Infertilidade

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Referência : Aleixo, A. M., Almeida, V., (2021) Infertilidade, Rev. Ciência Elem., V9(4):066
Autor: Ana Margarida Aleixo e Vasco Almeida
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2021.066]
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Resumo

A infertilidade, definida como dificuldade em obter uma gravidez clínica após 12 meses de relações sexuais regulares e desprotegidas, afeta, em todo o mundo, cerca de 15% dos casais em idade fértil. Muitos fatores contribuem para este quadro, podendo ser exclusivamente femininos, exclusivamente masculinos, estar presentes nos dois membros do casal ou, numa significativa percentagem de situações, ser de causas desconhecidas.


A capacidade de engravidar e gerar um filho são acontecimentos extremamente importantes na vida de muitas pessoas, fortemente associados aos objetivos de alcançar uma vida plena, feliz e socialmente integrada[1]. Contudo, estima-se que 10 a 15% dos casais em idade fértil não consigam alcançar este objetivo, revelando, portanto, problemas de infertilidade[2]. Esta dificuldade em ter filhos afeta pessoas em todo o mundo, causando grande sofrimento emocional e psicológico. Pode levar a estados de angústia e depressão, discriminação e ostracismo[3], precisamente porque a pessoa não consegue alcançar este tão ambicionado projeto de vida

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Comissão Internacional para a Monitorização da Reprodução Medicamente Assistida (ICMART – International Committee for Monitoring Assisted Reproductive Technology) reconhecem a interfilidade como “uma doença do sistema reprodutivo definida pela falha em obter uma gravidez clínica após 12 meses ou mais de relações sexuais regulares e desportegidas”[4]. Considera-se que a infertilidade é primária quando não houve uma gravidez prévia e secundária quando um dos membros do casal já conseguiu uma gravidez, mesmo que tenha sido ectópica ou que tenha resultado em aborto[5].

A infertilidade sempre foi vista como estigmatizante. Contudo, no passado, era considerada uma fatalidade biológica, um “castigo dos deuses” e, portanto, algo impossível de ultrapassar. Atualmente, muitas pessoas recusam essa situação, uma vez que as técnicas de reprodução humana assistida permitem, com frequência, inverter a dificuldade em engravidar, permitindo a realização do objetivo de ter filhos[6]. Estudos recentes mostram que 1 em cada 50 crianças que nascem na Europa são resultado deste tipo de tratamentos[7], mas esta é uma forma difícil e dispendiosa de ultrapassar os efeitos da infertilidade. Idealmente, cada pessoa deve ter consciência dos seus fatores de risco e adotar estilos de vida que favoreçam a sua possibilidade de, agora ou no futuro, gerar um filho.

Muitos fatores contribuem para um quadro de infertilidade, incluindo fisiológicos, genéticos, ambientais e sociais[8], [9].

Historicamente, a infertilidade começou por ser tratada como um assunto exclusivamente feminino. Ainda hoje somos reféns dessa herança cultural e esse facto nota-se na quantidade muito menor de estudos científicos que abordam a perspetiva masculina do problema. Só na segunda metade do século XX, com o aparecimento da especialidade médica em andrologia, é que a comunidade científica começou a dar a devida importância ao papel do homem na reprodução e, portanto, ao seu contributo para a problemática da infertilidade de um casal[10].

As percentagens relativas a cada fator de infertilidade não são concensuais mas, de forma geral, pode considerar-se uma diversidade de causas exclusivamente masculinas, causas exclusivamente femininas, conjugação de fatores relacionados com os dois membros do casal ou até mesmo causas inexplicadas[11]. O aumento dos estudos científicos e o avanço dos meios de diagnóstico tem permitido uma clarificação cada vez maior das causas de infertilidade, aumentado a percentagem de causas atribuídas ao parceiro masculino e diminuindo as causas inexplicadas. Atualmente estima-se que o fator masculino contribui para a infertilidade em 30-40% dos diagnósticos e é a única causa em mais de 20% dos casos[12].

Um dos fatores mais determinantes da fertilidade de um casal e, portanto, dos que mais influencia a taxa de sucesso de qualquer técnica de reprodução humana assistida, é a idade da mulher: entre os 30 e os 35 anos há uma diminuição da fertilidade para metade e entre os 35 e os 40 anos, a mulher sofre uma diminuição para um terço da fertilidade inicial[13]. Este fator é tão importante que, no caso da mulher ter idade superior a 35 anos, o processo de avaliação e tratamento é iniciado após um período de apenas 6 meses de relações sexuais regulares e desprotegidas, sem que daí tenha resultado uma gravidez.

Adiar o projeto de ter filhos é uma atitude característica das sociedades atuais mas essa opção tem consequências graves: da parte da mulher ocorre uma diminuição drástica da quantidade e da qualidade dos ovócitos[14], [15]. Desta forma, é profundamente afetada a capacidade de engravidar de forma natural, mas também é comprometida a taxa de sucesso de qualquer técnica de reprodução humana assistida e a mulher vê agravadas as complicações obstétricas associadas a uma gravidez de idade mais avançada[16].

Relativamente à influência da idade masculina, esta tem efeitos mais tardios mas, obviamente, que não são de desprezar[17]. Está relacionada essencialmente com a diminuição da qualidade seminal (redução dos parâmetros do espermograma – volume, contagem, morfologia e mobilidade dos espermatozoides) e da integridade genética dos gâmetas masculinos, juntamente com alterações da função sexual[18], [19].

Dentro dos fatores exclusivamente femininos, um que se revela bastante preocupante é a endometriose. Estima-se que cerca de 6 a 10% das mulheres em idade fértil sofrem deste problema, que pode ser causador de infertilidade[20]. A endometriose é uma doença caracterizada pelo desenvolvimento de tecido endometrial fora do útero, provocando a formação de lesões que, por sua vez, induzem uma reação inflamatória crónica.

Se, entre mulheres saudáveis, a taxa de fecundidade mensal é de 15 a 20% (diminuindo com a idade avançada), esta pode ser reduzida para valores entre os 2 e os 10% em mulheres com endometriose[21]. O tratamento das lesões de endometriose pode fazer-se de forma medicamentosa ou por cirurgia, mas acarreta sempre dificuldades na capacidade de engravidar. Por um lado, quase todos os medicamentos usados (exceto os analgésicos, para atenuar as dores causadas pela inflamação) têm efeitos contracetivos, pelo que não podem ser usados, obviamente, por mulheres que pretendem ter filhos. Por outro lado, o tratamento cirúrgico pode diminuir ainda mais a produção de gâmetas que, já de si, tende a ser baixa[22].

O peso excessivo ou abaixo de valores recomendados influencia de forma inequívoca a fertilidade, uma vez que provoca alterações hormonais e metabólicas quer nos homens, quer nas mulheres. Gâmetas, embriões e útero parecem ser afetados negativamente pelo ambiente hormonal e metabólico anormal presente em homens e mulheres obesos[23].

Especialmente prevalente em países desenvolvidos, a obesidade afeta um número crescente de mulheres em idade fértil, prejudicando gravemente a possibilidade de gerar um filho de forma natural, aumentando os riscos na gravidez e contribuindo para a ineficácia de tratamentos de reprodução humana assistida[24]. Quando recorrem a esses tratamentos, mulheres obesas ou com excesso de peso necessitam de doses mais altas de gonadotrofinas (hormonas administradas para induzir o funcionamento dos ovários), períodos mais longos de estimulação ovárica e têm uma maior taxa de ciclos cancelados[25], [26], [27].

Por outro lado, alguns estudos recentes que incluem populações férteis jovens relataram uma alteração significativa no padrão hormonal masculino de homens obesos, levando a uma redução significativa em alguns parâmetros, como a concentração e contagem total de espermatozoides, e uma tendência para uma morfologia prejudicada destas células sexuais. Portanto, os casais correm um alto risco de infertilidade se ambos forem obesos. Atendendo ao facto de que os casais partilham, muitas vezes, comportamentos de estilo de vida semelhantes, é comum que algumas mulheres obesas tenham parceiros masculinos obesos, levando a um mau resultado reprodutivo desses casais, que pode ser o resultado da combinação de dois gâmetas de baixa qualidade, um embrião de baixa qualidade, que , por sua vez, pode chegar a um endométrio de baixa qualidade também[28].

É consensual a perceção de que estilos de vida que incluem o consumo de tabaco, álcool, cafeína, drogas e estupefacientes estão associados a malefícios diversos no organismo humano. Do mesmo modo, a exposição a agentes poluentes, por motivos profissionais ou do ambiente em geral, implica que homens e mulheres estejam sujeitos a ação de compostos químicos indutores de problemas de saúde. Incontornavelmente, esses efeitos terão repercussões também ao nível da saúde reprodutiva, tais como: disfunções ovulatórias, falência ovárica prematura, redução da qualidade espermática, alterações fisiológicas dos órgãos reprodutores, riscos de abortamento ou nascimento prematuro, mal formações no feto, entre outros[29], [30], [31], [32].

Cada pessoa tem direito a decidir sobre os seus projetos de parentalidade: se pretende ou não ter filhos, quantos e quando. Para que esta decisão seja esclarecida, é fundamental que todos tenham consciência dos fatores que poderão tornar esse projeto mais fácil ou mais difícil de alcançar. A infertilidade é, como se depreende, um problema complexo, com grande impacto na vida de muitos casais[33], [34]. A inversão dos fatores de infertilidade é extremamente difícil, levando a que cada vez mais se recorra a técnicas de reprodução humana assistida[35]. Contudo, estas técnicas, por muito promissoras que se apresentem, não conseguem dar uma resposta satisfatória em todos os casos. Torna-se, assim, muito importante que a população em idade fértil tenha informação sobre os fatores intrínsecos e ambientais que contribuem para a consecução desse objetivo de gerar um filho.

Referências

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  2. DGS, Saúde Reprodutiva - Infertilidade - Cuidados de Saúde Primários. 2011.
  3. MASCARENHAS, M. N. et al., National, Regional, and Global Trends in Infertility Prevalence Since 1990: A Systematic Analysis of 277 Health Surveys, PLoS Med., 9, 12. DOI: 10.1371/journal.pmed.1001356.
  4. ZEGERS-HOCHSCHILD, F. et al., The International Committee for Monitoring Assisted Reproductive Technology (ICMART) and the World Health Organization (WHO) Revised Glossary on ART Terminology, Hum Reprod., 2, 11, 2683- 2687. DOI: 10.1093/humrep/dep343. 2009.
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Criada em 30 de Outubro de 2020
Revista em 29 de Abril de 2021
Aceite pelo editor em 15 de Dezembro de 2021