a origem no centro da espira e o eixo z coincidente com o eixo da espira, tem-se (FIGURA 8):
→r⋅→r′=rsenθRcos(ϕ−ϕ′). Lembrando que →eϕ′=(−senϕ′,cosϕ′,0) nos eixos cartesianos, obtem-se:
→A(→r)=μ04πIsen(θ)R2r2π→eϕ
Donde (eq. (9)) o campo magnético:
→B(→r)μ0=IπR24πr3(2cosθ→er+senθ→eθ) (15)
A grandeza IπR2≡μ é o momento magnético da espira, um importante conceito que se discutirá adiante.

É interessante observar que se se empilharem idênticas espiras, o campo, no exterior deste conjunto, vai anular-se, ficando confinado ao seu interior e nas extremidades do empilhamento, tal como se encontrou no solenóide.
É, também, fácil calcular o campo ao longo do eixo da espira. A simetria de reflexão no plano da espira indica que apenas sobrevive a componente Bz e, como o campo é um pseudo vetor, deve ser função par de z.

Usando a eq. (14), tem-se (FIGURA 9):
→B=μ04πIR(R2+z2)32∫2π0dϕ(z→e′r+R→ez)=μ02IR2(R2+z2)32→ez
Um segundo exemplo considera uma distribuição uniforme de carga na superfície de uma esfera em rotação uniforme (velocidade angular ω). Há, assim, uma densidade de corrente superficial:
→is=ρs→v=ρs→ω∧→r=ρsωRsenθ→eϕ (em coordenadas esféricas – FIGURA 10).

Tal sugere, juntamente com a simetria do problema, que o potencial vetor magnético tenha a forma →A(→r)=A(r,θ)→eϕ. Usando a eq. (9), obtem-se para o campo magnético:
→Bμ0=1rsenθ∂∂θ(senθA)→er−1r∂∂r(rA)→eθ
Como ▽∧→B=0 dentro e fora da esfera, tem-se:
∂2∂r2(rA)+1rsenθ∂∂θ(1senθ∂∂θ(senA))=0
A expressão da densidade de corrente sugere a forma A(r, ) = f (r) sen . Substituindo, encontra-se:
d2dr2(rf)−2rf=0
Esta equação tem as soluções f∝r e f∝1r2. Assim, tem-se:
r>RA(→r)=Cr2senθ→→Bμ0=2Cr3cosθ→er+Cr3senθ→eθ
r<RA(→r)=Drsenθ→→Bμ0=2Dcosθ→er+2Dsenθ→eθ=2D→ez
As constantes C e D são determinadas pelas condições na superfície da esfera:
- continuidade de A(R,θ)→CR3=D
- descontinuidade de Bθ(R,θ) (eq. (4)) →CR3+2D=ρsωR
Deste modo, o campo magnético fica:
r>R→Bμ0=ρsωR43r3(2cosθ→er+sen→eθ)
r<R→Bμ0=2ρsωR3cosθ→er−2ρsωR3senθ→eθ=2ρsωR3→ez
O campo no interior da esfera é uniforme, alinhando com o eixo de rotação. No exterior, comparando com a eq. (15), é o campo dipolar de um momento magnético de grandeza μ=4π3ρsωR4=13QωR2, onde Q é a carga da esfera (FIGURA 11).

Este exemplo tem um certo valor histórico: quando foi descoberto o spin e se verificou que o eletrão tem um momento magnético intrínseco, procurou-se interpretar estes resultados com um modelo para o eletrão idêntico ao do exemplo. Contudo, Pauli objetou que, se assim fosse, com os valores conhecidos para aquelas grandezas e aceitando o raio clássico para o eletrão, então a velocidade da esfera no equador seria superior à velocidade da luz.
Se toda a esfera em rotação estiver carregada uniformemente e procedendo como atrás, mas havendo, agora, continuidade do campo na superfície, encontrar-se-ia:
r≥RBμ0=ρωR515r3[2cosθ→er+senθ→eθ]
r≤RBμ0=ρωR2[(13−r25R2)cosθ→er−(13−2r25R2)senθ→eθ]
Reconhece-se o campo dipolar no exterior da esfera.
O momento magnético
Para um sistema de correntes localizadas numa região finita do espaço (átomos, moléculas, etc.) o momento magnético é definido por:
→μ≡12∫dV→r∧→i (16)
É fácil mostrar que esta definição gera o resultado mais comum. Para um qualquer circuito elétrico, não necessariamente plano, tem-se:
→μ=I2∮→r∧d→l=I→S (17)
onde |→S| é a área varrida pelo vetor de posição ao descrever o circuito e I é a intensidade da corrente. Se este é plano, então →μ=IS→n (FIGURA 12), onde →n é o versor da normal ao plano com o sentido definido pela circulação da corrente (regra do saca-rolhas).

Considerem-se, agora, correntes de transporte (→i=ρ→v) e admita-se que os transportadores de carga (eletrões, iões) têm uma relação constante entre a sua carga e a sua massa (por exemplo, e qe/me para eletrões). Então, a razão entre as densidades de carga e massa (ρρm) é constante. Assim, a eq. (16) fica:
→μ=12∫dV→r∧(ρ→v)=ρ2ρmdV→r∧(ρm→v)=ρ2ρm→L
Aqui, →L é o momento cinético orbital do sistema constituído pelas cargas. Para eletrões, é:
→μ=qe2me→L
Na teoria de Bohr para o átomo de hidrogénio, a primeira órbita tem L=h2π(h é a constante de Planck). O momento magnético associado é o magnetão de Bohr: μB=qe2meh2π. Designa-se por fator giromagnético orbital a razão entre o momento magnético (em unidades do magnetão de Bohr) e o momento cinético (em unidades de h2π); para o eletrão, é go=(μμB)Lh2π=1. Mas o eletrão também tem um momento cinético intrínseco – o spin – de valor s=h4π e um momento magnético intrínseco igual a um magnetão de Bohr. Assim, o fator giromagnético para o spin do eletrão é gs=2. Para átomos ou iões, a respetiva estrutura eletrónica determina um arranjo quer dos momentos cinéticos quer dos momentos magnéticos que definem uma diversidade muito rica dos níveis energéticos, tal como inicialmente apresentada sob a forma de modelo vetorial do átomo. A diferença entre os fatores giromagnético e de spin determinam o fator giromagnético de Landé, a razão entre o momento magnético total (em unidades do magnetão de Bohr) e o momento cinético total (em unidades de h2π) que explica quer o levantamento de degenerescências quer o comportamento do átomo ou ião sob acção de campos magnéticos aplicados. Não será prosseguido aqui este importante tópico.
Voltando ao momento magnético intrínseco do eletrão, a correspondente densidade de corrente escreve-se →i=▽∧→m, com →m localizado no eletrão e satisfazendo a condição:
∫dV→m=→μs (18)
onde →μs é o momento magnético de spin. No Apêndice 1 é mostrado que esta densidade de corrente, inserida na eq. (16), faz identificar →μ=→μs.
Este resultado é importante pelo seguinte motivo. Em Eletrostática também se considerou o momento dipolar elétrico de um sistema de cargas[5]. É um conceito útil porque permite obter o campo elétrico a grandes distâncias daquela distribuição, se esta tiver carga total nula. Mas se se aproximar da distribuição, o dipolo elétrico perde importância porque a distribuição fica resolvida como um conjunto de cargas – não existem dipolos elétricos elementares. Não é assim com o momento magnético do eletrão (e de outras partículas elementares): por muito que dele se se aproxime, aquele momento não fica resolvido como um sistema de correntes. É verdadeiramente uma propriedade do eletrão como ponto material (i.e., sem estrutura), tal como a sua carga elétrica ou a sua massa. É, por isso, importante, determinar o campo magnético gerado pelo momento magnético do eletrão.
Para isso, usando →i=▽∧→m na eq. (2), tem-se:
▽∧(→Bμ0−→m)=0
Definido:
→H≡→Bμ0−→m (19)
este campo satisfaz às condições seguintes:
▽∧→H=0→→H=▽ψ
▽⋅→H=−▽⋅→m→Δψ=−▽⋅→m
A última equação é idêntica à equação de Poisson da Eletrostática, aparecendo ▽⋅→m como uma “densidade de carga”. Aproveitando a solução aí encontrada, tem-se:
ψ(→r)=14∫dV′▽′⋅→m(→r′)|→r−→r′|
Aqui, ▽′ é o operador gradiente que atua sobre as componentes de →r′. O integrando pode ser transformado pela identidade:
▽′⋅→m(→r′)|→r−→r′|=▽′⋅[→m(→r′)|→r−→r′|]−→m(→r′)⋅▽′(1|→r−→r′|)
O primeiro termo, inserido no integral, converte-se num fluxo (Gauss) através de uma superfície esférica de raio arbitrariamente grande, pelo que é nulo. Quanto ao segundo termo, atenta à identidade ▽′(1|→r−→r′|)=−▽(1|→r−→r′|), origina:
ψ(→r)=14π▽⋅∫dV′→m(→r′)|→r−→r′|=14π▽⋅→μs|→r−→r1|=−14π→μs⋅(→r−→r1)|→r−→r1|3
porque →m(→r) está concentrado[6] num ponto que, por escolha, se localiza em →r1. A expressão final é muito semelhante ao potencial originado por um dipólo elétrico e, por isso, designa-se ψ por potencial magnético (é, contudo, um pseudo-escalar). Deste modo, o campo →H fica:
→H(→r)=14π3→μs⋅(→r−→r1)(→r−→r1−→μs|→r−→r1|2)|→r−→r1|5 (20)
Reconhece-se este campo →H em alguns dos exemplos anteriores. Finalmente, o campo magnético (eq. (19):
→B(→r)μ0=14π3→μs⋅(→r−→r1)(→r−→r1)−→μs|→r−→r1|2|→r−→r1|5+→m(→r) (21)
É, então, este o campo gerado por um momento magnético “pontual” – o último termo está, apenas, localizado no ponto →r1. É nulo para →r≠→r1, mas a sua importância não pode ser desprezada pois manifesta-se na origem da risca de 21 cm que caracteriza o espectro do hidrogénio em Cosmologia.
Será evidente que, para uma coleção de momentos magnéticos intrínsecos, o campo magnético é a soma dos campos originados por cada um.
Um importante resultado, demonstrado no Apêndice 2, considera um sistema de correntes confinadas a uma região finita do espaço e que, portanto, satisfaz:
∫dV→i(→r)=0 (22)
Então, o momento magnético definido para tais correntes (eq. (16)) obedece à relação:
→μ=∫dV→B(→r)μ0+12∫dS→r∧(→n∧→B(→r)μ0) (23)
O primeiro integral é estendido a todo o espaço e o segundo refere-se a uma superfície esférica de raio arbitrariamente grande (→n é o versor da normal exterior). É fácil, embora trabalhoso, verificar que o resultado expresso pela eq. (21) satisfaz a relação anterior, sendo essencial a presença do último termo naquela equação.
A expansão multipolar
Partindo da eq. (12), considerando as correntes localizadas numa região finita do espaço, escolha-se um ponto de observação bem afastado das correntes. Tem-se:
→A(→r)=μ04πr∫dV′→i(→r′)[1+→r⋅→r′r2+...]
Os termos ignorados definem momentos quadrupolares, etc. O integral do primeiro termo é nulo. Quanto ao segundo, usem-se os resultados obtidos no Apêndice 2, para obter (exemplifica-se com a componente segundo x1):
A1(→r)=μ04πr3∫dV′i1(→r′)→r′⋅→r=μ04πr3∫dV′i1(→r′)(x′1x2+x3x3)=
=μ04πr3(−x2μ3+x3μ2)=μ04πr3(→μ∧→r)1
=μ04πr3(−x2μ3+x3μ2)=μ04πr3(→μ∧→r)1
Com idêntico procedimento para as outras componentes, tem-se finalmente:
→A(→r)=μ04πr3→μ∧→r (24)
Donde:
→Bμ0=▽∧→Aμ0=14π(3(→μ⋅→r)→r−→μr2r5)
É o campo de um dipólo magnético (ver eq. (20)). Deste modo, a grandes distâncias de correntes localizadas (átomos, moléculas, espiras, etc.), o campo magnético é o do dipólo magnético associado ao sistema de correntes.
A Terra possui um campo magnético que, à superfície, tem uma intensidade entre 25 e 65 μT (1 tesla=1Wb/m2=104 gauss), estimando-se, assim, H∼6504πA/M no pólo norte magnético (que é, aproximadamente, o pólo sul geográfico). Tal corresponde a um momento magnético localizado no centro da Terra (R∼6400 km ) de grandeza μ∼65×1012Am2. O campo magnético no exterior da Terra deflecte partículas carregadas (raios cósmicos, vento solar) para os pólos magnéticos onde interagem com a alta atmosfera criando auroras boreais. Neste artigo foram apenas consideradas propriedades genéricas do campo magnético estacionário. Ora, tal campo manifesta-se através de forças que exerce sobre correntes, realizando trabalho e conduzindo à identificação de uma energia magnética. Estes são importantes tópicos a considerar noutro artigo.
Apêndice 1 - Demostração de →μs, definido na eq. (18), ser um momento magnético.
Com efeito, usando →i=▽∧→m na eq. (16), tem-se:
→μ=12∫dV→r∧(▽∧→m)=12∫dV[▽→m(→r⋅→m)−→r⋅▽→m]
onde ▽→m significa que o operador gradiente só atua sobre →m. Ora, ▽→m(→r⋅→m)=▽(→r⋅→m)−▽→r(→r⋅→m)=▽(→r⋅→m)−→m , inserido no integral inicial, converte-se (teorema de Gauss) num fluxo sobre uma superfície esférica de raio arbitrariamente grande onde →m é nulo, pelo que é nula tal contribuição. Quanto ao (pseudo) vetor →r⋅▽→m, considere-se uma sua componente genérica: →r⋅▽mi=∑jxj∂mi∂xj=∑j∂(xjmi)∂xj−3mi. Inserindo no integral, o primeiro termo desta expressão anula-se pelo motivo anterior. Assim, o integral fica 12∫dV[▽m(→r⋅→m)−→r⋅▽→m]=12∫dV(−→m+3→m)=∫dV→m=→μs confirmando a identificação de →μs como momento magnético.
Apêndice 2 - Demonstração da eq. (23)
Considere-se o integral ∫dVxk→i(→r), onde xk é uma componente genérica do vetor de posição. Utilizando a eq. (2), tem-se:
∫dVxk→i(→r)=∫dVxk▽∧→Bμ0=∫dV[▽∧(xk→Bμ0)−→ek∧→Bμ0]=∫ΣdS(→n∧→Bμ0)xk−∫dV→ek∧→Bμ0
Aqui, usou-se o teorema de Gauss para converter o primeiro termo num integral sobre uma superfície (esférica), de normal exterior →n e de raio arbitrariamente grande, no interior da qual se localizam as correntes. Projectando no eixo cartesiano xj, obtem-se:
∫dVxkij(→r)=−∫dV→ek∧→Bμ0⋅→ej+∫ΣdS(→n∧→Bμ0)xk=
=∫dV→ej∧→ek⋅→Bμ0+∫ΣdS(→n∧→Bμ0)xk (25)
Donde:
12∫dV[xkij(→r)−xjik(→r)]=∫dV→ej∧→ek⋅→Bμ0+12∫ΣdS[(→n∧→Bμ0)xk−(→n∧→Bμ0)xj]
Considere-se, por exemplo, k=1 e j=2. Atendendo à definição de momento magnético (eq. (16)), vem:
μ3=∫dVB3μ0+12∫ΣdS[→r∧(→n∧→Bμ0)]3
Idênticos procedimentos para as outras duas escolhas independentes dos índices k e j, resultam na eq. (23).
Regressando à eq. (25), considerem-se agora os elementos diagonais, por exemplo, k=j=1. Tem-se:
∫dVx1i1(→r)=∫ΣdS(→n∧→Bμ0)1x1
Aceitando Σ como uma superfície esférica de raio R→∞, o 2º membro fica:
R3∫ΣdΩ(→n∧→Bμ0)1n1
O integral é, agora, efectuado sobre as direções definidas pelo ângulo sólido. Este termo é nulo se o campo decair mais rapidamente do que 1/R3. E mesmo para um dipólo magnético, deduz-se da eq. (20) que este termo se reduz a:
−14∫ΣdΩ(→n∧→μ)1n1=0
como resulta da integração angular para n1n2 e n1n3. Assim, tem-se:
∫dVx1i1(→r)=0
[editar] Referências
- ↑ LAGE, E., Os fundamentos do eletromagnetismo, Rev. Ciência Elem., V9(1):016. (2021). DOI: 10.24927/rce2021.016.
- ↑ LAGE, E., Eletrostática, Rev. Ciência Elem., V9(1):015. (2021). DOI: 10.24927/rce2021.015.
- ↑ LAGE, E., Gradiente, divergência e rotacional, Rev. Ciência Elem., V8(2):029. (2020). DOI: 10.24927/rce2020.029.
- ↑ LAGE, E., Os fundamentos do eletromagnetismo, Rev. Ciência Elem., V9(1):016. (2021). DOI: 10.24927/rce2021.016.
- ↑ LAGE, E., Eletrostática, Rev. Ciência Elem., V9(1):015. (2021). DOI: 10.24927/rce2021.015.
- ↑ LAGE, E., Eletrostática, Rev. Ciência Elem., V9(1):015. (2021). DOI: 10.24927/rce2021.015.
Criada em 11 de Abril de 2020
Revista em 27 de Janeiro de 2021
Aceite pelo editor em 31 de Março de 2021