Artrópodes

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Referência : Santos, M., Silva, R.A., Antunes, A.C., (2018) Artrópodes, Rev. Ciência Elem., V6(2):042
Autor: Miguel Santos, Rubim Almeida e Sara C. Antunes
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [http://doi.org/10.24927/rce2018.042]
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Artrópodes (Arthropoda, do grego arthro = articulado + podos = pés) são o grupo taxonómico mais diversificado, com distribuição por quase todo o globo e ocupando todos os habitats. São organismos invertebrados com exosqueleto rígido, apresentando apêndices articulados (patas, antenas) e de número diferenciado de acordo com o subfilo a que pertencem.


Os artrópodes, constituem um dos mais diversos grupos de organismos do planeta[1], compreendendo espécies que variam de 0,085 mm (Tantalacus dieteri, um crustáceo parasita) até 3,8 m (envergadura do Caranguejo-aranha-gigante). Os organismos pertencentes a este grupo encontram-se praticamente em todos os tipos de habitat[2]. A razão do sucesso evolutivo deste grupo taxonómico deve-se a um conjunto de caraterísticas únicas: i) possuírem um exosqueleto proteico-quitinoso flexível, leve e resistente que protege contra a desidratação; ii) segmentação do corpo e a presença de apêndices articulados especializados; iii) órgãos sensoriais bem desenvolvidos (antenas, sedas sensoriais, olhos compostos, olhos pedunculados, ocelos, quimiorrecetores nas antenas); iv) metamorfose com diferentes estádios de desenvolvimento, incluindo estádios larvares, que podem ter um modo de vida completamente diferente do adulto permitindo um aproveitamento de outros recursos (alimento e espaço), reduzindo a competição entre indivíduos da mesma espécie; v) padrões comportamentais complexos, revelando por vezes organização comunitária; e vi) sistema respiratório diverso, nomeadamente o sistema traqueal, onde o ar entra em contacto direto com os tecidos devido a um eficiente sistema de tubos (traqueias), com orifícios na superfície do tegumento (espiráculos). No entanto, a origem e a taxonomia deste grupo ainda constituem um tema de investigação e debate[3]. Mesmo, apesar dos avanços em áreas como a biologia molecular, que fornece importantes conhecimentos sobre as complexas relações evolutivas destes organismos, muito ainda há por descobrir. Os artrópodes são um grupo extremamente importante nos ecossistemas terrestres devido não só à sua enorme abundância e diversidade, mas também ao grande número de funções que desempenham nestes ecossistemas (ex: degradação da matéria orgânica, arejamento do solo, ciclagem de nutrientes)[4]. O filo Arthropoda está atualmente subdividido em cinco subfilos: Trilobitomorpha, Crustacea, Myriapoda, Chelicerata e Hexapoda[5].


O subfilo Trilobitomorpha (trilobites e os seus parentes) compreende cerca de 20 000 espécies que viviam exclusivamente em ambientes marinhos e que atualmente se encontram todas extintas. Contudo, a sua vasta distribuição geográfica e o exosqueleto de carbonato de cálcio permitiram que este grupo apresente um extenso registo fóssil observável por todo o planeta.

Crustacea, inclui caranguejos, camarões e lagostas, contendo mais de 60 000 espécies e com um extenso registo fóssil em todo o mundo, é um dos principais grupos de artrópodes. A maioria dos crustáceos vive em ambientes marinhos, mas existem várias espécies que podem ser encontradas em ecossistemas de água doce (ordem Cladocera e sub-classe Copepoda) e em ambientes terrestres (ordem Isopoda; FIGURA 1). Apesar da grande maioria dos crustáceos serem de vida livre, existem vários grupos parasitas (ex: Rhizocephala – crustáceos cirrípedes parasitas de caranguejos e camarões, Argulidae – crustáceos parasitas de peixes; e Pentastomida – vermes língua que parasitam o sistema respiratório de vertebrados). Numa perspetiva diferente e de interesse económico este grupo apresenta ainda um valor acrescido já que alguns crustáceos decápodes, como lagostas e camarões, são intensivamente consumidos em todo o mundo. Para além da sua importância económica, este grupo de organismos é bastante utilizado em investigação científica, nomeadamente em ecotoxicologia na avaliação do efeito de contaminantes no solo[6].


FIGURA 1. Exemplares de organismos da ordem Isopoda (bicho-da-conta). 1 – família Armadillidae; 2 – família Porcellionidae, em a - vista dorsal e em b - vista ventral.

O subfilo Myriapoda, inclui as centopeias e os milípedes, contém mais de 11 000 espécies descritas[7]. Este subfilo é tradicionalmente dividido em quatro classes: Chilopoda (centopeias) (Figura 2), Diplopoda (milípedes), Pauropoda (“poucos pés”) e Symphyla (pseudocentopeias). Todos os miriápodes conhecidos são terrestres e o seu tamanho varia desde alguns milímetros a cerca de 38 centímetros (Millipede Gigante Africano)[8].


FIGURA 2. Vista dorsal a - e ventral b - de um organismo pertencente à classe Chilopoda, onde se pode observar o corpo segmentado e apenas com um par de patas por segmento.

O subfilo Chelicerata (aranhas, aranhas do mar, escorpiões e ácaros) contém mais de 113 000 espécies distribuídas em duas classes principais[9]: Pycnogonida (aranhas do mar) e Arachnida (aranhas, escorpiões e ácaros). Pycnogonida, o grupo das aranhas do mar, contém mais de 1 300 espécies descritas, mas estudos detalhados sobre esses animais e as suas relações evolutivas ainda são escassos[10]. Estes organismos geralmente têm seis ou oito olhos e quatro a seis pares de patas. A classe Arachnida compreende os organismos mais conhecidos do subfilo Chelicerata, como aranhas, escorpiões e ácaros. Os indivíduos pertencentes a este grupo não possuem antenas, têm quatro pares de patas, um par de quelíceras (1º par de apêndices do prossoma/cabeça) e pedipalpos (2º par de apêndices do prossoma/cabeça)[11]. As aranhas (ordem Araneae) (Figura 3) são provavelmente o grupo mais icónico e bem estudado deste subfilo, presentes na maioria dos ambientes terrestres e constituindo um dos grupos mais importantes de artrópodes do solo. Outros organismos colocados na mesma classe, como escorpiões, ácaros ou opiliões também constituem grupos extremamente variados com importantes funções ecológicas (ex: decomposição de matéria orgânica e controlo de organismos, principalmente através de predação).


FIGURA 3. Vista dorsal a - e ventral b - de um exemplar da ordem Araneae (família Gnaphosidae), sendo possível observar o corpo dividido em cefalotórax e abdómen, os quatro pares de patas, as quelíceras (q) e os pedipalpos (p).

O subfilo Hexapoda (Hexa (seis) e Poda (pé)), engloba os insetos e os seus parentes, compreende o grupo mais diverso e abundante de organismos com mais de 1 milhão de espécies conhecidas[12]. Este subfilo é frequentemente dividido em organismos da classe Insecta (Figura 4) e da classe Entognatha. Esta última inclui os colêmbolos (ordem Collembola) (Figura 5), cabeças de cone e bichos de prata (ordem Protura) e cerdas de duas pontas (ordem Diplura). Na classe Entognatha, as partes bucais dos organismos estão retraídas dentro das suas cabeças, contrariamente ao que se observa na classe Insecta, que são ectognantes[13]. Os colêmbolos constituem um dos grupos mais abundantes de artrópodes do solo, podendo ser encontrados mais de 100 000 indivíduos num metro quadrado. Estes são organismos cosmopolitas, com mais de 8 000 espécies descritas. Os colêmbolos são pequenos organismos, com tamanho geralmente inferior a 6-8 mm, de forma cilíndrica ou globular, apresentando olhos simples e antenas moniliformes. Muitas espécies possuem um apêndice bifurcado (fúrcula) no final do abdómen, permitindo que estes organismos saltem quando ameaçados (Figura 5). Os colêmbolos têm sido amplamente utilizados em estudos ecotoxicológicos na avaliação da qualidade do solo e da saúde destes ecossistemas[14].


FIGURA 4.Vista dorsal a - e ventral b - de exemplares de algumas ordens da classe Insecta.


FIGURA 5. Vista lateral de exemplares da ordem Collembola.

A classe Insecta é a classe com maior número de organismos, compreendendo mais de metade das espécies eucarióticas descritas atualmente, englobando mais de 1 milhão de espécies que habitam praticamente todos os ecossistemas. Os insetos sendo o grupo mais diversificado de seres vivos apresentam as mais variadas e interessantes adaptações anatómicas e morfológicas[15]. Pensa-se que a sua enorme riqueza e abundância é devida a uma combinação de caraterísticas vantajosas, como a coevolução com plantas, a miniaturização e a capacidade de voo. Os insetos desempenham ainda um papel importantíssimo no funcionamento dos ecossistemas[16], realizando funções quer de predadores quer de presa, estando envolvidos em inúmeras teias alimentares (ex: reciclando nutrientes, fazendo a manutenção da estrutura e fertilização dos solos). Destaca-se também o facto de vários insetos voadores, como abelhas ou borboletas, atuarem como polinizadores de muitas espécies de plantas. Esta é uma função ecológica importante com várias repercussões económicas, porque mais de 30% das culturas alimentares mundiais dependem da polinização. Os insetos possuem ainda um papel importante em investigação científica, sendo muitas vezes utilizados como organismo modelo dado possuírem caraterísticas distintas como o seu tamanho reduzido, tempos de geração curtos e elevada fecundidade. O exemplo de excelência é a mosca da fruta, Drosophila melanogaster, cujo genoma é já conhecido na totalidade, sendo esta espécie utilizada frequentemente para estudar vários processos celulares (ex: o envelhecimento, a hereditariedade e o desenvolvimento embrionário)[17]. Apesar de constituírem um grupo tão interessante, benéfico e necessário à manutenção do equilíbrio dos ecossistemas, existem algumas desvantagens associadas aos insetos, como é o caso de serem vetores na transmissão de doenças. É o caso da malária transmitida por um mosquito do género Anopheles, a doença parasitária mais disseminada, com vários milhões de humanos infetados em todo o mundo[18]. O dengue e o zika são doenças em que o vetor de transmissão é também um mosquito do género Aedes. Na agricultura, as pragas de insetos (ex: gorgulhos, gafanhotos, afídios) são responsáveis por prejudicar as culturas agrícolas e a produção de alimentos causando perdas económicas elevadas[19].

Sabe-se que atualmente a perda de habitat e as mudanças climáticas são alguns dos fatores responsáveis por declínios significativos nas populações deste grupo de organismos. Esse declínio apresenta uma elevada preocupação ecológica uma vez que estes organismos desempenham múltiplas e importantes funções nos ecossistemas. No entanto, a conservação deste grupo animal permanece um grande e urgente desafio que é preciso enfrentar.

Referências

  1. BRUSCA, R. C. & BRUSCA, G. J., Invertebrates. Sunderland, Massachusetts: Sinauer Associates. 936 pp, 1990.
  2. CHINERY, M., Collins guide to the insects of Britain and western Europe. Collins. 320 pp, 1986.
  3. ØDEGAARD, F., How many species of arthropods? Erwin’s estimate revised. Biol. Journ. of the Linn. Soc.71(4). 583–597, 2000.
  4. YI, Z. et al., A comparison of terrestrial arthropod sampling methods. Journ. of Resour. and Ecol. 3(2). 174-182, 2012.
  5. ZHANG, Z.Q., Phylum Arthropoda von Siebold, 1848. In. Zhang, Z.Q. (Ed.) Animal biodiversity: An outline of higher-level classification and survey of taxonomic richness. Zoot. 3148. 99–103, 2011.
  6. DROBNE, D., Terrestrial isopods — A good choice for toxicity testing of pollutants in the terrestrial environment. Environ. Toxicol. and Chem., 16(6). 1159-1164, 1997.
  7. ZHANG, Z.Q., Phylum Arthropoda von Siebold, 1848. In. Zhang, Z.Q. (Ed.) Animal biodiversity: An outline of higher-level classification and survey of taxonomic richness. Zoot. 3148. 99–103, 2011.
  8. BRUSCA, R. C. & BRUSCA, G. J., Invertebrates. Sunderland, Massachusetts: Sinauer Associates. 936 pp, 1990.
  9. ZHANG, Z.Q., Phylum Arthropoda von Siebold, 1848. In. Zhang, Z.Q. (Ed.) Animal biodiversity: An outline of higher-level classification and survey of taxonomic richness. Zoot. 3148. 99–103, 2011.
  10. ARANGO, C. P. & WHEELER, W. C., Phylogeny of the sea spiders (Arthropoda, Pycnogonida) based on direct optimization of six loci and morphology., Clad., 23(3). 255-293, 2007.
  11. BRUSCA, R. C. & BRUSCA, G. J., Invertebrates. Sunderland, Massachusetts: Sinauer Associates. 936 pp, 1990.
  12. ZHANG, Z.Q., Phylum Arthropoda von Siebold, 1848. In. Zhang, Z.Q. (Ed.) Animal biodiversity: An outline of higher-level classification and survey of taxonomic richness. Zoot. 3148. 99–103, 2011.
  13. GRIMALDI, D. & ENGEL, M. S., Evolution of the Insects., Cambridge University Press, 772 pp, 2005.
  14. HOPKIN, S.P., Biology of the Springtails (Insecta: Collembola). Oxford University Press, Oxford, U.K. 340 pp. 1997.
  15. CHINERY, M., Collins guide to the insects of Britain and western Europe. Collins. 320 pp, 1986.
  16. BRUSCA, R. C. & BRUSCA, G. J., Invertebrates. Sunderland, Massachusetts: Sinauer Associates. 936 pp, 1990.
  17. JENNINGS, B.H., Drosophila - a versatile model in biology & medicine. Mater Today 14. 190–195, 2011.
  18. CAMERON, M. M. & LORENZ, L. M., Biological and environmental control of disease vectors. CABI. 218 pp, 2013.
  19. CABALLERO, B. et al., Encyclopedia of Food and Health. Academic Press. Ed. 1. 4006 pp., 2015.




Recursos relacionados disponíveis na Casa das Ciências:

  1. O Desenvolvimento dos Invertebrados em Imagens;
  2. Embriogénese: processo esquizocélico de formação do celoma;




Criada em 19 de Fevereiro de 2018
Revista em 13 de Abril de 2018
Aceite pelo editor em 18 de Junho de 2018