LTER - montado

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Referência : Pinto, M. J., Taborda, R., Freitas, M. C., (2021) LTER - montado, Rev. Ciência Elem., V9(3):052
Autor: Manuel João Pinto, Rui Taborda e Maria da Conceição Freitas
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2021.052]
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Resumo

Os ecossistemas são dinâmicos para o que são necessários escalas e desenhos experimentais apropriados à sua amostragem e compreensão. Os estudos de longo-prazo em ecologia (Long Term Ecological Research, LTER), procuram primordialmente conhecer a variabilidade a longo termo e desvendar as interações a curto prazo que evoluem e se propagam no tempo e no espaço, e são responsáveis pelo surgimento de propriedades emergentes dos ecossistemas, como a auto-organização e regulação, resiliência, estabilidade e adaptabilidade. Estes estudos possibilitam também identificar e validar tendências, oscilações e respetivos padrões e conhecer fenómenos complexos com múltiplas interações, como o impacto das alterações climáticas e o impacto do dinamismo no uso dos ecossistemas pelas sociedades humanas. A dinâmica dos ecossistemas dificilmente pode ser compreendida através de amostragens conduzidas em curtos períodos temporais[1] e por isso as análises LTER partem da monitorização repetitiva de parâmetros ambientais e biológicos relevantes, construindo séries longas de dados que serão analisados estatisticamente. No contexto temporal de anos ou décadas, procuram também identificar fenómenos súbitos, instantâneos, com significativa influência nos processos e funções dos ecossistemas. Os estudos de longo-prazo são por isso complementares dos estudos convencionais de curta duração, normalmente limitados pelos financiamentos e objetivos.


O conceito LTER foi introduzido nos Estados Unidos da América em 1980, posteriormente ampliado para as versões eLTER (European Long-term Ecological Research) lançada em 2003, e ILTER (International Long-term Ecological Research https://www.ilter.network/). A rede europeia eLTER (https://www.lter-europe.net/) comporta atualmente 26 redes nacionais, 450 sítios LTER e 35 plataformas LTSER, este último tipo, também integrando a componente sócio-ecológica (LTSER - Long Term Socio-Economic and Ecosystem Research) marcadamente direcionada para a escala espacial das regiões. A constituição de redes possibilita a comparação de resultados obtidos em diferentes circunstâncias biofísicas. Por outro lado, a sua constituição aproxima os investigadores fomentando a colaboração, interdisciplinaridade, intercâmbio e coordenação, favorece a comparabilidade e a formação de bases de dados e metadados.

Em Portugal, a Sociedade Portuguesa de Ecologia (SPECO), dinamizou e promoveu o processo de criação em Julho de 2011, com o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia, da rede de sítios LTER, assegurando também a sua representação internacional. A rede LTER-Portugal é constituída por quatro Centros de Investigação Ecológica de Longo Prazo que estão integrados no programa PORBIOTA através do Roteiro Nacional de Infraestruturas de Investigação de Interesse Estratégico (http://www.porbiota.pt/areas/lter).

Em particular a sub-rede LSTER-montado distribui-se no sul de Portugal e é constituída por 6 sítios vocacionados para o estudo do agro-sistema extensivo de montado, entre os quais se destaca a Herdade da Ribeira Abaixo (HRA), no contexto da Estação Biológica do mesmo nome associada ao Centro de Ecologia, Evolução e Alterações Ambientais CE3C e Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa. Esta estação de campo assenta num território de 221 ha essencialmente ocupado por montado de sobro, densamente sulcado por uma rede de linhas de água, umas efémeras outras intermitentes que evidenciam marcada sazonalidade com alternância de caudais de escoamento que são elevados no período das chuvas, reduzindo-se progressivamente acompanhando a diminuição da precipitação e da drenagem dos sedimentos depositados no leito (FIGURA 1).


FIGURA 1. Corte longitudinal esquemático de um curso de água mediterrânico transitório, evidenciando-se dois momentos principais do seu ciclo hidrológico; a fase lótica, quando os níveis de água no canal de escoamento estão elevados e a atividade morfodinâmica é intensa, e a fase lêntica que se acentua progressivamente à medida que os caudais vão diminuindo e a água vai permanecendo imobilizada em pêgos descontínuos reduzindo a conectividade do habitat hidrófito. Evidencia-se também a interação da forma do leito com a distribuição de afloramentos da rocha subjacente e de raízes de árvores da galeria arbórea que margina o canal de escoamento.

Este ciclo hidrológico anual determina o transporte e imobilização dos sedimentos provenientes da erosão do relevo regional e também localmente das margens das linhas de água, conduzindo ao surgimento de um ecossistema fluvial transitório de três fases principais, respetivamente, lótica, lêntica e terrestre. As fases lêntica e terrestre são decorrentes da variação dos níveis médios de água nos canais de escoamento, dependem entre vários fatores, da topografia do canal moldado no sedimento do leito para formação de pêgos (ou charcos temporários) que vão aumentando ou diminuindo com variável altura da coluna de água e de praias que vão emergindo ou submergindo conforme a fase do ciclo.

A análise dos serviços ambientais proporcionados por este ecossistema fluvial transitório, intimamente dependente do padrão hidrológico e dos ciclos de erosão, transporte e sedimentação associados, tem sido negligenciada, não obstante a sua flagrante importância[2], [3]. A análise de longo prazo da morfodinâmica destes sistemas é particularmente adequada para desvendar o efeito da irregularidade da precipitação na erosão, readaptação da morfologia do leito e dos canais e geração de sequências de pêgos/praias no interior dos cursos de água dos quais dependem estes ecossistemas. No contexto do montado, a análise de longo termo é também importante para discriminar o efeito de desnudamento/ adensamento da vegetação motivada pela ação sócio-económica e respetiva resposta sucessional dos ecossistemas, nos caudais de escoamento superficial, retenção da água no solo e fornecimento de materiais sedimentares de diversa granulometria e características geológicas. A análise da erosão hídrica específica tem indicado valores relativamente modestos para algumas bacias de drenagem de afluentes do rio Sado[4], rio para o qual drenam os cursos de água da estação biológica HRA, mas a modelação à escala regional e a longo prazo dos fluxos sedimentares no contexto do Sistema do Fluxo Sedimentar[5] proporcionará um referencial comparativo alargado para avaliação do efeito da atividade antrópica e da modificação climática na formação do ambiente sedimentar local e sua valorização ecológica.

Referências

  1. MÜLLER, F. et al., Long-Term Ecosystem Research Between Theory and Application, Springer, p.456. DOI: 10.1007/978- 90-481-8782-9, ISBN 978-90-481-8781-2. 2010.
  2. BONADA, N. et al., Conservation and management of isolated pools in temporary Rivers, Water, 12, 10, 2870, DOI: 10.3390/w12102870. 2020.
  3. SAUVAGE, S. et al., Modelling the role of riverbed compartments in the regulation of water quality as an ecological service, Ecol. Engineering, 118, 19–30. 2018.
  4. LIRA, C. et al., Criação e implementação de um sistema de monitorização no litoral abrangido pela área de jurisdição da administração da região hidrográfica do tejo: estimativas de descarga sólida fluvial potencial, Relatório no âmbito da consultoria para a Criação e Implementação de um Sistema de Monitorização do Litoral, Agência Portuguesa do Ambiente, I.P. / Administração da Região Hidrográfica do Tejo (APA, I.P. /ARH do Tejo). 2013.
  5. PRESTON, N. & SCHMIDT, J., Long Term Hillslope and Fluvial System Modelling: Concepts and Case Studies from Rhine River Catchment, Springer, p.244. 2003.


Criada em 30 de Junho de 2021
Revista em 5 de Julho de 2021
Aceite pelo editor em 15 de Outubro de 2021