Plasticidade Fenotípica

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Referência : Lima, NRW, Sodré, GA, Lima, HRR, Paiva, SR, Kaiowá, ALG, Coutinho, AJ, (2017) Plasticidade Fenotípica, Rev. Ciência Elem., V5(2):017
Autor: Neuza Lima, Gabriel Sodré, Helena Lima, Selma Paiva, Adriana Kaiowá, Ana Coutinho
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: http://doi.org/10.24927/rce2017.017

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Resumo

A plasticidade fenotípica é definida como a capacidade de um determinado ser vivo apresentar diferentes características em função das condições ambientais.


O Boldo Mirim (Plectranthus neochilus, Schltr.) é uma planta que apresenta diferenças fisiológicas e morfológicas quando cultivada em condições ambientais variadas tais como intensidade luminosa, altitude, humidade. As variações vão desde a expressão da reprodução, sexuada ou não, até ao número de folhas por ramo, a distância dos entrenós, a área foliar e a morfologia externa das folhas. Tais variações são úteis para explicar o conceito de plasticidade fenotípica.

O genótipo é o conjunto de genes de um indivíduo e o fenótipo é a expressão destes genes em um dado ambiente. Por isso, em diferentes ambientes um dado genótipo pode se expressar como uma variedade de fenótipos, um processo denominado plasticidade fenotípica. Portanto, a plasticidade fenotípica é definida como a capacidade de um determinado ser vivo apresentar diferentes características em função das condições ambientais.

A plasticidade fenotípica ocorre em todos os seres vivos e pode ser restrita ou ampla dependendo das características tanto do genótipo do indivíduo como também dos ambientes onde o indivíduo nasceu, cresceu e/ou se reproduziu. Ela pode ser classificada em quatro categorias e compreendida pelos seguintes exemplos listados no Quadro 1.

 

Quadro 1. Categorias de plasticidade fenotípica e alguns exemplos envolvendo diferentes seres vivos.

 

Categorias Exemplos
Morfológica - Aumento da área foliar de plantas devido à redução da intensidade luminosa.
- Redução no tamanho do corpo de asas de insetos em função do empobrecimento de fonte alimentar.
Fisiológica - Alteração na produção de substâncias tóxicas por serpentes devido a mudanças nas fontes nutricionais.
- Alteração na pressão arterial de humanos devido ao consumo de determinadas substâncias.
Comportamental - Aumento na distância a ser percorrida por golfinhos em busca de alimento devido à escassez das presas e/ou presença de seus predadores com os tubarões.
Fenológica - Variação quanto ao período do ano para uma planta florir ou para um bando de aves migrarem para outra área devido a alterações climáticas.

 

Existe uma variedade de exemplos de plasticidade fenotípica que podem ser estudadas quanto à Norma de Reação de um genótipo, ou seja, quando se analisa o que ocorre com os indivíduos possuidores de um mesmo genótipo (geneticamente idênticos) quando estes são reciprocamente transplantados. Indivíduos geneticamente idênticos podem ser oriundos de estacas retiradas da mesma planta, planárias ou bactérias que se originaram por bipartição de um ser original, ou ainda irmãos que são gêmeos idênticos, entre outros exemplos.

Como demostra o Quadro 2, a Norma de Reação afere o quanto os indivíduos (genótipos) transplantados entre os ambientes (A e B) podem se aproximar em termos fenotípicos dos indivíduos que permaneceram em seu ambiente original. Na verdade, a Norma de Reação mede a plasticidade fenotípica sem a variação genotípica.

 

Quadro 2. Transplantes Recíprocos de Indivíduos com o mesmo Genótipo.

 

ESQUEMA EXPERIMENTAL
Indivíduos que cresciam no Ambiente A quando são transferidos para o Ambiente B apresentarão as mesma características fenotípicas?
quando são transferidos para o Ambiente apresentarão as mesma características fenotípicas? Indivíduos que cresciam no Ambiente B

 

Um exemplo de plasticidade fenotípica envolvendo características fisiológicas e morfológicas é o caso do Boldo Mirim cujas estacas originárias de uma única planta foram cultivadas em jardins sob diferentes condições de intensidade luminosa, altitude e humidade em duas cidades pertencentes ao Estado do Rio de Janeiro, na região sudeste do Brasil.

A primeira cidade é Teresópolis que está localizada na região serrana, a 871 metros acima do nível do mar, apresentando clima tropical seco. A outra cidade é Niterói que está localizada no nível do mar e possui clima tropical húmido.

O Boldo Mirim, cientificamente denominado Plectranthus neochilus e descrito por Rudolf Schlechter em 1896, é uma planta da família Lamiaceae originária da África, introduzida no Brasil durante o período colonial e que também é cultivada em países da Europa e da Ásia.

No Brasil, essa planta é também conhecida como Boldo Gambá ou Boldo Japonês ou ainda Boldo Pequeno e, assim como em outros países, ela é utilizada como planta ornamental devido ao seu aroma e inflorescência (Figura 1) e também como recurso terapêutico de uso popular para o tratamento de disfunções digestivas, hepáticas e respiratórias, através do chá de suas folhas ou aplicação de seu suco no tratamento de problemas cutâneos.

Diferentes cientistas demostraram em cultivos padronizados que o Boldo Mirim apresenta plasticidade fenotípica facilmente mensurável quando cresce em diferentes condições de insolação ou de enriquecimento de nutrientes, expressando diferenças nas características morfológicas externa e da anatômicas e também quanto ao rendimento de óleos essenciais (quantidade de óleos essenciais por biomassa de planta).

Os óleos essenciais são misturas complexas, constituídas por diversas substâncias que conferem o aroma ao Boldo Mirim e a outras plantas.

 

Figura 1. Boldo Mirim florindo em Teresópolis (à esquerda); detalhe da inflorescência (à direita).


Nos jardins localizados em Teresópolis e em Niterói observamos as estacas oriundas de uma mesma planta quando plantadas nessas cidades e cultivadas sob duas condições de intensidade solar apresentaram variações fenotípicas quanto às características reprodutivas e somáticas.

A reprodução sexuada que envolve produção de inflorescência foi exuberante no jardim sob sol intenso em Teresópolis (Figura 1) e de modo discreto no jardim ensolarado em Niterói. Nos jardins sombreados a reprodução ocorreu somente de modo assexuado, ou seja, somente com crescimento dos ramos e folhas com ausência de produção de inflorescências, provavelmente devido à redução na intensidade solar e também diferenças climáticas. A expressão de inflorescência pelo Boldo Mirim pode estar relacionada ao clima de Teresópolis que é tropical seco com temperatura com médias que variam entre 14,3 °C no inverno e 26,8 °C no verão. A cidade de Niterói possui clima tropical húmido com temperatura média que variam entre 20,2°C no inverno e 28,6°C no verão, onde não observamos inflorescência.

Em termos somáticos, observamos que: (i) o número de folhas por ramo; (ii) distância entrenós (distância entre as folhas ao longo dos ramos); (iii) área foliar média, foram diferentes tanto entre as condições de insolação como também em relação às condições geográficas e climáticas das cidades envolvidas (Teresópolis e Niterói), como está demostrado nas fotos das Figuras 2 e 3 e representado numericamente na Quadro 3.

Nos jardins localizados em Teresópolis e em Niterói observamos as estacas oriundas de uma mesma planta quando plantadas nessas cidades e cultivadas sob duas condições de intensidade solar apresentaram variações fenotípicas quanto às características reprodutivas e somáticas.

A reprodução sexuada que envolve produção de inflorescência foi exuberante no jardim sob sol intenso em Teresópolis (Figura 1) e de modo discreto no jardim ensolarado em Niterói. Nos jardins sombreados a reprodução ocorreu somente de modo assexuado, ou seja, somente com crescimento dos ramos e folhas com ausência de produção de inflorescências, provavelmente devido à redução na intensidade solar e também diferenças climáticas. A expressão de inflorescência pelo Boldo Mirim pode estar relacionada ao clima de Teresópolis que é tropical seco com temperatura com médias que variam entre 14,3 °C no inverno e 26,8 °C no verão. A cidade de Niterói possui clima tropical húmido com temperatura média que variam entre 20,2°C no inverno e 28,6°C no verão, onde não observamos inflorescência.

Em termos somáticos, observamos que: (i) o número de folhas por ramo; (ii) distância entrenós (distância entre as folhas ao longo dos ramos); (iii) área foliar média, foram diferentes tanto entre as condições de insolação como também em relação às condições geográficas e climáticas das cidades envolvidas (Teresópolis e Niterói), como está demostrado nas fotos das Figuras 2 e 3 e representado numericamente na Quadro 3.

Figura 2. Ramos do Boldo Mirim colhidos na área de sombra (esquerda) e área ensolarada (direita) em Teresópolis (à esquerda) e em Niterói (à direita), tendo como referência um paquímetro de 20 cm de comprimento.


Figura 3. Detalhes dos ápices de ramos de Boldo Mirim cultivado na área de sombra (à esquerda) e área ensolarada (à direita) em Niterói, tendo como referência um paquímetro graduado em centímetro.



 

Quadro 3. Plasticidade do Boldo Mirim em jardins de duas cidades do Brasil, Niterói e Teresópolis. Os valores das folhas foram obtidos de 12 ramos colhidos nos quatro jardins.

 

Características Fenotípicas Medidas nas Folhas do Boldo Mirim Jardins
Niterói Teresópolis
Sol intenso Sombra Sol intenso Sombra
Número médio de folhas 28,8 13,7 27,5 15,6
Distância média entrenós (cm) 0,2 2,3 0,2 2,5
Área foliar média (cm2) 13,1 27,0 18,2 38,7

 

Conforme demostrado na Quadro 3, o número médio de folhas no jardim sob sol intenso, em Niterói, foi 2 vezes maior que no jardim sob sombra. Padrão similar foi obtido em Teresópolis, pois o número de folhas no jardim sob sol intenso foi cerca de 1,8 vezes maior que no jardim sob sombra.

A distância média entre as folhas (cm) no jardim sob sombra em Niterói foi 11,5 vezes maior que no jardim sob sol intenso e com pouca irrigação nessa cidade. Padrão similar também foi obtido em Teresópolis, pois a distância média entre as folhas (cm) no jardim sob sombra foi cerca de 12,5 vezes maior que no jardim sob sombra.

Os valores das áreas foliares médias das plantas foram diferentes em função da intensidade solar e também da altitude, principalmente quando são comparadas as plantas cultivadas na sombra. Verificou-se que a área foliar média do Boldo Mirim cultivado na área de sol intenso em Niterói foi cerca de 2,0 vezes menor que na área de sombra. Em Teresópolis, a área foliar média do Boldo Mirim cultivado na área de sol intenso também foi cerca de 1,8 vezes menor que na área de sombra.

Considerando-se a altitude de cada cidade, observa-se que para as condições de sombra, a área foliar média do Boldo Mirim que foi cultivado em Teresópolis foi 1,40 vezes maior que a área foliar média do Boldo Mirim que foi cultivado em Niterói. O mesmo ocorreu quando são comparados os resultados das áreas foliares médias do Boldo Mirim cultivado sob sol intenso, pois em Teresópolis o valor desta medida foi 1,39 vezes maior que a área foliar média do Boldo Mirim que foi cultivado em Niterói.

Reunindo todos os padrões fenotípicos verificou-se que, com a redução na disponibilidade de luz solar, o Boldo Mirim aumenta a sua área foliar e a distância entrenós para o melhor aproveitamento da luminosidade no processo fotossintético, ao passo que, em condições de insolação plena, essa planta investe menos em área foliar e reduz a distância entre as folhas que ficam praticamente sobrepostas para evitar estresse por excesso de luz.

A quantidade de nutrientes no solo também pode ser responsável pela plasticidade fenotípica do Boldo Mirim. Alguns autores que estudaram o Boldo Mirim demonstraram que quando esta planta é cultivada em solo com adição de esterco avícola apresenta valores de crescimento em altura; a produção do número de folhas e o rendimento de óleos essenciais significativamente maiores que aqueles que foram Mirim cultivados em solos enriquecidos com esterco bovino ou com restos de vegetais. Variações na composição dos óleos essências bem como na morfologia interna e externa das folhas do Boldo Mirim também ocorrem em função das características do solo e da iluminação.

O estudo das características reprodutivas e somáticas do Boldo Mirim pode ser utilizado como modelo didático para abordar diferentes temas biológicos, como a Plasticidade Fenotípica, a Norma de Reação e também a Etnobotânica que é a área da ciência que estuda a relação entre os humanos e as plantas em toda sua complexidade.

É importante divulgar que, quando o Boldo Mirim é cultivado em área sob intensidade solar moderada e cujo solo foi adubado com esterco avícola ele expressa um grande alto rendimento de substancias de aplicabilidade dermatológica como é o caso dos óleos essenciais associado. Deste modo, os estudos sobre a plasticidade fenotípica do Boldo Mirim em relação à diferentes condições ambientais são úteis para orientar a população sobre a melhor forma de cultivá-lo e assim usufruir desta erva aromática quanto ao seu potencial decorativo e fitoterápico.

Cabe ressaltar que a plasticidade fenotípica das plantas também pode dificultar a identificação das espécies e levar ao uso terapêutico equivocado. Por exemplo, o consumo de chá ou suco de determinadas plantas medicinais que são reconhecidamente eficazes na fitoterapia podem, quando ingeridos em altas doses, podem causar um desconforto abdominal e até mesmo o aborto e edemas no fígado e nos rins.

Esse é caso da espécie Plectranthus barbatus Andrews que, apesar da sua reconhecida importância terapêutica, deve ser consumida sem exageros. Essa planta também é originaria da África e é chamada de Boldo Brasileiro, sendo por vezes confundida com um dos seus parentes, o Boldo Mirim.

Referências

  • 1 Bandeira, J. M.; Barbosa, F. F.; Barbosa, L. M. P.; Rodrigues, I. C. S.; Bacarin, M. A.; Peters, J. A. & Braga, E. J. B. Composição do óleo essencial de quatro espécies do gênero Plectranthus. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, volume 13, número 2, p. 157-164, 2011. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbpm/v13n2/v13n2a06.pdf
  • 2 Brandolt, T. D. D., Rodrigues, C. C. Sandro Márcio Nunes Ferrão, S. M. N. & Silva, G. M. B. Efeito do extrato de Plectranthus barbatus (Andr.) no desempenho reprodutivo de Rattus novergicus (Berkenhout, 1769). Biotemas, volume 20, número 2, p. 49-58, 2007. Disponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/biotemas/article/download/20725/18852
  • 3 Costa, M. C. C. D. Uso popular e ações farmacológicas de Plectranthus barbatus Andr. (Lamiaceae): revisão dos trabalhos publicados de 1970 a 2003. Revista Brasileira de Plantas Medicinais, volume 8, número 2, p. 81-88, 2006. Disponível em: http://www.sbpmed.org.br/download/issn_06/revisao.pdf
  • 4 Duarte, M. R. & Lopes, J. F. Stem and leaf anatomy of Plectranthus neochilus Schltr., Lamiaceae. Brazilian Journal of Pharmacognosy, volume 17, número 4, p.549-556, 2007. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/rbfar/v17n4/a13v17n4.pdf
  • 5 Figueiredo, AC, Pedro, LG, Barroso, JG Miguel, MG, Faleiro, ML & Ascensão, L, Volatile-oils composition, and bioactivity of the essential oils of Plectranthus barbatus, P. neochilus, and P. ornatus grown in Portugal. Chemistry & Biodiversity, volume 11, p. 719-732, 2014.
  • 6 Freitas, AVL, Coelho, MFB, Maia, SSS & Azevedo, RAB, Plantas medicinais: um estudo etnobotânico nos quintais do Sítio Cruz, São Miguel, Rio Grande do Norte, Brasil. Revista Brasileira de Biociências, volume 10, número 1, p. 48-59, 2012.
  • 7 Rosal, LF, Pinto, JEBP, Bertolucci, SKV, Brant, RS, Niculau, ES & Alves, PB, Produção vegetal e de óleo essencial de boldo pequeno em função de fontes de adubos orgânicos. Revista Ceres, volume 50, número 5, p. 670-678. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-737X2011000500020
  • 8 Viana, AJS Estudos químicos e de atividades biológicas de Plectrantus nechilus Scltr. (Lamiacea). 2011, 104p. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Química, Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri, Diamantina. Minas Gerais, Brasil. Disponível em: http://acervo.ufvjm.edu.br/jspui/handle/1/499




Criada em 15 de Junho de 2017
Revista em 15 de Junho de 2017
Aceite pelo editor em 15 de Junho de 2017