Radicais livres

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Referência : Corrêa, C., (2014) Radicais livres, Rev. Ciência Elem., V2(1):028
Autor: Carlos Corrêa
Editor: Jorge Gonçalves
DOI: [http://doi.org/10.24927/rce2014.028]
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A palavra radical era utilizada em Química Orgânica para designar um agrupamento de átomos ligados entre si, como o radical metilo, CH3, que existia ligado a outros átomos, formando compostos estáveis, como o tolueno, CH3-Ph, o cloreto de metilo, CH3-Cl, e muitos outros. Não se sabia que o radical metilo podia existir livremente, desligado de outros átomos, constituido um radical livre.


Em 1900, o químico Mose Gomberg (1866-1947) verificou que o hidrocarboneto hexafeniletano, Ph3C-CPh3, se dissociava gerando dois radicais trifenilmetilo, Ph3C, o primeiro radical livre orgânico identificado. Wieland, em 1915, considerou os radicais livres como "complexos de valência anormal que possuem propriedades aditivas, mas que não possuem carga eléctrica e não são iões livres." Note-se que esta definição não inclui os iões-radicais.


A característica fundamental de um radical livre, a sua essência, é a existência de um electrão desemparelhado, isto é, de orbitais semipreenchidas. A IUPAC (Gold Book) define radical livre como "uma entidade molecular como CH3, SnH3 e Cl, que possui um electrão desemparelhado". Repare-se que esta definição não parece muito apropriada, pois refere "entidade molecular" e inclui o átomo de cloro como radical. Note-se também, que não se excluem os metais de transição, que possuem electrões desmparelhados em orbitais atómicas internas.


Assim, é preferivel definir radical livre, ou simplesmente radical*, como uma "partícula (atómica ou molecular) que possui um electrão desemparelhado numa orbital (atómica ou molecular) externa". Esta definição exclui os átomos dos metais de transição, mas inclui átomos de metais alcalinos e de halogénios (Na, Cl, etc.).


Se existirem dois electrões desemparelhados (dois centros radicalares) em átomos diferentes, independentes um do outro, a partícula será um birradical, como é o caso de CH2-CH2-CH2.


Os radicais podem ser produzidos por a) cisão homolítica de uma ligação covalente (fotólise, termólise e radiólise) e por b) transferência electrónica (oxidação e redução):


a)

CH3-Br \longrightarrow CH3 + Br

Ph3C-CPh3 \longrightarrow 2 Ph3C

H2O + Raios gama \longrightarrow H2O+ + e-


b)

R-COOH + Ce4+ \longrightarrow R-COO + Ce3+ + H+

H2O2 + Fe2+ \longrightarrow HO + HO- + Fe3+


Os radicais são partículas normalmente muito reactivas, embora existam radicais de elevada estabilidade (termodinâmica e cinética). A estabilidade termodinâmica de um radical depende da natureza do átomo onde se situa o electrão desemparelhado e da deslocalização do electrão desemparelhado.


Se o período de semitransformação do radical, t1/2, é maior que 10-3 s, o radical diz-se "estável", o que se deve a uma intensa deslocalização electrónica do electrão desemparelhado, como sucede nos radicais difenilpicril-hidrazilo (A) e galvinoxilo (B), que são sólidos cristalinos que se podem conservar vários meses sem apreciável decomposição.


radicais livres figura 1.png


A estabilidade radicalar pode também resultar de fenómenos cinéticos, isto é, baixas velocidades de reacção normalmente resultantes de fenómenos estereoquímicos em torno do centro radicalar como sucede no radical tris(trimetilsilil)metilo, [CH3)3Si]3C, que apresenta t1/2 de cerca de 200 segundos. O radical trifenilmetilo deve a sua estabilidade à dificuldade de dimerizar devido à presença de três grupos volumosos em torno do carbono radicalar (a deslocalização electrónica é baixa porque os grupos fenilo não se encontram no mesmo plano devido ao seu tamanho). Em vez de dimerizar, prefere atacar um dos aneis de outro radical:


radicais livres figura 2.png


Os radicais podem ser carregados electricamente (iões-radicais) como os aniões-radicais derivados do naftaleno e do tetracianoquinonadimetano (TCNQ) e o catião-radical do sal de Weitz:


radicais livres figura 3.jpg


Os radicais podem reagir por:


a) Combinação:

CH3 + CH3 \longrightarrow CH3-CH3 (dimerização)

CH3CH2 + CH3CH2 \longrightarrow CH3-CH3 + CH2=CH2 (dismutação)


b) Remoção de átomos

CH3 + CH3-CH3 \longrightarrow CH4 + CH3-CH2

CH3 + CH3-CH2Cl \longrightarrow CH3Cl + CH3-CH2


c) Adição a ligações múltiplas:

CCl3 + CH2=CH-CH3 \longrightarrow CCl3-CH2-CH-CH3


d) Fragmentação:

(CH3)3C-O \longrightarrow CH3-CO-CH3 + CH3


e) Abertura de aneis:

radicais livres figura 4.png


f) Substituição aromática:

radicais livres figura 5.png


As mais importantes aplicações industriais das reacções de radicais livres são a polimerização por adição (75% dos polímeros), a cloração fotoquímica, as oxidações por oxigénio atmosférico (corantes, fenol, ácido adípico) e a combustão de hidrocarbonetos (obtenção de energia). Actualmente, descobriu-se que os radicais livres desempenham papeis muito importantes em Biologia e Medicina.




Criada em 21 de Agosto de 2010
Revista em 21 de Agosto de 2010
Aceite pelo editor em 13 de Setembro de 2010