Águas minerais engarrafadas

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Referência : Gomes, C. S. F., (2023) Águas minerais engarrafadas,, Rev. Ciência Elem., V11(3):004
Autores: Celso de Sousa Figueiredo Gomes
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2023.004]
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[editar] Resumo

As águas minerais são distintas da água pura, quimicamente apenas constituída por oxigénio e hidrogénio, porque, para além destes dois elementos químicos fundamentais, elas contêm muitos outros elementos e compostos químicos adquiridos por dissolução química dos minerais das rochas, sedimentos e solos, materiais geológicos através dos quais elas circulam.


A circulação da água na superfície e no interior do planeta Terra está bem expressa no chamado Ciclo ou Circuito Hidrológico, representado de modo esquemático na FIGURA 1. Neste ciclo a água passa da terra para a atmosfera, por efeito da evaporação e da respiração e transpiração de plantas e animais, e da atmosfera volta para terra, por efeito da precipitação sob a forma de chuva, neve e granizo. O Ciclo da Água é comandado pela energia solar e pela gravidade. Estima- se que cerca de 435 km3/ano de água se evaporem dos oceanos, e que da água evaporada a chuva faça retornar diretamente aos oceanos cerca de 390 000 km3/ano.


FIGURA 1. Representação esquemática do Ciclo Hidrológico.

Cerca de 45000 m3/ano são transferidos pelo vento como vapor de água dos oceanos para os continentes, valor que representa o valor total de água renovável, e expressa a diferença líquida entre a evapotranspiração continental (65000 km3/ano) e a precipitação (110 000 km3/ano), acabam por fluir através dos rios e aquíferos subterrâneos para os mares e oceanos. E, só cerca de 10% do valor referido, isto é, 4500 m3/ano, faz a recarga dos aquíferos subterrâneos. Naturalmente, o ritmo de extração de água destes aquíferos deve ter em conta a velocidade de recarga dos mesmos para evitar o esgotamento. Se do volume total de água renovável e disponível fosse dividido igualitariamente por todos os habitantes da Terra cerca de 6000 m3 caberiam a cada um, valor que é 10 vezes superior ao atual consumo per capita.

O Ciclo Hidrológico compreende três subciclos: direto, inverso e magmático: 1 — No subciclo direto, a água, após ser evaporada e condensada na atmosfera, precipita sob a forma de chuva ou neve, infiltra-se nos terrenos ou escoa-se pela superfície, emerge em nascentes e termina desaguando nos oceanos, mares e lagos de onde proveio; 2 — No subciclo inverso, a água existente nos oceanos, mares e lagos, infiltra-se através de fraturas e poros das rochas seus substratos, desce, aquece por efeito geotérmico, ascende e emerge em nascentes, volta a escoar, e termina nos locais de origem; 3 — No subciclo magmático, a água resultante da destilação do magma, ascende através de fraturas, emerge à superfície pela qual se escoa e acaba alimentando rios, mares e oceanos. Importa referir que o total de água na Terra permanece constante.

Entre as águas minerais que o homem utiliza para beber e para outros fins relacionados com a saúde merecem particular distinção as chamadas águas minerais naturais e águas de nascente pela singularidade de manterem a sua pureza original e não serem submetidas a quaisquer tratamentos químicos e emprego de aditivos. Umas e outras são utilizadas para beber e para fins terapêuticos e de bem-estar. A chamada água da torneira, igualmente uma água mineral que também é usada para beber e outros tipos de consumo, não é água natural, de certo modo é artificializada por ser submetida a tratamentos vários tendo em vista atingir a inocuidade química e microbiológica da água e, consequentemente a segurança sanitária dos consumidores.

A água mineral natural é uma água bacteriologicamente aceitável, de circulação profunda ou extensa na crusta terrestre, que possui propriedades físico-químicas estáveis na sua origem e lhe conferem interessantes propriedades terapêuticas, ou simples efeitos favoráveis à saúde, devido à natureza e teor em minerais — oligoelementos ou outros constituintes — que contém.

A água de nascente é uma água bacteriologicamente aceitável, particularmente utilizada engarrafada para ser consumida em ambiente doméstico ou em ambiente de restauração.

A água mineral, ao contrário da água pura, é a água natural que é essencial à vida do homem, de outros animais e das plantas. A água mineral utilizada pelo homem é extraída de reservatórios ou aquíferos, tanto superficiais (rios e lagos naturais ou não), como subterrâneos, por meio de bombagem, captação e bombagem em furos, mais ou menos profundos, e, também de nascentes.

É reconhecido, desde há vários séculos, que os minerais existentes em solução nas águas minerais são essenciais para humanos, diferentes minerais tendo diferentes funções. A água é um constituinte essencial do corpo humano e os minerais nela contidos condicionam as propriedades físicas, químicas e físico-químicas da água de beber, que deve ser sanitariamente segura, tanto química como microbiologicamente. Sem água não há vida. No corpo de um adulto pesando 70 kg a água representa cerca de 60%. Se não beber água, o ser humano entra em processo de desidratação, podendo morrer em 2—3 dias.

A qualidade da água é uma das maiores preocupações da humanidade no século XXI. As chamadas doenças com origem na água são causadas por contaminantes químicos e micro-organismos patogénicos presentes na água de beber. E, em consequência das chamadas mudanças climáticas, o aumento de temperatura e os cada vez mais frequentes episódios severos de chuva e cheias, favorecerão a disseminação de doenças igualmente severas com origem na água, em particular de doenças infeciosas, tais como febre amarela, malária e dengue.

As águas minerais podem ser classificadas na base das origens respetivas:

  1. Meteorológicas — as que ocorrem em aquíferos superficiais produzidos pela chuva, neve e degelo;
  2. Juvenis — as que naturalmente emergem à superfície;
  3. Fósseis — as que existem confinadas em aquíferos subterrâneos, quer em áreas continentais, quer em áreas marítimas.


Nos países da União Europeia estão estabelecidas duas categorias principais de águas para consumo humano: águas minerais naturais e águas de nascente:

  1. As águas minerais naturais distinguem-se da água de beber normal pela sua pureza na origem ou fonte, e pelo teor constante dos minerais que contém; as águas de nascente são preferentemente utilizadas no consumo humano, no seu estado natural e, para o efeito são engarrafadas na origem ou fonte;
  2. A Diretiva da Comissão Europeia 2009/54/EC regula a produção e a comercialização das águas minerais naturais. Certas normas desta Diretiva são também aplicáveis às águas de nascente, casos de requisitos microbiológicos e requisitos de rotulagem;
  3. A Diretiva da Comissão Europeia 2003/40/EC de 16 Maio 2003 define a lista de parâmetros, os limites das concentrações e os requisitos de rotulagem para as águas minerais naturais, assim como as condições do uso de ar enriquecido em ozono no tratamento de águas minerais naturais e de águas de nascente;
  4. A pesquisa e aproveitamento das águas minerais naturais é condicionada a um processo de autorização e concessão pelas Autoridades Competentes de cada País Membro da EU.


Em Portugal, do ponto de vista legislativo e regulamentar, as águas minerais naturais e as águas de nascente, como recursos geológicos que são, estão enquadradas pelo DL n.º 90/90 (Recursos Geológicos), de 16 de março. As águas minerais naturais estão integradas no domínio público (DL n.º 86/90) e, a sua exploração, gestão e valorização, em regime de concessão, depende da autorização do Ministério da Economia, após parecer favorável da DGEG e da DGS; por sua vez, as águas de nascente estão integradas no domínio privado (DL n.º 84/90) e, a sua exploração e comercialização, em regime de licença, depende da autorização do Ministério da Economia, após pareceres favoráveis da DGEG e da DGS.


Água, saúde e bem-estar.

A água mineral contribui significativamente e decisivamente para a saúde humana. Porém, o papel protetor da água é pouco e indevidamente considerado nos países mais desenvolvidos. A contribuição da água para a saúde é feita de 2 modos: diretamente através da alimentação e nutrição; indiretamente como meio de manter e assegurar um ambiente natural diverso e saudável. Estes dois recursos preciosos — água e saúde — podem juntos aumentar as expectativas do desejável desenvolvimento social.

Nos humanos, cerca de 60% a 65% da massa corporal corresponde ao valor Total de Água Corporal (TBW, em Inglês), água que ocupa os compartimentos dos fluidos intracelular e extracelular, que contêm cerca de 65% e 35% do total de água corporal, respetivamente.

A água está presente em todas as células do corpo humano, no líquido intercelular e ainda nos chamados fluidos orgânicos (plasma sanguíneo, urina, linfa, etc.).

A água é o principal veículo de transporte de nutrientes e outras substâncias no sistema circulatório, sendo também o veículo para a eliminação de metabolitos e toxinas através dos sistemas vascular, renal e hepático. Cerca de 70% do peso do corpo humano é constituído por água, havendo órgãos que contêm mais água que outros.

No corpo de um jovem adulto pesando 60—70 kg existem 40—42 litros de água, cerca de 25 litros no interior das células — a chamada água intracelular —, cerca de 17 litros no exterior das células — a chamada água intersticial —, e cerca de 4 litros da chamada — água intravascular. Este último tipo de água está no sangue que contém cerca de 90% de água fazendo parte principalmente do plasma sanguíneo, que para além de água contém glóbulos vermelhos e brancos, plaquetas, minerais (Na, K, Ca, Mg, Fe, Zn, Cr, P,…), proteínas e glicose.

Os minerais referidos e outros na forma iónica são constituintes importantes do corpo humano, todos essenciais à vida, de cuja natureza e concentração depende a função celular. O total de minerais no corpo humano corresponde a cerca 5% da massa respetiva. Em geral, os homens têm mais 15% de água que as mulheres.

A membrana celular regula a troca iónica entre os compartimentos celulares antes referidos, mas a concentração iónica da água é sempre mantida. No líquido extracelular predominam, Na+, Cl- e CO3H-, enquanto que no líquido intracelular predominam, K+, PO43-, ácidos orgânicos e proteínas. A saúde perfeita exige um “equilíbrio dinâmico” ou “equilíbrio hidro-eletrolítico” entre os conteúdos dos compartimentos intracelulares e extracelulares. Qualquer rutura deste equilíbrio pode resultar da ingestão excessiva de alimento (água incluída) ou da perda excessiva de líquidos e, naturalmente de minerais na forma iónica que eles contêm, devido a sudação excessiva por efeito de trabalho ou de exposição ao sol, ou devido a doença (diarreia ou vómito), podendo assim causar desidratação e, eventualmente, até a morte.

A água está envolvida em muitas funções corporais, uma vez que é ela que transporta os nutrientes e outras substâncias no sistema circulatório. Acresce que a água é o veículo que excreta os metabolitos e elimina toxinas, e lubrifica e proporciona suporte estrutural aos tecidos e articulações. Porém, não existe um mecanismo eficiente para o corpo armazenar água, daí que é necessário o fornecimento constante de fluidos de modo a manter constante o conteúdo de água.

No livro intitulado Drinking Water, Minerals and Mineral Balance: Importance, Health Significance, Safety Precautions é apresentada a atualidade do conhecimento dos efeitos, tanto benéficos como deletérios, dos minerais presentes em solução na água, na saúde do homem e de outros animais. Está reconhecido que os minerais são mais facilmente absorvidos no intestino a partir da água do que a partir do alimento.

Vários tópicos interessantes em termos de saúde são tratados no dito livro. Um deles é a possibilidade de interação negativa entre certos minerais presentes na água, como é o caso da interação antagónica Ca/Mg. Quando o Ca, essencial para a formação de ossos e dentes saudáveis, está em excesso na água, tal pode contrariar a incorporação de Mg, essencial para um coração saudável. Portanto, um balanço ótimo entre os dois minerais presentes na água que se bebe é fundamental. A razão, Ca: Mg, ideal situa-se no intervalo 2—3:1.


Água mineral para beber, da torneira e engarrafada. Tipologias.

As águas minerais que o homem consome são classificadas em três tipos fundamentais: água mineral natural, água de nascente e água da torneira. Os dois primeiros tipos são águas de circulação subterrânea extraídas para consumo de reservatórios ou aquíferos localizados a maior ou menor profundidade, o último é captado em nascentes ou captado em rios e lagos, em reservatórios superficiais construídos para o efeito e, raramente em aquíferos subterrâneos.

A água mineral natural é caracterizada por ter circulação extensiva no interior da crusta terrestre, por ser bacteriologicamente aceitável e, por apresentar propriedades físico-químicas estáveis na sua emergência. Os valores dos parâmetros físico-químicos da água mineral natural são definidos pela Diretiva 2009/54/EC do Parlamento Europeu e do Conselho Europeu, de 18 de junho.

Por sua vez, os valores dos parâmetros físico-químicos da água de nascente, porque a circulação subterrânea é relativamente menos profunda e menos extensiva, são um pouco mais tolerantes, e são ainda mais tolerantes para a água da torneira. Em Portugal, os valores de referência dos parâmetros físico-químicos da água de nascente são definidos pelo Decreto-Lei n.º 306/2007, de 7 de agosto.

A água ao circular através das rochas extrai por dissolução os minerais constituintes das rochas os elementos químicos na forma iónica que são constituintes dos minerais, tais como Na, K, Ca, Mg, Fe, Si, Al, etc. e, as propriedades da água resultante podem proporcionar benefícios terapêuticos ou simplesmente efeitos favoráveis à saúde. A emergência deste tipo de água pode ser natural — água de nascente — ou ser captada por meio dum furo mais ou menos profundo e, assim sendo no último caso a designação de uso corrente — água mineral natural — até não é inteiramente correta.

As águas minerais naturais e as águas de nascente são classificadas tendo por base informação analítica, tanto física como química. A cada água corresponde uma ficha técnica ou boletim de análise, o qual contém os parâmetros físicos, químicos e bacteriológicos, específicos da água. No caso de água engarrafada e comercializada estes parâmetros devem, obrigatoriamente, constar no rótulo que constitui uma espécie de BI da água e tem a função de assegurar a conformidade do produto comercializado. Além do nome comercial, no rótulo e de acordo com o Artigo n.º 8 do DL 156/98, deve constar a natureza da água — água mineral natural ou água de nascente, a quantidade de líquido, o local de exploração/engarrafamento e o nome das captações que asseguram o engarrafamento, a composição química explicitando os aniões e catiões e concentrações respetivas, o total de sais dissolvidos representado pelo Resíduo Seco (RS) ou pela Mineralização Total (MT), o pH, a concentração de fluoreto se superior a 1,5 mgL-1, e o nome do Laboratório credenciado que produziu os dados analíticos constantes no boletim de análise e a data da análise. Atualmente, existem 2 tipos de embalagem, vidro e PET (polietileno).


Composição química — aniões e catiões.

A natureza dos aniões e catiões predominantes na água mineral natural e na água de nascente determinam as suas composição química e nomenclatura. Relativamente aos aniões as águas são classificadas como: sulfurada, sulfatada, bicarbonatada, cloretada, silicatada, bromada, iodada e fluorada. Relativamente aos catiões as águas são classificadas como: sódica, potássica, cálcica e magnésica. A qualidade e quantidade dos minerais são responsáveis pelos perfis particulares das águas minerais, inclusive: turbidez/limpidez, cor, odor e gosto, tanto da água mineral natural, como da água de nascente.


pH.

A água doce pura tem pH = 7 mas, via de regra, a água doce ingerida tem pH inferior a 7 e, num número menor de casos, pode ter pH superior a 7. O sangue humano possui pH na faixa 7,35—7,45, valor estritamente regulado por órgãos como pulmões e rins. A escala de pH varia de 0 (o termo mais ácido) a 14 (o termo mais básico). A água da chuva, via de regra, tem pH entre 4,2—4,4. O vinagre e o sumo de limão têm valores de pH próximos de 2.


Dureza.

Existem águas duras e águas brandas, as duras caracterizadas por possuírem concentrações elevadas de Ca e Mg, para além de terem outros elementos/minerais dissolvidos. Do ponto de vista da saúde o parâmetro dureza da água tem sido relativamente desvalorizado, em particular pela Hidrologia Médica. Quanto à Dureza esta pode ser temporária se resulta de carbonatos e bicarbonatos e, assim sendo pode ser eliminada por ebulição da água, ou permanente se resulta de sulfatos, cloretos e nitratos, e persiste após a ebulição da água. A soma da dureza temporária e da dureza permanente é denominada dureza total.

A dureza da água pode ser expressa em partes por milhão (ppm) de carbonato de cálcio (CaCO3), em mgL-1 de CaCO3, em graus franceses (1 grau de dureza francesa equivale a 10mgL-1 de CaCO3).

A classificação das águas em termos de dureza é como segue: água branda ou macia < 50ppm CaCO3; ligeiramente dura 50—100ppm CaCO3; dura 100—200ppm CaCO3; muito dura > 200ppm CaCO3.

Águas brandas indicam circulação em rochas ácidas como o granito e águas duras indicam circulação em calcário e dolomia. Em regiões calcárias, por exemplo do centro-litoral e da costa sudoeste e sul de Portugal, existe água mineral natural e água de nascente classificada como água dura, num e noutro caso, por ser bicarbonatada cálcica e magnesiana. Trata-se de água facilmente reconhecida pelo facto de o sabão não fazer espuma quando com ela se lavam as mãos e, também porque panelas e outros artigos em aço usados na cozinha lavados com ela apresentam brilho baço e manchas depois de lavados, o mesmo acontecendo à louça e aos vidros. Para contrariar tal efeito e proporcionar brilho às peças lavadas é costume adicionar sal (NaCl) no início da lavagem.


Mineralização Total.

A Mineralização Total (MT) é o parâmetro que expressa a quantidade total de sais dissolvidos, propriedade que na água do mar é denominada salinidade.

Quanto à Mineralização Total as águas são classificadas como: Hipossalinas — MT < 200mgL-1; Fracamente Mineralizadas — MT 200 — 1000mgL-1; Mesossalinas— MT — 1000 — 2000 mg L-1; Hipersalinas — MT > 2000mgL-1.

Nas análises físicas e químicas das águas minerais o parâmetro Mineralização Total (MT) corresponde à soma das concentrações de aniões, catiões e sílica. A Mineralização da água também pode ser expressa pelo Resíduo Seco (RS) avaliado por evaporação de 1 litro de água a 180°C, cujo valor pode não coincidir com o valor de MT.

O conceito de Total de Sólidos Dissolvidos (TDS) em águas de beber potáveis, como é o caso da água da torneira, difere do conceito de Mineralização Total; o primeiro, TDS, compreende os constituintes sólidos inorgânicos também chamados de sais mais pequenas quantidades de matéria orgânica e coloidal, particularmente compostos orgânicos polares que são dissolvidos em água e, como tal, não podem ser filtrados; o último, TM, compreende exclusivamente minerais dissolvidos na forma elementar, como catiões e aniões.

Sempre que a água potável contiver sólidos em suspensão com partículas extremamente finas, eles devem ser filtrados antes da avaliação analítica TDS. Sólidos suspensos não passarão por um filtro, enquanto os sólidos dissolvidos irão.

Os valores de TDS, TM e RS em águas portadoras ou de origem volátil, quando aquecidas, por exemplo no caso das águas bicarbonatadas, esses valores são sempre menores do que deveriam ser teoricamente, pois no caso das águas bicarbonatadas o bicarbonato HCO3 se decompõe em H2CO3 e CO2, e este evolui por ser um gás.

Nos EUA, a água engarrafada deve conter pelo menos 250mg de TDS para ser rotulada como água mineral.

O HCO3 na água é formado pela reação do CO2 dissolvido na água com minerais que sendo carbonatos, contêm Ca e Mg e estão presentes no solo e nas rochas. O HCO3 dentro do corpo humano é formado a partir da reação do CO2 produzido a partir do metabolismo dos hidratos de carbono com o OH da água: CO2 + OH ↔ HCO3, sendo este HCO3 que, absorvido pelos fluidos corporais contribui para o aumento do pH.

Em relação à mineralização da água potável, a legislação da União Europeia propõe a seguinte classificação: mineralização muito baixa ou hipossalina, até 50mgL-1; mineralização baixa, 50 a 500mgL-1; mineralização média, 500—1500mgL-1; mineralização alta ou hipersalina, > 1500mgL-1. Esta classificação é atualmente estendida às águas minerais naturais usadas nos balneários termais onde a chamada Health Resort Medicine é praticada.

Em Portugal Continental, o facto de cerca de 2/3 do território estar ocupado por rochas graníticas e afins, consideradas rochas ácidas, explica o facto de cerca de 80% da água mineral natural + água de nascente ser hipomineralizada. As águas minerais de territórios ocupados por rochas alcalinas e calco-alcalinas são mais mineralizadas.

A TABELA 1 mostra a ficha técnica ou boletim de análise da água mineral natural de Luso, hipossalina e silicatada.



TABELA 1. Boletim de análise da água mineral natural de Luso.


Águas Minerais Naturais e Águas de Nascente em Portugal.

Em Portugal, país rico em ocorrências de águas minerais naturais e águas de nascente, as águas minerais naturais são recursos geológicos que pertencem ao domínio público do Estado, podendo ser exploradas através de concessões hidrominerais emitidas pelo governo central. Relativamente às águas de nascente, também recursos geológicos, elas pertencem ao domínio privado, podendo ser exploradas através de licença de exploração e aproveitadas na vertente de comercialização para consumo humano no modo de água engarrafada. Só na Região Centro existem em atividade dezoito (18) concessões de águas minerais naturais (16 são Termas, 1 de engarrafamento e 1 de Termas e engarrafamento), e seis (6) licenças de águas de nascente. E, 4 das concessões hidrominerais aproveitam o geocalor ou calor geptérmico da água, São Pedro do Sul, Alcafache, Carvalhal e Longroiva. É na região Centro que se localiza o maior número de Termas do país, as Termas de maior frequência por aquistas — São Pedro do Sul —, e a água engarrafada de maior produção — Luso.

O uso da água mineral natural e dos recursos naturais a ela associados e o turismo termal são contribuições importantes para a economia da região onde ocorre a água mineral natural. Como já foi dito, a água de nascente é uma água de circulação subterrânea e bacteriologicamente adequada no seu estado natural para consumo humano ou para cuidados de saúde. Em Portugal, as nascentes são do domínio privado, exigindo a sua utilização licença de exploração emitida pela administração local e regional.

Relativamente à água mineral natural e à água de nascente, Portugal possui grande diversidade de águas: sem gás (ou seja, sem gás natural), ditas lisas; com gás (CO2) natural, ditas gasocarbónicas; com gás (CO2) mas não natural, ditas gaseificadas, todas elas comercializadas engarrafadas.

Já em 1930, o eminente químico Charles Lepierre no seu livro Chimie et Physico-Chimie des Eaux (Le Portugal Hydrologique et Climatic) dizia: “Portugal, proporcionalmente à superfície do território e à sua população, é um dos países mais rico do mundo no que respeita à variedade e número de nascentes de água mineral.“.

Em Portugal continental, existem 33 marcas de água mineral engarrafada comercializada, 18 de água mineral natural, 15 de água de nascente. Entre as águas minerais naturais, lisas e engarrafadas, salientam-se as seguintes: Alardo, Fastio, São Cristovão, Vitalis, Luso, Penacova e Monchique. Também, as águas de nascente lisas e engarrafadas, salientam-se as seguintes: Caramulo, Cruzeiro, Glaciar, Serra da Estrela e Serrana. Acresce que, entre as águas minerais ricas em gás natural salienta-se a água das Pedras Salgadas, que contém CO2, 100% natural. A água de Pedras Salgadas, mais precisamente de Pedras Salgadas-Vila Pouca de Aguiar, é uma água mineral natural singular classificada como água gasocarbónica essencialmente bicarbonatada sódica por ser portadora de altas concentrações de HCO3 e Na, e que tem um RS (Resíduo Seco) determinado por evaporação a 180°C de 1 litro, parâmetros cujos valores respetivos são: 1983 mg/L, 577 mg/L e 2807 mg/L. Trata-se duma água cuja bebida é aconselhada logo após uma refeição substancial.

Por sua vez as chamadas águas gaseificadas são aquelas às quais gás carbónico, CO2, de origem outra da que existe no aquífero donde a água é extraída, é adicionado.

As garrafas e os garrafões de todas as águas engarrafadas mostram um rótulo que permite aos consumidores dispor de informação suficiente sobre as características físico-químicas (pH, mineralização total, dureza) e os principais aniões e catiões, da água mineral que pretende ingerir. O rótulo deve referir também o nome comercial da água, o nome do local da exploração e, também, o nome da fonte ou nascente e o nome do furo no qual a água é captada e extraída.

Segundo a Direção-Geral de Energia e Geologia, Portugal, em 2020, produziu os volumes seguintes de água engarrafada, mineral natural e de nascente: Lisa, 1 362 520 082 litros (96,55%); Gasocarbónica, 30 800 193 litros (2,18%); Gaseificada, 17 934 536 litros (1,27%). Segundo a mesma fonte na década 2011—2020, particularmente até 2019 foi sempre crescendo o volume de água engarrafada produzido, tendo em 2020 e 2021 havida queda de produção por efeito da pandemia de COVID-19. O consumo de águas engarrafadas, nos anos recentes tem vindo a crescer em todo o mundo. Portugal exporta cerca de 60 milhões de litros de água engarrafada, sendo Angola o mercado principal. As águas engarrafadas, incluem águas minerais naturais e águas de nascente, contribuindo as primeiras com cerca de 210 milhões de euros e as segundas com cerca de 60 milhões de euros para a economia nacional. Em Portugal o consumo médio de água engarrafada por habitante está estimado em 145 litros. Na Europa só na Itália e na Alemanha o consumo médio/habitante é maior.


Segurança sanitária da água de beber.

Na Europa, é considerada “água segura” aquela que é monitorizada de acordo com os padrões europeus e cujos resultados analíticos atendem aos limites impostos. Em Portugal continental, a ERSAR é a entidade responsável pela regulação e fiscalização da qualidade da água para consumo humano.

Assim como nos minerais s.s., em geral não existem duas águas minerais naturais iguais, cada uma delas possuindo uma assinatura genética ou ADN, dependendo de sua composição hidrobioquímica. Hoje, as propriedades químicas, físicas ou físico-químicas das águas minerais naturais são relativamente bem conhecidas, o que não acontece com um componente microbiológico também denominado microbiota ou microbioma. Na componente microbiológica apenas foram estudados os microrganismos patogênicos (devido aos impactos negativos que têm na saúde humana). Os demais microrganismos e seus metabolitos podem ser fatores que justificam as propriedades terapêuticas das águas minerais mineromedicinais. A microbiota de uma água mineral natural é a flora bacteriana, patogênica e não patogênica, muito constante, que contém, na saída da nascente, uma flora cuja composição qualitativa e quantitativa deve ser controlada por meio de análises periódicas (Portaria 2009/54/CE).

As águas de nascente certificadas como bacteriologicamente puras são consideradas como águas livres de germes de patógenos. Mesmo assim, várias espécies bacterianas podem ser identificadas por análise sequencial genómica. A população bacteriana não patogénica de uma água de nascente, amplamente denominada microbiota, pode ser responsável pelas suas propriedades regenerativas. Essas propriedades podem estar relacionadas à produção de substâncias até então desconhecidas que promovem a regeneração, provavelmente em sinergia com os macrominerais e os microminerais da água de nascente. O papel da microbiota no controle do equilíbrio entre saúde e doença é um tema de estudo atual devido ao seu potencial para ser usado em novas abordagens terapêuticas.

Nos últimos tempos, muitos estudos têm focado a atenção na segurança da água mineral engarrafada, em particular na migração de produtos químicos dos recipientes de plástico para a água. O polietileno tereftalato (PET) é um material químico inativo, mas alguns estudos in vitro comprovaram que as condições de armazenamento (como exposição à luz solar e alta temperatura) podem contribuir para a liberação de produtos químicos das garrafas para a água.


Potabilidade da água de beber.

Não são só a água mineral natural e a água de nascente que são boas para a saúde humana. Outras águas subterrâneas e até superficiais são igualmente boas para a saúde e indispensáveis para o consumo humano. No século XXI, a humanidade está enfrentando muitos problemas relacionados com a quantidade e com a qualidade da água. E esses problemas serão agravados no futuro devido às mudanças climáticas expressas em temperaturas mais altas da água, derretimento de geleiras, mais inundações e secas.

Em relação à saúde humana, o impacto mais direto é a falta de saneamento adequado e de água potável. Ameaças adicionais incluem a exposição a micro-organismos patogénicos e a tóxicos químicos tóxicos. Atualmente, a segurança da água potável é uma preocupação global, e há ainda milhões de pessoas sem acesso diário a água potável, limpa e segura. Importa que a água que o homem bebe e usa para cozinhar (limpar e cozinhar) e para sua higiene deva ser potável, e para tal ela deve ser: “incolor, inodora, insípida, cozinhar bem os alimentos, livre de matéria orgânica e de substâncias tóxicas ao organismo e, ser também livre de germes patogénicos capazes de causar o aparecimento de doenças”.

Em Portugal, para o efeito, a água deve ser tratada do ponto de vista físico-químico e, de acordo com a Entidade Reguladora dos Serviços de Água e Resíduos (ERSAR), a água deve cumprir os requisitos constantes na TABELA 2.



TABELA 2. Fatores e substâncias que influenciam a potabilidade da água de beber.


Outros elementos químicos devem ser levados em consideração. Por exemplo, as concentrações de flúor para serem benéficas devem estar entre 0,8—1,0 mg/L, porque se forem maiores que 1,0—1,5 mg/L podem causar fluorose dentária e fluorose esquelética. Além disso, concentrações de nitrato superiores a 45 mg/L podem causar problemas de saúde, principalmente em crianças.

O alumínio (Al) é um constituinte natural de muitos minerais formadores de rochas, sendo o metal mais abundante na crosta terrestre. Além disso, o Al é amplamente encontrado em argilas fazendo parte dos seus constituintes fundamentais — os minerais argilosos, que são essencialmente aluminossilicatos hidratados. Assim sendo o Al é encontrado naturalmente na água potável na forma de partículas de argila muito finas suspensas na água. O Al é também usado para melhorar a qualidade da água em estações de tratamento que fazem tratamento de água potável e, nalgumas delas, a remoção incompleta do Al pode resultar em concentrações elevadas de Al na água tratada.

O arsénio (As) também pode ser um contaminante da água potável por ser resultante da alteração meteórica ou hidrotermal dos minerais de As, arsenopirite (FeAsS) e pirite (FeS2). Concentrações relativamente altas de arsénio podem ser encontradas em certos reservatórios de água subterrânea. O consumo de água contendo concentrações de As acima das diretrizes para água potável por um longo período de tempo pode causar uma variedade de efeitos negativos na saúde. A forma trivalente, As (III), é a mais tóxica, seguida pela forma pentavalente, As (V), e depois pelas formas orgânicas. Em média, uma pessoa consome cerca de 10μg/dia de As através da água e alimentos (principalmente frutos do mar e carne) que consome. No entanto, o As nos alimentos é geralmente encontrado nas formas orgânicas menos tóxicas.

Ferro (Fe) e Manganês (Mn) são muito comuns na água potável, e suas concentrações não apresentam riscos significativos à saúde humana, mas modificam as diretrizes estéticas de qualidade da água (300 e 50 μg/L para Fe e Mn, respetivamente) são definidos para evitar sabor e cor indesejáveis.

Estes e outros metais e metaloides, como chumbo (Pb), cádmio (Cd), mercúrio (Hg), selénio (Se), urânio (U), zinco (Zn), crómio (Cr) podem estar presentes na água potável e ter efeitos na saúde.

Foram desenvolvidas diretrizes sobre os níveis máximos recomendados para uma gama de produtos químicos/minerais dissolvidos na água potável. As concentrações máximas permitidas expressas em mg/L são as seguintes: chumbo (Pb) — 0,05; arsénico (As) — 0,05; selénio (Se) — 0,01; crómio (expresso como hexavalente (Cr) — 0,05; cádmio (Cd) — 0,01; bário (Ba) — 2,00. Por exemplo, a toxicidade do arsénico na água potável foi classificada pela OMS como um problema de saúde pública mundial, em países como Bangladesh, onde milhões de pessoas consomem água de poços de água contaminados.

Até agora, os efeitos nocivos dos elementos/minerais na água potável são menos investigados e conhecidos do que os efeitos benéficos. Esperançosamente, a investigação sobre os efeitos negativos e positivos deve ser realizada na mesma medida. Pode ainda haver substâncias de natureza orgânica que influenciam a potabilidade da água.

O tratamento da água, principalmente dos reservatórios superficiais para torná-la potável, geralmente envolve duas operações:

  1. Filtração (remoção das substâncias em suspensão pela passagem da água por um leito filtrante de areia mais ou menos fina);
  2. Desinfeção (eliminação de microrganismos patogênicos pelo uso de cloro (potente antisséptico, no estado líquido ou gasoso).
  3. Outras operações ainda podem ocorrer, tais como:
  4. Coagulação-floculação — combinação do uso de produtos químicos, por exemplo, sulfato de alumínio, para causar agregação de partículas coloidais de matéria orgânica, e argilominerais para remover cor e turbidez;
  5. Fluoretação — para prevenir a cárie dentária adicionando flúor na água;
  6. Amaciamento — para diminuir a dureza da água;
  7. Correção da agressividade — corrigir a acidez da água, expressa pelo pH ácido, ou seja, significativamente menor que 7, no sentido de se aproximar desse valor.

[editar] Referências

  1. OLIVEIRA, A. S. et al., Chemical signature and antimicrobial activity of Central Portuguese natural mineral waters against selected skin pathogens, Environmental Geochemistry and Health, 35, 5. 2013. DOI: 10.1007/s10653-019-00473-6.
  2. QUATTRINI, S. et al., Natural mineral waters: Chemical characteristics and health effects, Clinical Cases in Mineral and Bone Metabolism, 13, 173-180. 2016. DOI: 10.11138/ccmbm/2016.13.3.
  3. ROSBORG, I., Drinking Water, Minerals and Mineral Balance: Importance, Health Significance, Safety Precautions, Springer International Publishing Switzerland, 140pp.. 2015.
  4. TEIXEIRA, F., Água, fonte da vida, Comissão de Coordenação e Desenvolvimento da Região Centro (editor), 109-139, ISBN: 978-972- 569-160-1. 2009.
  5. TEIXEIRA, F. & GOMES, C. S. F., Mineral Water: Essential to Life, Health and wellness, Chapter 13 of the Book “Minerals latu sensu and Human Health: Benefits, Toxicology, and Pathologies“, Gomes C.S.F. e Rautureau M. (editors), 668 pp, Springer. 2021>. DOI: 10.1007/978- 3-030-65706-2.
  6. SIMÕES, C. J. A., Águas Minerais Naturais e de Nascente da Região Centro, Mare Liberum, 526pp, ISBN: 978-972-8046-17-0J.A. 2012.
  7. IMÕES, C. J. A., Águas Minerais Naturais e de Nascente da Região Norte, Mare Liberum, editora para a FEDRAVE, 550pp, ISBN: 978- 972-8046-28-6. 2017.


Criada em 6 de Agosto de 2022
Revista em 23 de Agosto de 2022
Aceite pelo editor em 15 de Março de 2023