Lua

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Referência : Gomes, C., Bertolami, O., (2020) Lua,, Rev. Ciência Elem., V8(3):046
Autor: Cláudio Gomes e Orfeu Bertolami
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2020.046]
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Resumo

A Lua é o satélite natural da Terra e um objeto astronómico incontornável na evolução da Humanidade. É o segundo astro mais brilhante no céu, depois do Sol. O seu diâmetro é cerca de ¼ do da Terra, sendo um satélite invulgarmente grande. O seu período de rotação é igual ao de translação (com velocidade de 1 km/s), o que faz com que se observe sempre a mesma face a partir da Terra. A Lua não apresenta atmosfera e a sua superfície, exposta a grandes amplitudes térmicas (120 ºC de dia a –150 ºC de noite), não foi transformada por nenhum dos agentes de erosão que atuam na Terra tais como o vento e a água. A superfície lunar evidencia acontecimentos que ocorreram numa fase muito primitiva do sistema solar, especialmente, o impacto de meteoritos. De facto, a ação gravitacional da Lua tem importantes efeitos na Terra, o mais importante sendo as marés. A Lua teve desde sempre um impacto muito significativo nas sociedades e nas culturas humanas, através da arte e mitologia, mas também na língua e nos calendários. Mais recentemente, a Lua está ligada à conquista espacial. Em 2019, celebraram-se os cinquenta anos da primeira alunagem tripulada, por meio da missão Apollo 11.



Apesar de ser o objeto celeste mais próximo da Terra, só se pode conjeturar sobre a sua origem. A teoria mais consensual sobre a origem da Lua (FIGURA 1) admite que, há cerca de 4500 milhões de anos, o protoplaneta Terra partilhava a sua órbita com outro protoplaneta do tamanho de Marte, batizado Theia. Com o processo de acreção gravitacional de material do disco protoplanetário, a órbita de Theia ficou demasiado instável e acabou por colidir com a Terra, sendo que os materiais mais pesados resultantes da colisão se fundiram com a Terra enquanto os mais leves foram ejetados formando um anel circumplanetário, que por acreção, formou consequentemente a Lua. Esta proposta é suportada pelo facto de se encontrar proporções idênticas de isótopos químicos em rochas lunares e terrestres em contraste com os restantes planetas do sistema solar, e pela menor densidade e quantidade de ferro no núcleo da Lua relativamente à Terra.

Todavia, a Lua (TABELA 1) não teve sempre o aspeto que apresenta hoje. De facto, diversas colisões de meteoritos alteraram a superfície lunar desde a sua formação, deixando enormes cicatrizes: as crateras, algumas com mais de 100 km de diâmetro. Esses impactos induziram a infiltração de lava basáltica escura do interior da Lua e tal preencheu as depressões da superfície da crosta, formando os “mares lunares”. Estes cobrem cerca de 40% da superfície lunar, são constituídos por basaltos e materiais rochosos chamados mascons, e distribuem-se, predominantemente, na face voltada para a Terra. As zonas mais claras da Lua e mais ricas em montanhas e cordilheiras são os “continentes lunares”, constituídas por rochas denominadas anortositos, formadas essencialmente por plagioclase. Estas designações de mares e cordilheiras foram atribuídas por Galileu e são mantidas por razões históricas apesar de, atualmente, se saber que os “mares” lunares não apresentam água. Supõe-se que a superfície lunar é praticamente a mesma desde há cerca de 2800 milhões de anos, uma vez que a Lua não tem gravidade suficiente para sustentar uma atmosfera e, por conseguinte, não há erosão da sua superfície. A superfície da Lua está recoberta por um pó (rególito lunar), constituído por materiais pulverulentos, soltos, de cor acinzentada e por numerosas esférulas vitrificadas, resultantes do arrefecimento da rocha fundida após o impacto meteorítico. Naturalmente, há pouquíssimos impactos recentes, como a cratera de Copérnico que apresenta um sistema de raios brilhantes a partir da mesma na sua crosta, formado por material ejetado aquando da colisão.


FIGURA 1. Imagem da Lua vista a partir da Terra.

Na verdade, apenas metade da superfície lunar é visível a partir da Terra, pois o período de rotação da Lua é, sensivelmente, igual ao seu período de translação de cerca de 28 dias. Contudo, uma vez que a sua órbita em torno da Terra não é exatamente circular, a sua velocidade muda consoante a posição na órbita, segundo as leis de Kepler; assim, o satélite natural da Terra ora se adianta, ora se atrasa ligeiramente relativamente à Terra, pelo que se pode observar 59% da superfície lunar. Este fenómeno designa-se por libração.

A influência da gravitação da Lua é determinante para as marés nos oceanos, dado que o efeito é proporcional à variação do campo gravítico da Lua sentido na Terra, que é cerca de duas vezes mais importante do que a variação do campo gravitacional do Sol. Estas forças de marés promovem a descida e subida do nível dos oceanos que tem lugar duas vezes por dia.

Com efeito, a conjugação das posições relativas da Lua, Terra e Sol permite que se observem porções diferentes da superfície lunar a partir da Terra a que se chama fases da Lua, sendo que as quatro principais se denominam: lua nova, quarto crescente, lua cheia e quarto minguante. Estas fases sucedem-se, ciclicamente, num período de 29,5 dias. Adicionalmente, as posições relativas destes três corpos celestes podem originar eclipses lunares, produzidos pela projeção da sombra terrestre na Lua e eclipses solares produzidos pela sombra lunar projetada na Terra que podem ocorrer quando a Lua se encontra nas fases de lua cheia ou lua nova, respetivamente.


TABELA 1. Principais propriedades físicas da Lua[1].

No dia 21 de julho de 1969, Neil Armstrong foi o primeiro homem a pisar a superfície lunar. Efetivamente a história da exploração da Lua foi motivada fortemente pela Guerra Fria. Duas potências, a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) e os Estados Unidos da América (EUA), competiam entre si pela hegemonia económica, política, militar e espacial. O programa soviético Luna foi muito ativo e durante o ano de 1959 foi pioneiro em diversos objetivos, designadamente: a Luna 1 foi o primeiro objeto a escapar à força gravítica da Terra e a aproximar-se do seu satélite natural; a Luna 2, por seu turno, foi a primeira sonda a se despenhar na superfície lunar; e a Luna 3 obteve as primeiras fotografias do lado oculto da Lua. Mas este projeto soviético não se esgotou nestes feitos, dado que a Luna 9 foi o primeiro objeto a alunar com sucesso em 1966, a Luna 10 foi o primeiro veículo não tripulado a orbitar a Lua no mesmo ano, e as missões Luna 16, Luna 20 e Luna 24 regressaram à Terra com amostras de material lunar, entre 1970 e 1976. Um outro programa soviético denominado Lunokhod foi o responsável pela alunagem dos primeiros rovers em 1970 e 1973[2].

Por seu turno, o programa norte-americano Surveyor conseguiu alunar a primeira sonda quatro meses depois da soviética Luna 9. Ao mesmo tempo, o programa Apollo, também dos EUA, alcançou importantes feitos, nomeadamente com a Apollo 8, levando a cabo a primeira viagem tripulada a orbitar a Lua em 1968, a Apollo 11 com a primeira alunagem dos astronautas em 1969 (FIGURA 2), e as missões Apollo 11 a 17, com exceção da Apollo 13, trouxeram centenas de quilogramas de amostras de material lunar, entre 1969 e 1972.


FIGURA 2. Tripulantes da missão Apollo 11. Da esquerda para a direita: Neil Armstrong, Michael Collins, Buzz Aldrin.

Também com este programa lunar foi possível instalar uma série de instrumentos científicos em solo lunar, como sismógrafos e magnetómetros, cujas transmissões de dados só foram interrompidas em 1977. Os sismógrafos foram instalados nas missões Apollo 12, 14, 15 e 16 e mostraram que os sinais detetados não eram devidos a placas tectónicas, mas a forças de maré da Terra e da Lua e a forças superficiais devido ao impacto de meteoritos. Uma outra experiência, proposta por Johannes Geiss e Peter Eberhardt da Universidade de Berna, conjuntamente com Peter Signer do Instituto Suíço de Tecnologia em Zurique, consistiu na colocação de uma folha de alumínio puro hasteada num poste fixo na superfície lunar exposta ao Sol e que registou os iões presentes no vento solar. Este procedimento foi realizado durante as Missões Apollo 11, 12, 14, 15 e 16, durando 77min, 18h e 42min, 21h, 41h e 8min, 45h e 5min, respetivamente. A composição isotópica do vento solar foi determinada: Hélio, Néon e Árgon. Também foi estudado o perfil de aumento da temperatura com a profundidade e a composição mineralógica dos “mares” basálticos e dos “continentes” lunares. Todavia, alguns desses instrumentos de utilização passiva ainda podem ser utilizados até hoje, ainda que precariamente, como os sistemas de espelhos refletores que permitem a monitorização da distância entre a Terra e a Lua através de pulsos de raios laser, lunar laser ranging[3], e possibilitam, por exemplo, obter o mais apertado limite sobre a constância da constante da gravitação universal de Newton \(\frac{\dot{G}}{G}\leq \left ( 4\pm 9 \right )\times 10^{-13}ano^{-1}\)[4]

Desde 2004, várias sondas foram enviadas pelo Japão, China, Índia, Estados Unidos e pela Agência Espacial Europeia. A crescente informação daí resultante tem permitido a descoberta de água gelada em crateras que não são iluminadas. No dia 3 de janeiro de 2019, a China tornou-se o primeiro país a alunar no lado oculto da Lua com a sua missão Chang’e-4, cujo nome foi dado em honra à deusa chinesa da Lua. Por seu turno, a Índia foi o quarto país a alunar através da missão Chandrayaan-2 (que significa «veículo espacial» em sânscrito) com o intuito de explorar o polo sul lunar, ainda que sem sucesso, devido a falhas de comunicação com a sonda nos dois quilómetros acima da superfície lunar. E mais conhecimento científico pode ser alcançado com futuras missões, inclusive como ponto fulcral nas perspetivadas missões a Marte. Em particular, importa encontrar um método de propulsão mais rentável para missões a Marte, o que parece ser a propulsão química[5]. Todavia, futuras missões à Lua podem ter como objetivo a implantação de colónias espaciais. Ora, para tal, importa encontrar as condições de manutenção de vida terrestre nas instalações e fazer o melhor aproveitamento energético das mesmas. A título de exemplo, pode considerar-se a possibilidade de utilizar as condições lunares, como os gradientes de temperatura entre a superfície e regiões profundas, de modo a sustentar energicamente um ciclo termodinâmico de Rankine (converte calor em trabalho mecânico através de uma transição de fase de um fluido, tipicamente a água) para uma pequena unidade de três colonos de forma autossuficiente[6].

Do ponto de vista económico, é provável que existam na Lua concentrações significativas de elementos raros, como o urânio, o tório e o disprósio, ou outros materiais não resolúveis visualmente pela observação orbital remota em regiões restritas geograficamente[7]. A Lua é muito rica em Hélio-3, um isótopo não radioativo do Hélio, abundante no vento solar, mas que é raro na Terra devido à sua magnetosfera; este elemento será um combustível essencial para futuros reatores de fusão nuclear.

Tendo em conta a participação de diversas nações, individualmente, como EUA, China, Japão e Índia, ou coletivamente, no caso Europeu, importa regular a exploração lunar. De facto, a Lua é considerada juridicamente aberta à exploração pacífica por qualquer nação da Terra de acordo com o Tratado do Espaço Exterior de 1966[8]. Segundo este acordo, há que respeitar os objetos celestes de modo que o Espaço não pode nunca ser utilizado para missões com propósitos bélicos. Nesse sentido há que desenvolver uma verdadeira responsabilidade cósmica[9], [10], [11]!

Referências

  1. https://solarsystem.nasa.gov/moons/earths-moon/by-the-numbers/.
  2. http://www.russianspaceweb.com/spacecraft_planetary_lunar.html.
  3. J. O. DICKEY, et al. Lunar Laser Ranging: A Continuing Legacy of the Apollo Program, Science. 265, 5171. 482-490. 1994.
  4. G. WILLIAMS, S. G. et al. Phys. Rev., Lett. 93, 261101. 2004.
  5. A. G. C. GUERRA, et al. Comparison of Four Space Propulsion Methods for Reducing Transfer Times of Manned Mars Mission, 2015.
  6. F. FRANCISCO & O. BERTOLAMI Ensuring Uninterrupted Power Supply to Lunar Installations Through an Organic Rankine Cycle, 2019.
  7. I. A. CRAWFORD Lunar Resources: A Review, Progress in Physical Geography: Earth and Environment, 39(2), 137-167.
  8. WWW http://www.unoosa.org/oosa/en/ourwork/spacelaw/treaties/outerspacetreaty.html.
  9. O. BERTOLAMI O Livro das Escolhas Cósmicas, Ed. Gradiva, 2006.
  10. O. BERTOLAMI Cosmological thinking: cultural heritage and challenge, 2010.
  11. O. BERTOLAMI & C. GOMES A Origem do Universo, in Ética Aplicada: Investigação Científica, Edições 70. 2018.


Criada em 28 de Outubro de 2019
Revista em 13 de Janeiro de 2020
Aceite pelo editor em 30 de Setembro de 2020