Dinâmica de metapopulações em regiões áridas

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Referência : Naia, M., Brito, J. C., (2020) Dinâmica de metapopulações em regiões áridas, Rev. Ciência Elem., V8(4):059
Autor: Marisa Naia e José C. Brito
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2020.059]
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Resumo

A fragmentação dos habitats naturais e as alterações climáticas promovem o isolamento populacional e um aumento do risco de extinção, estando por isso entre os principais fatores responsáveis pela perda de biodiversidade. A conectividade da paisagem assegura a dispersão de indivíduos e o fluxo génico, mitigando os efeitos negativos promovidos pela fragmentação e assegurando a dinâmica e a respetiva persistência de metapopulações. As montanhas da Mauritânia contêm lagoas que funcionam como refúgios climáticos para espécies aquáticas. Durante a estação seca, os rios que interligam essas lagoas interrompem-se e impossibilitam o movimento de indivíduos, mas durante a estação das chuvas, quando a disponibilidade de água aumenta, movimentos de dispersão inter-lagoas garantem o fluxo génico e a subsistência das espécies. Esta dinâmica metapopulacional permite mitigar os efeitos negativos do isolamento populacional e garantir a sobrevivência de espécies aquáticas em regiões áridas.


A fragmentação dos habitats naturais é um dos principais fatores que conduz à perda de biodiversidade[1], criando uma matriz de pequenas manchas de habitat isolados onde as populações persistem[2]. Este isolamento contribui para a diminuição do fluxo génico (migração de genes entre populações), o que leva à diminuição da viabilidade das populações através do aumento da consanguinidade, da redução da diversidade genética e da capacidade de adaptação dos indivíduos (FIGURA 1)[3]. As alterações climáticas amplificam estes efeitos porque criam condições ambientais que podem estar para além da tolerância fisiológica das espécies, com consequências negativas, por exemplo na sobrevivência ou no sucesso reprodutor[4]. Por isso, tanto a fragmentação dos habitats como as alterações climáticas levam ao declínio das populações e à extinção de espécies quando estas são incapazes de se adaptarem às novas condições ou têm uma baixa capacidade de dispersão[5].


FIGURA 1. Esquema simplificado dos diferentes efeitos da fragmentação dos habitats naturais nas espécies e populações, os quais conduzem a um aumento do risco de extinção. A conectividade da paisagem como uma medida para mitigar os efeitos negativos da perda do habitat está representada pela seta verde.

A conectividade da paisagem facilita o movimento de indivíduos entre diferentes locais[6]. Por um lado, a conectividade estrutural foca-se na configuração espacial da paisagem, avaliando a continuidade física do habitat, tais como corredores, sem considerar os aspetos biológicos da paisagem[7]. Por outro lado, a conectividade funcional considera o comportamento das espécies perante a paisagem, avaliando a capacidade de dispersão dos indivíduos e estimando quais os corredores utilizados entre habitats isolados[8]. Uma rede coesa de corredores que interliguem habitats adequados à persistência através de zonas desfavoráveis permite tanto os movimentos de indivíduos entre as diferentes populações isoladas como facilita a potencial colonização de novos habitats, permitindo assim a dinâmica de metapopulações. Esta dinâmica resulta do equilíbrio entre extinção e colonização de populações, o qual é mantido através do movimento de indivíduos entre populações[9]. A migração conduz a um aumento periódico na entrada de novos genes de populações adjacentes, o que contribui para o aumento da variabilidade genética e do potencial de adaptação a alterações ambientais, diminuindo assim o risco de extinção (FIGURA 1)[10].

Em ecossistemas aquáticos, a conectividade é essencialmente assegurada através da rede hidrográfica. As espécies aquáticas movem-se na paisagem através dos rios, de forma ativa ou passiva, colonizando novos habitats favoráveis e alcançando novas populações, sendo responsáveis pela dinâmica metapopulacional[11]. A conectividade hidrológica da paisagem é particularmente importante em regiões áridas, onde a disponibilidade de água nos rios é fortemente sazonal[12]. Consequentemente, a dispersão está restrita à época das chuvas, quando a rede hidrográfica está conectada. No entanto, a disponibilidade da água pode igualmente flutuar anualmente devido às oscilações climáticas, resultando em períodos de seca que impossibilitam a dispersão através dos rios. Estes fenómenos são particularmente evidentes no Sael, uma ecoregião que se estende por 3 000 000 km2 entre o Deserto do Saara a norte e as savanas sub-húmidas a sul[13]. Esta região experienciou fortes oscilações climáticas desde o Pleistoceno, as quais modificaram os habitats existentes[14]. No último período húmido (há cerca de 4000 anos), prados e mega-lagos cobriam grande parte do atual Sael, mas estes contraíram- se à medida que a precipitação diminuiu e a região aridificou[15]. Estas oscilações climáticas e as mudanças no coberto vegetal tiveram consequências na distribuição das espécies, contribuindo para o isolamento de populações e, por vezes, para a diversificação de novas formas[16]. Atualmente, espécies adaptadas a ecossistemas aquáticos persistem em refúgios climáticos, habitats isolados que reúnem as condições favoráveis para a sobrevivência das espécies, muitas vezes retendo água durante todo o ano[17]. Estes frágeis sistemas são fortemente vulneráveis às alterações climáticas. A diminuição acentuada na precipitação prevista para o Sael poderá afetar a viabilidade de várias populações[18].

As montanhas da Mauritânia atuaram como refúgio durante os ciclos climáticos passados, mantendo populações isoladas de espécies aquáticas numa região essencialmente árida[19]. Nestas montanhas encontram-se lagoas (conhecidas localmente como gueltas) com elevada riqueza biológica, concentrando espécies endémicas e ameaçadas, categorizando- se como hotspots locais de biodiversidade (FIGURA 2 A))[20]. Muitos gueltas retêm água durante a época seca, permitindo a persistência de espécies aquáticas durante todo o ano. É o caso do crocodilo-do-deserto (Crocodylus suchus), o qual persiste nos gueltas quando os rios e as zonas húmidas envolventes secam (FIGURA 2 B))[21].


FIGURA 2. Refúgios climáticos na Mauritânia. A) guelta Tartêga na montanha do Tagant. B) Crocodilo-do-deserto (Crocodylus suchus) no guelta Tartêga.

Para esta e muitas outras espécies aquáticas, a conectividade entre gueltas é crucial para manter a dinâmica metapopulacional local e a respetiva viabilidade das populações. Durante a época das chuvas, os gueltas anteriormente isolados ficam conectados através da rede hidrográfica que se forma com o reaparecimento dos rios sazonais[22]. Desta forma, os crocodilos podem dispersar entre gueltas durante a época das chuvas e garantir o fluxo génico entre as diferentes populações, maioritariamente isoladas nas lagoas (FIGURA 3)[23].


FIGURA 3. Esquema simplificado de um sistema de metapopulacional nas lagoas montanhosas da Mauritânia. A migração de indivíduos é representada pelas setas, a qual tem por norma o sentido montante para jusante.

Ao longo de várias gerações, alguns indivíduos conseguem atingir o rio Senegal, o único rio permanente na Mauritânia, garantindo a sobrevivência das populações a jusante[24]. Assim, as populações montanhosas funcionam como fonte de novos genes, à medida que os indivíduos dispersam entre gueltas ao longo da rede hidrográfica. Consequentemente, a dispersão atenua os efeitos do isolamento populacional, contribuindo para a manutenção da diversidade genética local e da capacidade de adaptação às alterações climáticas, diminuindo assim o risco de extinção local[25], [26]. Tal como no caso dos crocodilos, diversas espécies de anfíbios e peixes[27] mantêm sistemas metapopulacionais nas diferentes montanhas, dependentes da conectividade hidrográfica para a persistência. Estes locais são também importantes pontos de paragem durante a migração de algumas espécies de aves, como no caso da cegonha-preta (Ciconia nigra)[28].

A biodiversidade presente nos refúgios climáticos em zonas áridas enfrenta diversas ameaças que colocam em causa a viabilidade das populações encontrada nestes locais. O aumento da intensidade e frequência de fenómenos extremos relacionados com as alterações climáticas, bem como o aumento das atividades humanas, ameaçam a persistência de muitas espécies[29]. Por isso, a proteção destes locais e dos corredores que asseguram a conectividade entre populações isoladas é essencial para garantir a sobrevivência destas populações e reduzir a vulnerabilidade às alterações climáticas[30].

Referências

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Criada em 1 de Junho de 2020
Revista em 8 de Setembro de 2020
Aceite pelo editor em 15 de Dezembro de 2020