Medronheiro
Referência : Martins, J., Canhoto, J., (2024) Medronheiro, Rev. Ciência Elem., V12(1):004
Autores: João Martins e Jorge Canhoto
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2024.004]
Resumo
O medronheiro (Arbutus unedo L.), uma árvore perene tolerante à seca e baixas temperaturas, cresce ao longo da Bacia do Mediterrâneo, sendo uma espécie-chave nos ecossistemas da região. As suas características fenológicas, frutificação e propagação, juntamente com o seu papel na estabilização do solo e na regeneração após incêndios, tornam-no essencial para a manutenção da biodiversidade e a conservação de ecossistemas. Além disso, os frutos e produtos derivados, como aguardente e mel, apresentam grande potencial económico. Recentemente, o interesse renovado no medronheiro resultou em estudos genéticos e programas de propagação, procurando melhorar a qualidade das plantas e desenvolver genótipos mais resistentes a stresses ambientais. Essa atenção revitalizada destaca não apenas o seu valor ecológico, mas também o seu potencial como recurso sustentável para a indústria e agricultura.
Arbutus unedo L., é uma pequena árvore perene conhecida comummente como medronheiro (FIGURA 1A)), bastante tolerante à seca[1], e que suporta temperaturas relativamente baixas, até -10 °C[2]. O medronheiro cresce geralmente em solos ácidos, rochosos e bem drenados, ao longo da Bacia do Mediterrâneo, desde Espanha até à Turquia, algumas regiões do Norte da África, Ilhas do Mediterrâneo e a costa atlântica da França, Irlanda e Portugal (FIGURA 1D))[3], associado a comunidades arbustivas ou florestas de espécies dos géneros Quercus (carvalhos) e Pinus (pinheiros)[4], [5]. O género Arbutus pertence à cosmopolita família Ericaceae, que representa 2% de todas as eudicotiledóneas. Inclui cerca de 20 espécies, distribuídas ao longo da costa oeste dos EUA, América Central, Europa Ocidental, Bacia do Mediterrâneo, Norte da África e Médio Oriente[6], [7].
As folhas do medronheiro exibem uma morfologia lauroide, são pecioladas, oblongo-lanceoladas e geralmente serrilhadas, com uma cor verde-claro intensa quando jovens e mais escura quando maduras[8], [9]. As flores hermafroditas são em forma de sino, com corola urceolada (FIGURA 1B)), esbranquiçadas a ligeiramente rosadas e dispostas em panículas pendentes (até 30 flores). A corola é simpétala e o ovário é pentalocular, contendo vários óvulos[10]. Cada flor contém 10 anteras, onde se desenvolve o pólen de forma esférica que é libertado através de um poro em unidades de quatro grãos (tétradas tetraédricas). A polinização é entomófila, realizada por diversos insetos, especialmente Bombus terrestris (abelhão) e Apis melifera (abelha-do-mel)[11]. O ciclo fenológico do medronheiro é muito lento e estende-se por quase dois anos. Durante este período, podem ser observadas três etapas distintas: botões florais, flores em antese e frutificação.
Os primeiros botões florais começam a formar-se em junho e a antese, que geralmente começa em outubro, pode prolongar-se até janeiro. Após a fecundação, inicia-se o longo processo de desenvolvimento do fruto, levando pelo menos 9 meses até estar concluído (FIGURA 2)[12].
O medronho, é uma baga mais ou menos esférica (FIGURA 1C)), com cerca de 2 cm de diâmetro, coberta por papilas cónicas que geralmente contém de 10 a 50 pequenas sementes, que são dispersas por endozoocoria[14]. A cor do fruto muda durante o desenvolvimento, passando por verde, amarelo, laranja e vermelho intenso quando maduro. No outono, flores e frutos podem ser encontrados simultaneamente na mesma árvore[15], o que torna esta espécie uma interessante árvore ou arbusto ornamental.
O medronheiro é uma espécie-chave nos ecossistemas mediterrânicos, especialmente em zonas onde as amplitudes térmicas são elevadas e a água é escassa nos meses de verão. Não apenas fornece alimento e abrigo à fauna, mas ajuda a estabilizar os solos, evitando a erosão e promovendo a retenção de água, dois serviços cruciais dos ecossistemas florestais. Além disso, tem uma grande capacidade regenerativa após incêndios florestais, característica que torna uma espécie interessante para programas de reflorestação, especialmente em países do sul da Europa, como Portugal, Espanha e Grécia, onde os incêndios são comuns. Apresenta ainda potencial para ser utilizado em programas de fitoestabilização, devido à sua tolerância a metais pesados[17].
Trata-se de uma espécie com um enorme potencial económico, uma vez que os frutos comestíveis podem ser consumidos em fresco, ou utilizados na produção de compota, geleia, gelado, pão, etc. Através da fermentação dos frutos e destilação, é produzida uma aguardente, que é provavelmente o produto derivado do medronheiro mais valorizado. Cada árvore produz em média 7 a 10 kg de frutos, e geralmente são necessários 10 kg de frutos para produzir 1 L de aguardente[18]. O mel de medronheiro é outro produto típico de algumas regiões mediterrânicas, muito apreciado pelo seu sabor amargo, odor intenso e cor âmbar, riqueza em aminoácidos e propriedades antioxidantes[19]. A sua produção é geralmente baixa, devido à época do ano (Outono) em que ocorre a floração[20]. Além disso, vários compostos químicos com propriedades bioativas foram identificados em diferentes partes da planta, com aplicações nas indústrias farmacêutica, cosmética e alimentar[21], [22], destacando-se a arbutina, um dos componentes maioritários, usado em cosméticos clareadores da pele[23]. Além disso, a sua microbiota é muito diversa, e alguns destes microorganismos apresentam potencial como agentes de controlo biológico através da produção de enzimas (p.ex.: Trichoderma spp.)[24] ou como promotores de crescimento das plantas, através de diversos mecanismos, como solubilização de fosfato, produção de sideróforos ou da hormona vegetal ácido indol- 3-acético, uma auxina também produzida por algumas bactérias (p.ex.: Bacillus megaterium)[25].
Apesar de outrora ter sido considerada uma espécie negligenciada, problemas fitossanitários bem como a intensidade e frequência de incêndios florestais associados a monoculturas florestais de pinheiro-bravo (Pinus pinaster) e eucalipto (Eucalyptus globulus), levaram a um renovado interesse no medronheiro, não apenas por autoridades governamentais e autárquicas, mas também por agricultores e produtores florestais[26], [27]. Como resultado, foram instalados vários pomares para produção, e em 2020, Portugal tornou-se o maior produtor mundial de medronho23. Assim, a procura por plantas de qualidade aumentou, especialmente de genótipos selecionados e clonados. Devido à dificuldade de propagação por métodos convencionais, diferentes protocolos de micropropagação foram desenvolvidos, que permitem obter plantas clonadas através de propagação de meristemas axilares, organogénese ou embriogénese somática[28], [29], [30], [31]. Diversos estudos genéticos revelaram uma grande diversidade intra-populacional, e desenvolveram possíveis marcadores genéticos, o que pode facilitar a seleção de plantas de melhor qualidade[32], [33], [34], [35]. Estudos de tolerância ao stresse hídrico identificaram uma estratégia de conservação de água através do fecho dos estomas, reduzindo a perda de água por transpiração, típica de espécies isohídricas. Além disso, durante períodos de stresse hídrico, a planta desenvolve uma série de adaptações fisiológicas e bioquímicas, produzindo uma variedade de metabolitos e ajustando a expressão de genes relacionados à resposta ao stresse. Estes estudos permitem não só compreender os mecanismos de tolerância à seca, mas também selecionar genótipos mais adaptados a ambientes com escassez de água[36], [37], uma situação que permitirá às plantas resistirem melhor às alterações ambientais que se projectam para as zonas mediterrânicas.
O interesse renovado nesta espécie trouxe consigo a necessidade de estudos genéticos e de propagação para melhorar a qualidade das plantas, bem como a procura por genótipos mais resistentes a stresses ambientais. Essa nova atenção reforça o potencial do medronheiro não apenas como uma espécie de importância ecológica, mas também como um recurso valioso e sustentável para várias indústrias e práticas agrícolas.
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Criada em 5 de Dezembro de 2023
Revista em 7 de Dezembro de 2023
Aceite pelo editor em 15 de Abril de 2024