A absorção ótica observada em casa

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Referência : Filho, M. B., (2024) A absorção ótica observada em casa, Rev. Ciência Elem., V12(2):019
Autor: Milton Baptista Filho
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2024.019]
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[editar] Resumo

A transmissão, a reflexão e a absorção ótica constituem-se nas relações básicas da conservação da energia luminosa. Tipicamente, a abordagem curricular nas escolas brasileiras tanto da transmissão quanto da absorção tem menos espaço em função da priorização de outros conteúdos como a própria reflexão. Embora a Lei de Lambert-Beer-Bouguer seja um tema da física clássica, o tema ganha muito espaço em função dos desenvolvimentos da física moderna, o que faz deste tema contemporâneo e aplicado a distintas áreas das ciências naturais, em especial, nas diversas técnicas espectroscópicas. Uma abordagem experimental simples e prática pode contribuir muito para relacionar este tema diretamente ao cotidiano e será tratado ao final deste artigo.


A Lei de Lambert-Beer-Bouguer, também chamada Lei de Lambert-Beer ou mesmo Lei de Beer, trata-se de um modelo empírico que considera a incidência normal de radiação de um determinado comprimento de onda (muitas das vezes luz visível) sobre uma amostra no estado sólido, líquido ou gasoso e a percepção da quantidade de radiação que atravessa a amostra. No balanço de energia estabelecido entre reflexão, transmissão e absorção, a absorção é a parte da transmissão que fica retida em distintos processos no balanço de energia dos átomos, moléculas e iões da substância.

A absorção ótica se estabelece conforme os distintos níveis discretos de energia destas espécies de acordo com suas formas de estabelecer transições eletrônicas (no limite de radiações tão energéticas quanto a radiação ultravioleta), o movimento seja ele translacional, rotacional e vibracional (no limite desde micro-ondas, passando pela radiação infravermelha até luz visível). A absorção ótica é a característica da matéria que viabiliza a realização de várias técnicas espectroscópicas nas regiões de radiação desde microondas até ultravioleta.

Estas técnicas permitem a determinação da quantidade de substâncias presentes em amostras e assim como investigar a presença de uma determinada substância. Conforme estabelecido pela Lei da absorção, a absorção de determinado comprimento de onda a partir da intensidade inicial \(\left ( I_o \right )\), diminui de acordo três parâmetros: coeficiente molar de absorção \(\left ( \alpha \right )\) típico para este comprimento de ondas, o caminho ótico \(\left ( L \right )\) — comprimento seguido pela radiação e a concentração da amostra \(\left ( c \right )\). O coeficiente molar de absorção é característico para cada comprimento de onda para cada substância considerada:


\(I=I_oe^{-\alpha cL}\) (1)


O coeficiente molar de absorção é um parâmetro característico que permite que consideremos um termo próprio: a impressão digital (finger print) de determinada espécie química em função de seu coeficiente molar de absorção para determinado conjunto de comprimentos de onda. Um exemplo desta característica é apresentado na FIGURA 1. Por meio desta característica, fundamenta- se a seletividade plausível em relação a outras espécies que não tem necessariamente os mesmos valores de coeficiente molar de absorção da substância inicialmente considerada.

Aplicando sobre a equação (1) o logaritmo neperiano \(\left ( In \right )\), teremos a expressão:


\(-In\frac{I}{I_o}=\left ( \alpha.L \right ).c\) (2)


De forma que podemos definir a absorbância \(\left ( A \right )\) em função da concentração como:


\(A\left ( c \right )=k.c\) (3)


A absorção ótica é a base de muitas técnicas espectroscópicas, que se utilizam desta característica na identificação de substâncias e determinação de concentração. Estas técnicas se valem de fontes de luz e radiação infravermelha a partir de lâmpadas associadas a filtros, colimadores e dispersores de luz.


FIGURA 1. Espectro de absorção na região do Ultra-violeta extraído da publicação Spangenberg, 2021.

Podemos observar no espectro acima, a absorção típica nesta região do espectro para seis substâncias que no trabalho citado foram observadas.

Nas últimas cinco décadas, a evolução dos mais diversos tipos de LASERs permitiu uma revolução nestas técnicas e na sua capacidade de excitar distintos coeficientes molares de absorção, o que significou ampliar enormemente a quantidade de espécies estudadas.

Uma atividade simples, utilizando materiais domésticos, que pode ser adotada como atividade escolar é explorar uma das características da Lei da Absorção (ou Transmissão). A proposta da atividade é verificar o aumento da absorção à medida que a parte da substância com maior absorção seja apresentada em menor diluição. Uma amostra líquida de café coado foi considerada como amostra com absorção variada tanto pela água, quanto pela composição de moléculas do café. Inicialmente foi medida a luz absorvida pelo suporte vazio, um copo plástico pequeno. A amostra líquida de café coado foi diluída em água nas diluições desde 0% (água pura), 20%, 40%, 60% e 80% de café coado. Uma seringa plástica de capacidade máxima de 2,5 mL foi utilizada para realizar as diluições e as amostras medidas foram padronizadas em volumes de 2,5 mL. Por fim, a luminosidade de uma lâmpada LED (9 W, 810 Lm, 4000 K) foi utilizada como fonte e o sensor de luminosidade utilizado de um Smartphone (modelo do sensorTMD3725; resolução 1,0 Lux), conforme apresentado na FIGURA 2.


FIGURA 2. Representação simbólica do arranjo experimental.

partir das diferentes concentrações do café coado diluídos em água, considerando que a absorção típica da água pura relacionado a banda de emissão da lâmpada e que a responsividade do sensor atende melhor alguns comprimentos de onda em detrimento de outros, a seletividade ficaria estabelecida uma vez que a única variável de nosso arranjo foi a maior ou menor presença do café coado, o que fatalmente aumentou a absorção de radiação conforme podemos observar na FIGURA 3.

O aplicativo Phyphox foi utilizado para a aquisição dos dados da Iluminância. Os dados foram exportados em formato CSV (Comma Separated Values) para análise melhor detalhada dos dados obtidos. A barra de erro (visualmente muito pequena no gráfico) de cada ponto obtido ficou em geral menor que 1% do valor médio apurado.


FIGURA 3. Medidas de Iluminância realizadas através do sensor do Smartphone (pontos pretos) e o ajuste exponencial (linha na cor vermelha).

Os valores médios e suas respectivas barras de erro são apresentadas no gráfico acima. O valor do Tau \(\left ( \tau \right )\) característico de decaimento foi obtido no valor de 0,21 unidades arbitrárias. Indiretamente este valor estaria relacionado ao coeficiente de absorção óptica e ao comprimento do caminho óptico. Porém, à medida que a fonte utilizada apresenta espectro de emissão largo, consideramos apenas que houve uma absorção abrangente da radiação.

Na FIGURA 4, a Absorbância normalizada versus Fração percentual de Soluto de café coado. Na figura são apresentados os coeficientes de reta ajustada para a tendência. Levando em consideração a maior margem de erros das médias apuradas e o mínimo valor de absorção estimou-se um limite de determinação de diluição para 1,3% de soluto de café coado em água.


FIGURA 4. Gráfico da Absorbância normalizada versus Fração percentual de Soluto de café coado.

Por fim, os resultados obtidos se mostraram coerentes com a tendência esperada da lei da absorção (equações (1) e (3)). Embora o foco do experimento não tenha sido utilizar uma fonte de luz com possibilidade de controle fino de comprimentos de onda, que poderia viabilizar melhor seletividade no experimento ou mesmo a adoção de filtro óptico. A atividade proposta buscou ser viabilizada no ambiente doméstico, portanto, as opções metodológicas feitas na condução do experimento permitiram a obtenção de dados experimentais claros e condizentes com o modelo da Lei de absorção (equações (1) e (3)).

[editar] Referências

  1. BEER, A., Annalen der Physik und Chemie 2, F.bd.86. 1852.
  2. DAWSON, L. H. et al., The Absorption of Ultraviolet and Visible Light by Water, J. Opt. Soc. Am, 24, 175-177. 1934.
  3. GORDON, I. E. et al., The HITRAN2020 molecular spectroscopic database, Journal of Quantitative Spectroscopy and Radiative Transfer, 277, 107949. 2022.
  4. RIBEIRO, D., Johann Heinrich Lambert, Rev. Ciência Elem., V2(01):134. 2014.
  5. SPANGENBERG, M. et al., Ultraviolet absorption of contaminants in water, Sci Rep, 11, 3682. 2021.
  6. STAACKS, S. et al., Phys. Educ, 53, 045009. 2018.


Criada em 29 de Junho de 2022
Revista em 8 de Novembro de 2022
Aceite pelo editor em 29 de Julho de 2024