Batata-doce

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Referência : Lima, M. A. A., Ferreira, M. E., Sánchez, C., (2023) Batata-doce, Rev. Ciência Elem., V11(3):018
Autoras: Maria Alexandra Abreu Lima, Maria Elvira Ferreira e Claudia Sánchez
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2023.018]
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Resumo

A batata-doce, originária da América Central e do Sul, constitui, desde há milénios, parte da dieta alimentar dos seres humanos. A nível nacional, a procura de batata-doce tem vindo a aumentar, pois o consumidor valoriza as suas características organoléticas e nutricionais, ao que a produção tem correspondido, tendo em conta as condições edafoclimáticas favoráveis à cultura. Neste artigo referem-se alguns dados sobre a cultura desta espécie e o seu interesse alimentar.



De nome científico Ipomoea batatas (L.) Lam., a batata-doce é uma espécie dicotiledónea da Família das Convolvuláceas. A planta (FIGURA 1) tem um caule herbáceo, cilíndrico, predominantemente prostrado, com ramificações de tamanho, cor e pilosidade variáveis; folhas simples, com formato, recorte e cor variáveis e pecíolo longo.


FIGURA 1. Planta de batata-doce.

As raízes são de dois tipos: absorventes e de reserva (FIGURA 2). As raízes absorventes são abundantes e altamente ramificadas e as de reserva ou tuberosas podem ser redondas, oblongas, fusiformes ou alongadas[1]. As raízes têm crescimento secundário e a pele (casca) é uma periderme produzida através de um outro meristema secundário — felogénio.

Nas raízes tuberosas, a cor da periderme varia de branco a roxo e a do parênquima de reserva (ou polpa) pode ser branca, amarela, laranja ou roxa (FIGURA 3).


FIGURA 2. Raízes de batata-doce. 1 — Reserva ou tuberosas. 2 — Absorventes.


FIGURA 3. Raízes de batata-doce, de diferentes cultivares, com formas e cores da periderme e do parênquima de reserva variadas.

Embora algumas populações usem as folhas para a alimentação, são as raízes de reserva que têm maior interesse para a alimentação e que se comercializam[2].


Cultura de grande consumo a nível mundial.

A batata-doce, que se pensa ser originária da América Central e do Sul[3], constitui, desde há milénios, parte da dieta alimentar dos seres humanos, havendo vestígios desta planta em cavernas peruanas que remontam há 10000 anos[4]. A batata-doce terá sido trazida pela primeira vez para a Europa por Cristóvão Colombo, após a sua primeira viagem ao Novo Mundo[5]. A sua posterior dispersão para outros continentes (África e Ásia) decorreu através de viagens de exploradores portugueses e espanhóis[6].

A nível mundial, a cultura da batata-doce tem grande expressão e importância alimentar, com uma produção estimada, em 2020, de cerca de 90 milhões de toneladas[7]. É uma cultura de climas temperados, com 70% da sua área de cultivo entre as latitudes 20 a 40 graus Norte[8]. Os 10 maiores países produtores mundiais são: China, Malawi, Nigéria, Tanzânia, Uganda, Indonésia, Etiópia, Angola, Estados Unidos da América e, por último, o Vietname. Quando comparada com outras zonas do globo, a produção de batata-doce no continente europeu, é reduzida, embora exista uma tendência para um aumento da área de cultura. Os principais países produtores são Espanha, Portugal, Itália e Grécia[9].

A cultura da batata-doce tem vindo a despertar um interesse renovado, nomeadamente em projetos de segurança alimentar e adaptação às alterações climáticas. Para as comunidades insulares do Pacífico, expostas a eventos climáticos extremos, a batata-doce, sendo uma cultura resiliente e de rápido crescimento, garante que as pessoas tenham acesso a alimento antes, durante e depois de desastres causados por alterações climáticas[10].

Para além deste aspeto, em termos de segurança alimentar, refiram-se os projetos que o Centro Internacional da Batata (CIP) e instituições parceiras têm vindo a desenvolver, em África e na Ásia. Estes projetos visam obter novas variedades de batata-doce de polpa alaranjada, biofortificadas, ricas em pró-vitamina A, através de melhoramento convencional[11]. Em 2016, cientistas do CIP receberam o Prémio Mundial da Alimentação como reconhecimento do seu papel no uso de culturas biofortificadas, para melhorar os resultados nutricionais em populações com graves problemas de deficiência de vitamina A[12].


A cultura da batata-doce em Portugal.

A cultura tem tradição no Continente e nos arquipélagos dos Açores e Madeira, com uma área estimada de 1500 ha, em 2020[13].

Em Portugal Continental, a área de produção distribui-se pelo Ribatejo, Estremadura, Alentejo Litoral e Algarve. Nas regiões de Aveiro / Vagos, Oeste e Comporta, pelas condições edafoclimáticas favoráveis e pelo mercado em expansão, é uma cultura emergente[14].

A Batata-doce de Aljezur[15] é uma Identificação Geográfica Protegida (IGP), que desde 2009 representa uma mais-valia para o produtor e para o consumidor da cultivar Lira, com forte tradição local, excelente qualidade, polpa amarela e grande poder de conservação. Esta IGP tem produção circunscrita ao concelho de Aljezur e a cinco freguesias do concelho de Odemira (FIGURA 4).


FIGURA 4. A) Área geográfica da IGP Batata-doce de Aljezur. B) Campo de produção de batata-doce Lira.

No arquipélago da Madeira, embora os registos históricos indiquem que a batata-doce foi introduzida no século XVII, vários investigadores acreditam que a sua produção nas ilhas da Madeira e Porto Santo, ter-se-á iniciado ainda durante o século XVI[16]. A introdução da cultura a partir de várias proveniências geográficas e a sua perfeita adaptação às diferentes condições agroecológicas das ilhas e às práticas culturais implementadas pelos agricultores madeirenses, conduziu ao desenvolvimento e à preservação de uma grande diversidade de acessos que estão conservadas ex situ no Banco de Germoplasma da Madeira ISOPlexis / Germobanco[17]. Neste arquipélago, entre outras formas cultivadas de variedades, estão descritas as seguintes: Amarela, Brasileira, 5 Bicos, Inglesa, Cabeira e Cabreira Branca do Porto Santo[18].

As raízes tuberosas das diferentes variedades tradicionais de batata-doce da Madeira, possuem características morfológicas próprias (como o formato e a coloração da periderme e da polpa) que as distinguem, sendo-lhes atribuída valorização comercial diversa, sobretudo em função das suas propriedades nutricionais e organoléticas específicas[19].

A cultura da batata-doce no arquipélago dos Açores terá sido introduzida desde o princípio do seu povoamento, sendo designada como batata-da-ilha[20]. O seu cultivo terá ocorrido desde o século XVI em São Miguel e na Terceira, e ter-se-á expandido para as ilhas das Flores e Corvo, na segunda metade de 1800[21]. No Arquipélago dos Açores, apesar de não existir uma inventariação e identificação das cultivares de batata-doce produzidas na região, decorrem estudos sobre algumas delas, tendo sido avaliadas, em 2020, as cultivares Pai, Estrela e Abóbora[22].


Composição nutricional da batata-doce e benefícios do seu consumo.

A batata-doce, além de ser uma ótima escolha para uma alimentação saborosa e saudável, é um alimento muito versátil, já que pode ser consumida assada, cozida, frita, em puré ou em outras utilizações. É usada como acompanhamento em pratos de carne ou peixe (cozida ou assada) e como sobremesa (base de recheio de doces e pastéis).

A raiz da batata-doce é um alimento com um valor energético considerável, cerca 120 kcal/100 g. Possui como principal macronutriente os hidratos de carbono (28 g/100 g), dos quais cerca de 30% são açúcares e o resto amido[23]. Está praticamente isenta de gorduras e a percentagem de colesterol é nula. Apesar de a batata-doce ser um alimento pobre em proteínas (1–3 g/100 g), é muito rica em fibra alimentar (2,7 g/100 g). A sua riqueza em fibra contribui para minimizar a absorção de colesterol a nível do intestino, ajudando na prevenção de doenças cardiovasculares. Além disso, estimula o funcionamento do trânsito intestinal[24].

Quanto ao seu conteúdo em minerais, pode destacar-se o potássio em maior proporção, pelo que o consumo de batata-doce ajuda a regular a pressão arterial e os batimentos cardíacos[25]. Outros minerais presentes em quantidades relevantes são o fósforo, cálcio, sódio, magnésio, ferro e zinco[26].

Em relação à presença de vitaminas, é de destacar a riqueza da batata-doce em pró-vitamina A[27], seguida de vitamina C. Contém também quantidades significativas de vitaminas do complexo B, especialmente as B1, B2 e B6, vitamina E e ácido fólico[28].

A batata-doce possui importantes antioxidantes, que combatem os radicais livres no organismo e ajudam a bloquear determinadas gorduras[29]. A concentração destes compostos bioativos varia entre cultivares. Por exemplo, as cultivares de batata-doce de polpa branca amarelada, amarela ou laranja apresentam diferentes conteúdos em carotenoides, já as de polpa roxa, contêm um elevado teor em antocianinas[30].

Finalmente, importa ressaltar o facto de a batata-doce possuir um índice glicémico muito baixo[31]. Isto significa que os seus hidratos de carbono são de digestão lenta, o que se traduz num menor impacto no aumento da glicémia de quem a consome. Esta propriedade, somada ao elevado teor em fibra, faz da batata-doce um alimento saudável, muito aconselhado para diabéticos, desportistas e pessoas com atividade física intensa.

Referências

  1. CIP, Descriptors for Sweet Potato. 1991.
  2. FFERREIRA, M. E et al., A planta da batata-doce. In M.E. Ferreira (coord.) Batata-doce. Manual de boas práticas agrícolas, INIAV, Oeiras pp. 25-35, ISBN: 978-972-579-057-1. 2021.
  3. FERRÃO, J. E. M., A aventura das plantas e os descobrimentos portugueses. 2ª ed.- Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Fundação Berardo. 1993.
  4. UGENT, D. & PETERSON, L. W., Archaeological Remains of Potato and Sweet Potato in Peru, CIP Circular, 16, 3. 1988.
  5. FERRÃO, J. E. M., A aventura das plantas e os descobrimentos portugueses. 2ª ed.- Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Fundação Berardo. 1993.
  6. FERRÃO, J. E. M., A aventura das plantas e os descobrimentos portugueses. 2ª ed.- Lisboa: Instituto de Investigação Científica Tropical, Comissão Nacional para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, Fundação Berardo. 1993.
  7. FAOSTAT, https://www.fao.org/statistics/en. 2021.
  8. HIJMANS, R. J. et al., Global distribution of sweetpotato, CIP Program Report, pp. 323-329. 1999.
  9. HIJMANS, R. J. et al., Global distribution of sweetpotato, CIP Program Report, pp. 323-329. 1999.
  10. IESE, V. et al., Facing food security risks: The rise and rise of the sweet potato in the Pacific Islands, Global Food Security, Vol 18, 48-56. 2018.
  11. CIP, Sweetpotato Agri-Food Systems Program. 2022.
  12. CIP, Sweetpotato Agri-Food Systems Program. 2022.
  13. FERREIRA, M. E., Introdução. In M.E. Ferreira (coord.) Batata-doce. Manual de boas práticas agrícolas, INIAV, Oeiras pp. 25-35, ISBN: 978-972-579-057-1. 2021.
  14. FERREIRA, M. E., Introdução. In M.E. Ferreira (coord.) Batata-doce. Manual de boas práticas agrícolas, INIAV, Oeiras pp. 25-35, ISBN: 978-972-579-057-1. 2021.
  15. DGADR, Batata-doce de Aljezur. 2001.
  16. DGADR, Batata-doce da Madeira. 2001.
  17. DGADR, Batata-doce da Madeira. 2001.
  18. AgroMadeira. 2022.
  19. DGADR, Batata-doce da Madeira. 2001.
  20. DGADR, Batata-doce dos Açores. 2001.
  21. BRAGA, T., A propósito da batata-doce e do género Ipomoea, Correio dos Açores. 2020.
  22. LEDO, F. A., Avaliação do sistema de cultivo e armazenamento para três cultivares de batatas-doces existentes nos Açores, Dissertação de Mestrado em Engenharia Agronómica, Angra do Heroísmo: Universidade dos Açores, 104. 2019.
  23. INSA, Tabela da Composição de Alimentos (TCA). 2022.
  24. MU, T. et al., Sweet Potato Dietary Fiber (Chapter 3). In: Sweet Potato Processing Technology, Academic Press., pp. 121-181. 2017.
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  26. INSA, Tabela da Composição de Alimentos (TCA). 2022.
  27. KAYS, S. J. et al., Assessment of ?-carotene content in sweetpotato breeding lines in relation to dietary requirements, J. of Food Comp. and Analysis, 6, 336-345. 1993. DOI: 10.24927/rce2021.005.
  28. SÁNCHEZ, C. et al., Batata-doce branca, roxa ou alaranjada? Avaliação qualitativa e nutricional, Revista Vida Rural, 1847, 30-32. 2019.
  29. TEOW, C. C. et al., Antioxidant activities, phenolic and ?-carotene contents of sweet potato genotypes with varying flesh colours, Food Chemistry, 103, 829-838. 2007.
  30. FERREIRA, M. E., Introdução. In M.E. Ferreira (coord.) Batata-doce. Manual de boas práticas agrícolas, INIAV, Oeiras pp. 25-35, ISBN: 978-972-579-057-1. 2021.
  31. BAHADO-SINGH, P. S. et al., Relationship between Processing Method and the Glycemic Indices of Ten Sweet Potato (Ipomoea batatas) Cultivars Commonly Consumed in Jamaica, Journal of Nutrition and Metabolism. 2011. DOI: 10.1155/2011/584832.


Criada em 16 de Agosto de 2022
Revista em 3 de Janeiro de 2023
Aceite pelo editor em 15 de Julho de 2023