A importância dos materiais ao longo da história foi de tal forma reconhecida, que os grandes marcos do desenvolvimento das sociedades foram classificados de acordo com o material que mais significativamente contribuiu para o seu avanço – quem não se lembra, das aulas de história, das Idades da Pedra, do Bronze e do Ferro? Mais perto dos nossos dias, o Sec. XX foi prodigioso em desenvolvimentos tecnológicos, com sucessivas Idades associadas ao aparecimento de materiais com propriedades nunca antes vistas, tais como o Pirex, o Teflon, as superligas de níquel, os semicondutores, etc., cujas aplicações tiveram um grande impacto na vida das pessoas. Em particular, os polímeros (ou plásticos) foram dos materiais mais utilizados pela indústria das embalagens descartáveis, por serem baratos, leves e resistentes. Para aplicações tecnológicas avançadas desenvolveram-se materiais compósitos de matriz polimérica, com exigências próprias, nomeadamente de baixo peso, alta resistência e alta durabilidade, as quais dificilmente seriam alcançadas sem a incorporação de uma fase de reforço, normalmente fibras sintéticas de vidro ou carbono produzidas com elevados consumos de energia.
No entanto, apesar dos inegáveis avanços dos materiais, o planeta acusa atualmente sinais preocupantes de degradação, com enormes quantidades de poluição e de acumulação de resíduos, especialmente oriundos de materiais plásticos que levam décadas a degradarem-se. Assim, um dos grandes desafios atuais passa por desenvolver materiais que sejam recicláveis ou que se degradem por si e possam ser produzidos a baixo custo. Por isso, há quem diga que estamos a entrar na Idade dos Materiais Sustentáveis e Biodegradáveis, enfrentando também os desafios trazidos pelas alterações climáticas e pela escassez de recursos renováveis.
A economia verde, as novas políticas sobre reciclagem e a mudança de valores sensibilizaram os consumidores para produtos ecologicamente corretos. Esta mudança de paradigma valoriza matérias primas vegetais, que são geralmente desperdiçadas, mas que podem ser aproveitadas para desenvolver produtos inovadores de base tecnológica e reduzir a pegada ecológica.
Nos Açores, a planta Hedychium gardnerianum1, ou conteira, como é vulgarmente conhecida no arquipélago, destaca-se na paisagem pela sua enorme abundância (Figura 1).
Oriunda dos Himalaias, chegou aos Açores no Sec. XIX para ornamentar os jardins, mas rapidamente invadiu a floresta Laurissilva e os terrenos anexos, sendo hoje em dia considerada uma invasora e a maior ameaça à flora Açoriana, única a nível mundial e com grande valor natural[2]. Presentemente, a conteira é vista pela população local como algo inútil e pela comunidade científica como uma séria ameaça às plantas endémicas, por ser mais resistente e de rápida proliferação.
Sabemos que erradicar esta invasora dos Açores através da aplicação de herbicidas é quase impossível. Além de dispendioso, o controlo químico da propagação da conteira não dá garantias de sucesso e levanta problemas ambientais como a contaminação dos aquíferos[3]. Em alternativa procede-se ao corte repetido da parte aérea da planta, que chega a atingir os 2 m de altura, o que resulta em grandes quantidades de caules e folhas, que não têm qualquer valor ou utilidade para a sociedade. Este processo de desbaste, corte e limpeza dos terrenos representa um elevado investimento, sem retorno, para a região. Porém, se esta planta for considerada como um recurso produzido a custo zero, verificamos que o seu grande potencial está no uso das suas fibras[4]. Totalmente biodegradáveis e de origem renovável, as fibras da conteira permitem desenvolver materiais compósitos avançados compatíveis com o ambiente[5], designados por biocompósitos, usados para o fabrico de diversos produtos com aplicações diversas que vão desde o ramo automóvel, passando pela construção e mobiliário, e também embalagens mais leves e resistentes, que ajudam no consumo sustentável.
Extraídas dos caules da planta, as fibras da conteira são morfologicamente constituídas por feixes de microfibrilas de celulose, unidos entre si por uma mistura de lignina e hemicelulose (Figura 2).
De modo a aumentar a capacidade de biodegradação do biocompósito, o material da matriz também pode ser um polímero de base biológica. Os poliésteres alifáticos termoplásticos (e.g. ácido poliláctico-PLA), são polímeros biodegradáveis e potenciais candidatos à produção de matrizes. No entanto, no que diz respeito à procura de alternativas inovadoras para a reutilização de todos os resíduos da conteira, há também a opção de aproveitar as vantagens únicas da matriz e das fibras serem ambas de origem vegetal, ou seja, à base de celulose. Este polissacarídeo, por ser o principal componente que confere rigidez à parede das células vegetais (cerca 33% da massa total da planta)[6], é também o principal responsável pelas propriedades mecânicas e resistência dos produtos dele obtidos. A biomassa de conteira é triturada, seca, peneirada e misturada com as fibras e uma cola aquosa. Segue-se a prensagem uniaxial em molde adequado que garanta a forma da peça que se pretende obter (Figura 3).
Numa altura em que a humanidade consome mais recursos do que o planeta é capaz de repor e se avolumam os problemas da poluição com microplásticos, o uso desta matéria-prima apresenta uma grande cumplicidade com os princípios da proteção da biodiversidade e da redução da poluição. Os produtos são biodegradáveis (ou compostáveis) em apenas 60 dias, e são adequados para embalagens que contactem com alimentos, assim como para servir pratos quentes e frios, sendo também resistentes à água. Não produzem resíduos que necessitem de tratamento, podendo no término da sua utilização ser usados como fertilizante de solos, completando o ciclo perfeito inerente aos princípios da economia circular.