As algas na alimentação

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Referência : Pereira, L., (2021) As algas na alimentação, Rev. Ciência Elem., V9(1):006
Autor: Leonel Pereira
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2021.006]
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[editar] Resumo

De entre as espécies da rica flora algológica da costa portuguesa, algumas podem ser utilizadas para consumo direto na alimentação humana, embora nenhuma seja atualmente colhida em larga escala e/ou comercializada para esse fim. A tradição europeia no que se refere a esse costume é praticamente nula e a expressão dos hábitos alimentares atuais pouco difere dos passados. Na Europa, só em períodos de fome (por exemplo, durante as Grandes Guerras) é que as algas foram consumidas por populações habitantes de locais mais próximo da costa.

Para além das múltiplas aplicações, já abordadas e que se expandiram enormemente nos últimos 50 anos, tendo como base os ficocolóides (agar, carragenanas e alginatos) - utilizados como espessantes na indústria alimentar, em sopas, conservas de carne, produtos lácteos e pastelaria — observa-se uma tendência para o aumento do consumo quer na América do Norte, quer também na Europa, particularmente em França.



Os critérios para a procura e seleção das espécies comestíveis com valor comercial assentam, num primeiro plano, na textura e sabor de cada alga (mais do que no valor nutritivo) e, num segundo plano, na criação de novos hábitos alimentares dietéticos no Ocidente, isto é, no valor calórico ou benéfico para a saúde. Em Portugal não existe legislação específica que regule este novo ramo alimentar uma vez que a pressão do mercado sobre estes produtos é ainda frágil, embora a procura de produtos dietéticos e macrobióticos e a diversificação dos hábitos alimentares esteja em franco crescimento, o que configura, para breve, uma alteração deste cenário.

Nesse contexto e até como contributo para alavancar esse ponto de viragem, tendo em conta que praticamente todas as algas alimentares consumidas no nosso país são importadas (apesar de várias dessas espécies, ou algas similares, se encontram na nossa costa), é importante dar a conhecer com mais detalhe, as algas que potencialmente são comestíveis e presentes na flora portuguesa e, desta forma, alertar para um tipo de investimento sustentável, capaz de acompanhar as necessidades e as tendências do mercado lusófono e internacional, gerador de emprego (direto e indireto) e de retornos interessantes a médio prazo.


Algas da flora portuguesa passíveis de integrarem a dieta humana

Atualmente, a sociedade dos países ocidentais, ditos desenvolvidos, vive mergulhada numa ilusória abundância e diversidade alimentar. Somos impelidos para o consumo sem regras ou cuidados alimentares e para a comida rápida, rica em calorias e gorduras insaturadas. Esta, aparece como a resposta milagrosamente adequada ao ritmo frenético da vida urbana - tanto que até já adotamos a designação de comida pronta, ou fast food como um estilo e perceção errónea de uma realidade, em que a comida é vista meramente como doses de combustível orgânico para suprir as nossas necessidades energéticas mais imediatas. As consequências de uma alimentação deste tipo (antagónica à tradicional slow food, ou comida caseira e regional, apurada com maior preceito e cuidado), onde a carência de nutrientes essenciais é evidente, traduzem-se em doenças relacionadas com a obesidade (e doenças colaterais, dela derivadas), bem como aquelas relacionadas com ingestão excessiva de açúcares (diabetes) e de gorduras (arteriosclerose), entre outras.

Por outro lado, essa ilusão não se expressa com o mesmo impacto em países subdesenvolvidos ou nos de transição, vistos sob uma perspetiva económica, ou ainda naqueles ditos emergentes - muito embora nestes últimos a tendência seja mais para a sua consolidação imposta, do que para a sua erradicação. Países como o Brasil, com uma costa considerável, enfrentam o mesmo dilema e têm ante si o caminho que Portugal pode trilhar, onde as práticas alimentares podem e devem ser adaptadas face aos recursos locais. Países menos desenvolvidos, mas com uma linha de costa apreciável - como Angola e Moçambique, dentro da cintura de países lusófonos, por exemplo - poderão adotar novas estratégias alimentares como forma de suprimir as fortes carências ainda sentidas.

A questão que se coloca, chegados a este ponto de consciência, é simples — que aporte ou benefícios poderão trazer as algas marinhas à dieta humana, em termos de alimentação, gastronómicos ou dietéticos?

A resposta parece simples face ao conhecimento atual — representam exatamente o oposto ao conceito de fast food: um alimento natural, por enquanto silvestre e abundante (e com um índice de crescimento capaz de sustentar uma cultura intensiva), capaz de fornecer um elevado valor nutritivo, mas reduzido valor calórico. Pobres em gorduras, as algas marinhas possuem polissacarídeos que se comportam, na sua grande maioria, como fibras sem valor calórico. As algas parecem ser, por isso, a melhor forma de corrigir não só a falta de alimento para ingestão, como as carências nutricionais da alimentação atual sentidas a nível mundial (nos países desenvolvidos, emergentes e/ou subdesenvolvidos), devido ao seu variado leque de constituintes essenciais - minerais (ferro e cálcio), proteínas (com todos os aminoácidos essenciais), vitaminas e fibras - nutrientes absolutamente necessários para o metabolismo primário humano. São pois um garante de sobrevivência, a que o ser humano, mais tarde ou mais cedo, irá recorrer, agora mais por capricho e curiosidade (mercê de alguns trabalhos pioneiros e investimentos que começam a dar os seus frutos) e mais tarde, por evidente necessidade, e para suprir as demandas de uma população humana em crescimento explosivo e que em breve atingirá 8 mil milhões de pessoas, cada vez mais concentrada na Ásia e África.

De facto, as algas representam um tesouro alimentar de elevado potencial. Da sua composição analítica das algas marinhas destacam-se:

  • Presença de minerais (oligoelementos) com valores cerca de dez vezes superiores aos encontrados nos vegetais terrestres, como no caso do ferro na Himanthalia elongata (Esparguete-do-mar) (FIGURA 1A)), em comparação com o da Lens esculenta (lentilhas) ou, no caso do cálcio presente na Undaria pinnatifida (Wakame) (FIGURA 1B)) e no Chondrus crispus (“musgo irlandês” ou simplesmente “musgo”) (FIGURA 1G)), relativamente ao leite de vaca, tão consumido e publicitado como fortificador ósseo;
  • Presença de proteínas, macromoléculas importantíssimas para a construção de novos tecidos animais, que contêm todos os aminoácidos essenciais, constituindo um modelo de proteína de alto valor biológico, comparável em qualidade às presentes nos ovos das aves;
  • Presença de vitaminas em quantidades significativas. Merece especial relevo a presença de B12, ausente nos vegetais superiores e que é indispensável para a formação das células sanguíneas (eritrócitos) e manutenção do sistema nervoso dos animais;
  • Presença de fibras em quantidades superiores ao encontrado na alface e semelhante à da Brassica oleracea (alface e couve, respetivamente) e, portanto, com um potencial regulador digestivo que as ultrapassa;
  • O seu baixo conteúdo em gorduras e valor calórico, transforma-as em alimentos adequados para regimes de emagrecimento, se integradas numa dieta estrategicamente programada.


Alguns exemplos de algas comestíveis comercializadas em Portugal

Wakame (Undaria pinnatifida) (FIGURA 1B)) – é uma alga castanha (Ochrophyta, Phaeophyceae), originária do Pacífico, que vive em águas profundas (até 25 m) e pode atingir 1,5 m de comprimento. O Wakame é a segunda alga mais consumida, na alimentação, em todo o mundo. Procedente, quase na totalidade, dos mares do Japão, Coreia e China (aquacultura, ou mais especificamente ficocultura), atinge um volume de produção anual de 500 mt (peso fresco). Detetou-se a sua presença, pela primeira vez em 1988, nas costas da Península Ibérica (Galiza), embora já anteriormente tivesse sido referenciada em França (também introduzida acidentalmente, com a cultura de ostra japonesa.

Dulse (Palmaria palmata) (FIGURA 1C)) - é uma alga vermelha (Rhodophyta), tipicamente atlântica, de pequeno porte (até 50 cm), que vive em águas relativamente profundas, frias e agitadas. A Palmaria palmata cresce muitas vezes fixada a outras algas (aderida aos estipes de Laminaria hyperborea, por exemplo) - um fenómeno frequente nas algas, denominado epifitismo. Esta é uma das mais belas algas vermelhas da nossa costa e foi a primeira espécie a ser referenciada historicamente como alimento humano, sabendo-se que foi tradicionalmente utilizada pelos povos costeiros da Islândia, Noruega, Irlanda, Escócia e Bretanha francesa. Atualmente usa-se fresca, no norte da Europa, como substituto de vegetais e seca como aperitivo e condimento de diversos pratos.

Esparguete-do-Mar (Himanthalia elongata) (FIGURA 1A)) – é uma alga castanha (Ochrophyta, Phaeophyceae), de cor amarelo-oliváceo, constituída por uma pequena estrutura basal perene, em forma de taça, com 2 a 3 cm. Na primavera desenvolvem-se a partir dela umas cintas estreitas e compridas, que dão o nome comercial a esta alga (esparguete-do-mar), chegando a medir até 3 m de comprimento. A sua distribuição geográfica abrange o Atlântico Norte, até as costas ibéricas e o Canal da Mancha. Desconhecida comercialmente nos países asiáticos, é cada vez mais valorizada na Europa, tanto nos restaurantes como nas padarias especializadas. Há já vários anos que se fabricam empadas, pizzas, massas, patês, pães, aperitivos fritos e latas de conserva, visto que o seu sabor faz lembrar alguns cefalópodes (chocos). É, de entre as espécies atlânticas, uma das algas com maior sucesso e aceitação, e, ao mesmo tempo, uma das mais baratas (devido à sua grande biomassa e facilidade de recolha nas zonas costeiras).

Kombu ( Laminaria ochroleuca e Saccharina latissima) - o Kombu japonês, ou seja, o Kombu original, é constituído apenas pela Saccharina japonica, alga nativa dos mares do Japão e que já é objeto de práticas de cultivo neste país, na Coreia e na China. Outras espécies são igualmente agrupadas, em termos de designação comercial, sob o epíteto de Kombu. A espécie Saccharina latissima (anteriormente denominada Laminaria saccharina) (FIGURA 1E)), apesar de ser uma alga de profundidade e com preferência por zonas com águas tranquilas, está presente no Atlântico Norte, desde a Noruega até ao Norte de Portugal (Viana do Castelo). Comercialmente esta alga tem o nome Kombu real, sendo a sua composição muito semelhante à da Laminaria ochroleuca (FIGURA 1D)), denominada comercialmente por Kombu atlântico. Este último Kombu é um pouco mais duro que o Kombu japonês e distribui-se na Península Ibérica desde Santander, na Cantábria, até o Minho, em Portugal.

Nori (Neopyropia, Pyropia e Porphyra) – O Nori original é feito a partir das algas vermelhas (Rhodophyta) Neopyropia yezoensis e N. tenera, cultivadas no Japão desde o século XV. A palavra Nori, na sua origem, quer dizer alga. No entanto, com o passar do tempo, esta palavra passou a designar o produto elaborado com as lâminas de algas do género Porphyra. O Nori consiste então em lâminas delgadas fabricados a partir de alga triturada, que servem de invólucro dos conhecidos sushi japoneses. O Nori atlântico, feito a partir de algas selvagens dos géneros Porphyra (P. umbilicalis (FIGURA 1F)) e P. linearis) e Neopyropia (N. leucosticta), era consumida tradicionalmente nos países celtas do Norte e também nos Açores, bem como no País de Gales e na Irlanda, geralmente como ingrediente na preparação de um pão ázimo (sem fermento), conhecido por laverbread. o Nori é, não só uma das algas mais apreciadas e procuradas, como também a mais cara comercialmente.

Musgo da Irlanda (Chondrus crispus) (FIGURA 1G)) – esta alga vermelha (Rhodophyta) de pequeno porte, com um talo em forma de leque, dividido dicotomicamente, cresce sobre as rochas do patamar médio-litoral. A sua cor pode variar desde um vermelho-púrpura iridescente até uma coloração esverdeada (que aparece no período estival e em zonas de menor profundidade), como adaptação cromática ao aumento da luminosidade (a intensidade da cor diminui inversamente). O C. crispus é uma espécie com distribuição no Atlântico oriental: é comum nas costas da Grã-Bretanha, Irlanda, Islândia e entre a Noruega e o sul de Espanha; possibilidade de existência em Marrocos e nas Ilhas de Cabo Verde (Pereira, observação pessoal). Atlântico ocidental: de Newfoundland (Canadá) a Delaware (USA). As populações mais luxuriantes que, por essa razão, são objeto duma exploração comercial intensiva, estendem-se pelas costas da Nova Escócia, pela ilha do Príncipe Eduardo, pelo Maine e Massachusetts, no que respeita ao Atlântico oeste; ao longo das costas francesas (de Cherbourg à ilha de Noirmoutier), da Espanha (costas da Galiza) e de Portugal, para o Atlântico Este. Juntamente com o Mastocarpus stellatus, que ocupa o mesmo habitat, é colhido no Norte de Portugal e na Galiza para fins industriais.

Fucus ou Bodelha (Fucus vesiculosus ( FIGURA 1H)) e F. spiralis) são algas castanhas (Ochrophyta, Phaeophyceae) e caracterizam-se pela presença de um talo dividido dicotomicamente, podendo atingir os 60 cm de comprimento e possuir lâminas com 1 a 2 cm de largura. De cor é castanho-escuro ou verde-oliváceo, de consistência coriácea fixando-se ao substrato por intermédio de um disco basal. As lâminas possuem uma nervura mediana proeminente, podendo apresentar vesículas aeríferas ou aerocistos (presentes no F. vesiculosus), que possibilitam a flutuação dos talos, quando imersos.

Agarófitas (Gelidium corneum, Pterocladiella capillacea e Gracilaria gracilis) - são várias as algas produtoras de agar. O Gelidium corneum (FIGURA 1I)) é uma alga vermelha (Rhodophyta), com um talo vermelho escuro, cartilaginoso, com dimensões até 35 cm e de consistência rígida. Esta alga forma densas populações no patamar infra-litoral da zona centro da costa portuguesa e no horizonte inferior do patamar médio-litoral da zona costeira entre Lisboa e o Algarve, e em ilhas açorianas, juntamente com uma outra agarófita de uso industrial, a Pterocladiella capillacea (FIGURA 1J)) (colhida sobretudo no arquipélago dos Açores).


FIGURA 1. Algas marinhas edíveis: A) Himanthalia elongata. B) Undaria pinnatifida. C) Palmaria palmata. D) Laminaria ochroleuca. E) Saccharina latissima. F) Porphyra umbilicalis. G) Chondrus crispus. H) Fucus vesiculosus. I) Gelidium corneum. J) Pterocladiella capillacea. K) Gracilaria gracilis.

Esta última espécie apresenta um talo ereto, vermelho-escuro, cartilaginoso e muito ramificado, com 4 a 20 cm de comprimento e 2 mm de espessura, que se fixa ao substrato por intermédio de pequenos rizoides. Trata-se de uma espécie perene, tal como o Gelidium corneum, abundante na parte inferior do patamar médio-litoral e no patamar infra-litoral. A Gracilaria gracilis (FIGURA 1K)) é uma agarófita, de cor púrpura e com tonalidades esverdeadas, de consistência cartilaginosa e com um tamanho que pode atingir 50 a 60 cm de comprimento. Esta alga apresenta talos fixados ao substrato mediante um pequeno disco basal, cilíndricos e com cistocarpos proeminentes à superfície. A G. gracilis encontra-se em zonas protegidas e semi-expostas no patamar médio-litoral e infra-litoral. Necessita da presença de areia para se desenvolver e suporta bem mudanças de salinidade. Muito embora esta alga não seja colhida para fins industriais em Portugal, é extensivamente cultivada para extração de agar na Namíbia e na África do Sul.

[editar] Referências

  1. PEREIRA, L. & CORREIA, F., Algas Marinhas da Costa Portuguesa - Ecologia, Biodiversidade e Utilizações. Nota de Rodapé Editores, 341 pp. ISBN 978-989-20-5754-5. 2015.
  2. PEREIRA, L., Algae: Uses in Agriculture, Gastronomy and Food Industry (Bilingual), In Litoral de Viana do Castelo (Littoral of Viana do Castelo). Viana do Castelo: Município de Viana do Castelo, 68 pp. ISBN: 978-972-588-218-4. 2010.
  3. PEREIRA, L., A Review of the Nutrient Composition of Selected Edible Seaweeds, In Pomin VH (ed), Seaweed: Ecology, Nutrient Composition and Medicinal Uses. New York: Nova Science Publishers Inc., pp. 15-47. ISBN: 978-1-61470-920-6. 2011.
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  6. SAÁ, C.F., Algas do Atlântico, Alimento e Saúde. Propriedades, Receitas e Descrição, Pontevedra: Algamar, Redondela, 272 pp. ISBN 84-697-7819-3. 2002.
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  8. PEREIRA, L., Estudos em Macroalgas Carragenófitas (Gigartinales, Rhodophyceae) da Costa Portuguesa: Aspectos Ecológicos, Bioquímicos e Citológicos (Tese de Doutoramento), Estudo Geral: Universidade de Coimbra, Coimbra, 293 pp. Revista


Criada em 17 de Janeiro de 2021
Revista em 18 de Janeiro de 2021
Aceite pelo editor em 15 de Março de 2021