Anatomia radicular
Referência : Zanatta, A. C., Grotto, A. G., Pinheiro, C. C., de Oliveira, F. M. C., (2025) Anatomia radicular, Rev. Ciência Elem., V13(3):026
Autores: Amanda Cristina Zanatta, Anelise Gabriela Grotto, Collini Cristina Pinheiro e Fernanda Maria Cordeiro de Oliveira
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2025.026]
[editar] Resumo
As raízes desempenham funções essenciais, como fixação, absorção e armazenamento para as plantas vasculares, e são capazes de estabelecer associações simbióticas com outros organismos. Sua estrutura geral pode sofrer mudanças anatômicas para resistir a diversos fatores bióticos e abióticos, como restrição hídrica e salinidade. Neste artigo, serão apresentados os aspectos gerais da anatomia das raízes em crescimento primário, bem como sua notável capacidade de adaptação às condições ambientais em que as plantas estão inseridas.
Classificação morfológica das raízes.
A raiz é uma estrutura que desempenhou um grande papel na ocupação terrestre das plantas, não só auxiliando na absorção de água e minerais, como também desempenhando papel de fixação da planta ao substrato. Do ponto de vista morfológico, as raízes podem ser classificadas em dois grandes grupos: fasciculadas e aprumadas (pivotantes PT-BR)[1]. Nas plantas com raízes fasciculadas, a raiz primária se desenvolve por um curto período e logo após se degenera. Então, novas raízes surgem diretamente do eixo caulinar, denominadas raízes adventícias. Neste grupo se enquadram grande parte das monocotiledóneas[2]. Por outro lado, plantas com raízes aprumadas (pivotantes- PT-BR) são caracterizadas pelo desenvolvimento de um único eixo radicular, com origem na radícula do embrião, a partir da qual todas as outras raízes laterais se ramificam. Este tipo é o sistema radicular mais comum nas eudicotiledóneas[3]. Essas diferentes estruturas radiculares se adaptaram de forma eficiente contribuindo para sua sobrevivência e sucesso reprodutivo no ambiente terrestre.
A organização dos tecidos vegetais nas plantas varia de acordo com a região analisada, taxon ou ambos. Na TABELA 1 estão elencadas as principais diferenças morfológicas e anatómicas entre raízes de Monocotiledóneas e Eudicotiledóneas. Comparada ao caule, a estrutura interna das raízes é considerada mais simples, principalmente devido à ausência de folhas, nós e entrenós[4]. Em termos gerais, é possível identificar várias regiões distintas em uma raiz em secção longitudinal (FIGURA 1): a zona de ramificação, que é a parte mais velha da raiz ainda em crescimento primário, e de onde surgem as raízes laterais; a zona pilosa (zona de absorção ou zona pilífera PT_BR), onde se encontram os pêlos absorventes responsáveis por ampliar a área de absorção de água e nutrientes; a zona de crescimento, uma das regiões mais jovens da raiz, caracterizada por células alongadas e ausência de pêlos ou ramificações, sendo responsável pelo crescimento longitudinal da raiz; e, por fim, a zona meristemática, que apresenta células em intensa divisão celular na região apical e é protegida por uma estrutura em forma de capuz chamada coifa. A coifa desempenha um papel crucial na proteção do meristema e na facilitação do deslocamento da raiz através do solo[5].
Para constituir a estrutura primária da raiz, os tecidos meristemáticos – protoderme, meristema fundamental e procâmbio – desempenham papéis específicos, resultando na formação da epiderme, do córtex e do cilindro vascular, respectivamente[6]. A epiderme exerce um papel fundamental na proteção mecânica das raízes e no aumento da área de absorção através dos pêlos radiculares. O córtex representa a região entre a epiderme e o cilindro vascular, sendo constituído por células parenquimáticas. A camada interna do córtex é denominada endoderme, enquanto a camada mais externa é chamada de exoderme. Em monocotiledóneas a endoderme geralmente é bastante evidente, com células de paredes espessadas. O sistema vascular ocupa a região central das raízes, formando um cilindro sólido composto por células vasculares propriamente ditas, além de uma ou mais camadas de células não vasculares, incluindo o periciclo. É a partir do periciclo que surgem as ramificações ou raízes laterais na maioria das plantas com sementes. Essas ramificações desempenham um papel crucial na absorção de água e nutrientes, bem como na fixação da planta ao solo. O cilindro vascular é responsável pelo transporte de água, e diversas outras substâncias, como minerais e nutrientes orgânicos, através do xilema e do floema, garantindo o funcionamento adequado e o suprimento destes compostos para toda a planta[7]. O cilindro vascular pode ser classificado de acordo com o número de feixes de xilema primário. Quando presente dois feixes, chamamos de diarcas, três de triarcas, quatro de tetrarcas e cinco de pentarcas. Raízes com mais de cinco feixes de xilema primário são comuns nas monocotiledóneas, sendo chamadas de poliarcas/html>DICKISON, W. C., Integrative Plant Anatomy, Academic Press, 1ª ed., United States of America, 533 p. 2000.</ref>. No interior das raízes, a medula vascular (de origem no procâmbio) pode estar presente. Esta característica é comum nas monocotiledóneas/html>DICKISON, W. C., Integrative Plant Anatomy, Academic Press, 1ª ed., United States of America, 533 p. 2000.</ref>.
Fatores bióticos e abióticos podem provocar mudanças anatômicas nas raízes.
As raízes interagem constantemente com fatores bióticos e abióticos que podem variar significativamente de acordo com o ambiente que estão inseridas. Esta variação pode resultar em condições extremas, desfavoráveis à sobrevivência da planta. As condições estressantes podem ser de seca, salinidade e falta de nutrientes[8]. Para sobreviver nestas condições, as plantas alteram anatomicamente suas raízes em resposta ao stress às quais são submetidas[9], a fim de minimizar danos nas próprias raízes e/ou no restante da planta.
Mudanças anatômicas podem ocorrer na epiderme, córtex e cilindro vascular da raiz. Alterações na epiderme radicular ocorrem em condições de seca e salinidade. O aumento da densidade dos pêlos radiculares amplia a cobertura da área de absorção de água[10]. Em solos salinos, dependendo da espécie, os pêlos radiculares podem ser reduzidos ou aumentados para evitar stress causado pelo sal[11], [12]. Além disso, epífitas, principalmente orquídeas, possuem epiderme pluriestratificada conhecida como velâmen (FIGURA 2 D))[13]. Este tecido com células com paredes espessadas, é responsável pela eficiente absorção e armazenamento de água[14]. O córtex radicular também apresenta mudanças em condições estressantes. Em solos inundados ou secos, as raízes enfrentam baixa disponibilidade de oxigénio (hipóxia). Quando nestas condições, o etileno (hormona vegetal) se acumula no córtex das raízes e desencadeia o processo de formação de aerênquima (FIGURA 2 C))[15]. Este tecido parenquimático é formado pela lise de algumas células corticais (aerênquima lisígeno - PT-BR) ou separação entre as células corticais (aerênquima esquizógeno- PT-BR) criando espaços preenchidos com ar, que melhoram a aeração dos tecidos[16], o que manterá a respiração nos tecidos radiculares. Em solos salinos, a deposição de suberina na endoderme e exoderme serve como barreira para evitar a entrada de sal em outras partes da planta[17]. Alterações no xilema também podem ocorrer quando a planta é submetida à seca e salinidade. Algumas plantas possuem diâmetro dos elementos de vaso ampliados e acúmulo de lignina para maior condutividade da raiz[18], [19].
Simbioses micorrízicas.
Além de alterações na raiz induzidas pela própria planta, simbioses mutualísticas na raiz também provocam alterações anatômicas, como ocorre no estabelecimento das ectomicorrizas. Este mutualismo entre plantas e fungos é caracterizado pela presença de manto sobre a epiderme da raiz e rede de Hartig no córtex radicular[20]. Durante a formação da rede de Hartig, o fungo altera o formato das células epidérmicas e das células corticais[21], [22]. Além disso, pontas de raízes ectomicorrizadas não produzem pêlos radiculares (FIGURAS 2 A) e B))[23]. Esta simbiose mutualística é fundamental para a sobrevivência de plantas em ambientes extremos, pois o fungo auxilia contra inúmeros stresses[24].
Em suma, a raiz desempenha um papel fundamental para o bom desenvolvimento geral da planta, visto que é responsável por inúmeras funções vitais, como absorver e armazenar nutrientes. Para enfrentar condições ambientais adversas, e garantir um melhor desenvolvimento da planta, é crucial que a raiz apresente mecanismos adaptativos e seja capaz de estabelecer relações simbiontes.
[editar] Referências
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Criada em 9 de Julho de 2025
Revista em 22 de Julho de 2025
Aceite pelo editor em 15 de Outubro de 2025

