Os charcos como ferramenta de exploração pedagógica em Portugal

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Referência : Naia, M., Teixeira, J., (2023) Os charcos como ferramenta de exploração pedagógica em Portugal, Rev. Ciência Elem., V11(4):041
Autora: Marisa Naia e José Teixeira
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2023.041]
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[editar] Resumo

Os charcos desempenham importantes funções ecológicas e ambientais, e albergam uma biodiversidade notável, uma vez que muitas plantas aquáticas e animais, como anfíbios e invertebrados, estão totalmente dependentes destes habitats para sobreviver ou reproduzir-se. Dada a sua reduzida dimensão e facilidade de construção e visitação, os charcos constituem importantes medidas para aumentar a biodiversidade em meio urbano e valiosos recursos educativos, pois permitem a realização de numerosas atividades de carácter lúdico-científico e de contacto próximo com a natureza. A exploração destes habitats permite contribuir para o aumento do conhecimento e sensibilização sobre a biodiversidade e importância dos charcos, bem como motivar a comunidade escolar e toda a população para o seu uso educativo e preservação destes habitats enquanto importantes reservatórios de biodiversidade e laboratórios vivos.



Os charcos são pequenas massas de água parada ou com corrente muito baixa, que ocorrem naturalmente numa ampla variedade de ambientes terrestres, mas que também podem ser criados para diversas atividades humanas (FIGURA 1).



FIGURA 1. Diferentes tipos de charcos: A) Charco florestal. B) Charco de trufeira. C) Charco temporário de planície. D) Charco para gado. E) Charco dunar. F) Charco construído numa escola.


Este tipo de habitat pode ter um carácter permanente, retendo água durante todo um ano hidrológico, ou temporário, em que retêm água apenas durante algumas semanas ou meses[1]. O seu hidroperíodo influencia muito as suas funções ecológicas e condiciona grandemente as espécies que habitam cada charco[2]. Apesar do seu pequeno tamanho, quando comparados com rios e lagos, os charcos têm uma alta produtividade primária e elevada biodiversidade de diversos grupos de seres vivos, como algas, plantas aquáticas, invertebrados, anfíbios, répteis, aves e mamíferos[3]. Muitas destas espécies estão totalmente dependentes destas massas de água para a sua sobrevivência e reprodução, como é o caso das libélulas e dos anfíbios[4]. Os charcos albergam também muitas espécies consideradas raras e ameaças, constituindo frequentemente hotspots de biodiversidade[5]. Para além dos benefícios para a biodiversidade, os charcos representam 30 a 50% da água parada a nível global, desempenhando funções importantes além de sua escala local e regional[6]. Estes habitats fornecem importantes serviços de ecossistema, sendo considerados uma solução baseada na natureza para a resolução de alguns desafios impostos pelas mudanças antropogénicas globais. Por exemplo, os charcos intervêm na regulação dos ciclos hidrológicos, sendo responsáveis pela depuração e armazenamento de água, bem como pela recarga dos lençóis freáticos, contribuindo para minimizar o efeito de cheias. Desempenham um papel crítico no ciclo global do carbono, pois coletivamente capturam e retêm quantidades significativas de dióxido de carbono da atmosfera, ajudando a mitigar os efeitos das alterações climáticas[7]. Os charcos contribuem também no controlo de pragas agrícolas ou de insetos vetores de doenças, para além do seu valor paisagístico, científico e educativo[8], [9].

Os charcos são importantes recursos educativos e constituem modelos exemplares para a realização de numerosas atividades de carácter lúdico-científico9, pois: i) apresentam pequenas dimensões e são de fácil construção e manutenção, pelo que podem ser implementados em qualquer local, incluindo em meios urbanos e recintos escolares; ii) permitem a fácil observação e contacto próximo com numerosas espécies de fauna e flora , muitas delas com adaptações e curiosidades biológicas muito singulares; e iii) possibilitam a realização de numerosas atividades pedagógicas, enquadradas nos programas educativos de diversas disciplinas[10], [11].

A exploração pedagógica destes habitats permite contemplar uma vertente informativa geral sobre os charcos, a sua importância e a imensa diversidade biológica, contribuindo para reverter o carácter negativo muitas vezes associado a estes habitats e algumas das espécies associadas, como os anfíbios. As diversas atividades possíveis nestes habitats permitem também a professores de todos os níveis de ensino a sua utilização como modelos práticos e uma base pedagógica no contexto letivo, através de planos de aula e atividades adaptadas para exploração dos conteúdos programáticos previstos para diversas disciplinas tanto em sala de aula como no campo. Os charcos apresentam ainda uma forte vertente lúdico-pedagógica com diversas atividades e jogos de exploração didática desenvolvidos para alunos e população em geral, para que possam aprender de forma prática e divertida a importância destes habitats e da sua biodiversidade. A construção de charcos é uma excelente atividade de fortalecimento do espírito de equipa (team building), exercício físico ao ar livre e ligação emocional dos participantes com estes habitats. A facilidade de acesso aos charcos, bem como de observação de diferentes formas de vida, permite promover o contacto próximo com a vida selvagem e explorar de forma lúdica a diversidade de seres vivos existentes nestes habitats e a importância da sua conservação. Algumas atividades emblemáticas que se podem desenvolver nestes habitats incluem a identificação de diferentes grupos de flora e fauna e a monitorização da sua evolução ecológica, bem como a observação da vida microscópica e seguimento de diferentes ciclos de vida. Estas atividades permitem a criação de dinâmicas de aprendizagens e troca de experiências e conhecimento entre alunos e professores, bem como do público em geral[12]. A utilização em laboratório de amostras recolhidas no charco permite por exemplo avaliar a qualidade da água, os seus parâmetros físico-químicos e desenvolver experiências laboratoriais de carácter prático sobre o impacto de poluentes sobre o zooplâncton e sementes de plantas, de forma a desenvolver o espírito científico dos alunos e outras pessoas interessadas[13]. Estes habitats são também bons modelos para a realização de estudos de ciência-cidadã ou investigação científica, por exemplo de localização e inventariação dos charcos a nível nacional, de forma a contribuir para o aumento do conhecimento destes habitats e da sua biodiversidade. Por fim, os charcos englobam uma importante vertente de conservação, através de ações práticas de proteção, manutenção ou melhoramento dos charcos, que podem ser dinamizadas ou envolver técnicos municipais, investigadores, associações não governamentais, centros de educação ambiental, escolas, proprietários, comunidade local e voluntários.

O projeto Charcos com Vida surge com o objetivo de contribuir para o conhecimento da biodiversidade e importância dos charcos, bem como sensibilizar e mobilizar a comunidade escolar e a sociedade para a exploração pedagógica e preservação destes habitats (FIGURA 2).


Cartaz e logotipo oficial do projeto Charcos com Vida. Representação de um charco natural e respetiva biodiversidade. (Ilustração: Marcos Oliveira e Design: Maria Inês Cruz)

Este projeto é direcionado para todas as escolas nacionais do ensino básico e secundário, organizações não governamentais, câmaras municipais, particulares, entre outros, que poderão adotar um charco natural já existente ou construir um charco nas suas instalações ou simplesmente desenvolver atividades de exploração pedagógica nestes habitats. Adicionalmente, a monitorização de charcos permite a produção de conhecimento, através dos resultados de todas as atividades realizadas, gerando informação importante que pode ser compilada numa base de dados nacional, e posteriormente analisada e divulgada para a comunidade escolar, científica e público em geral.

Dadas as crescentes ameaças a estes habitats, utilizar os charcos como ferramenta pedagógica constitui uma importante forma de sensibilizar a população para a importância destas zonas húmidas, bem como contribuir para a conservação destes ecossistemas e da sua biodiversidade. Além disso, a inventariação periódica dos charcos permite ajudar a compreender e monitorizar a evolução temporal do seu estado e criar aprendizagens essenciais que promovem a aproximação da população destes habitats aquáticos e da sua biodiversidade, fomentando a sua proteção e conservação.

[editar] Referências

  1. DE MEESTER, L. D. et al., Ponds and pools as model systems in conservation biology, ecology and evolutionary biology, Aquat. Conserv: Mar, Freshw. Ecosyst., 15, 715–725. 2005.
  2. SCHRIEVER, T. A. et al., How hydroperiod and species richness affect the balance of resource flows across aquatic-terrestrial habitats, Aquat. Sci., 76, 131–143. 2014.
  3. WILLIAMS, P. et al., Comparative biodiversity of rivers, streams, ditches and ponds in an agricultural landscape in Southern England, Biol. Conserv., 115, 329-341. 2004.
  4. CÉRÉGHINO, R. et al., The ecology of European ponds: defining the characteristics of a neglected freshwater habitat, Hydrobiologia, 597, 1–6. 2008.
  5. OERTLI, B. et al., Macroinvertebrate assemblages in 25 high alpine ponds of the Swiss National Park (Cirque of Macun) and relation to environmental variables, Pond Conservation in Europe, Springer, Dordrecht, 29-41. 2007.
  6. BIGGS, J. et al., The importance of small waterbodies for biodiversity and ecosystem services: implications for policy makers, Hydrobiologia, 793, 3–39. 2017.
  7. BIGGS, J. et al., The importance of small waterbodies for biodiversity and ecosystem services: implications for policy makers, Hydrobiologia, 793, 3–39. 2017.
  8. MIRACLE, R. et al., Preface: conservation of European ponds-current knowledge and future needs, Limnetica, 29, 1-8. 2010.
  9. CÉRÉGHINO, R. et al., The ecological role of ponds in a changing world, Hydrobiologia, 723, 1–6. 2014.
  10. SOUSA, E. et al., Can Environmental Education Actions Change Public Attitudes? An Example Using the Pond Habitat and Associated Biodiversity, Plos One, 1, e0154440. 2016.
  11. SIMMONS, D., Using Natural Settings for Environmental Education: Perceived Benefits and Barriers, J. Environ. Educ., 29, 23-31. 1998.
  12. COUTO, A. P. et al., Lousada Charcos: uma rede municipal para a biodiversidade aquática, Lucanus - Ambient. Soc., 3, 36-53. 2020.
  13. SOUSA, E. et al., Can Environmental Education Actions Change Public Attitudes? An Example Using the Pond Habitat and Associated Biodiversity, Plos One, 1, e0154440. 2016.


Criada em 30 de Novembro de 2022
Revista em 4 de Maio de 2023
Aceite pelo editor em 15 de Dezembro de 2023