Eugénio Conceição Silva (1903-1969)
Referência : Ré, P., (2019) Eugénio Conceição Silva (1903-1969), Rev. Ciência Elem., V7(2):035
Autor: Pedro Ré
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [http://doi.org/10.24927/rce2019.035]
Pai da Astronomia de Amadores em Portugal
Eugénio Conceição Silva (1903-1969) completou o curso de oficial da marinha de guerra portuguesa com 23 anos. Após ter efetuado diversas comissões nos mares da China, foi professor da Escola Naval, onde ensinou matemática, eletricidade, hidrografia, instrumentação e balística (a sua principal especialidade). Em 1948 é nomeado diretor do Laboratório de Explosivos e cria a oficina de ótica da Armada. Esta última permitiu à marinha portuguesa realizar diversos trabalhos na área da instrumentação ótica inovadores à época em Portugal. No final da década de 40 realiza alguns trabalhos de investigação nos campos da artilharia, balística e explosivos.
A par desta atividade profissional Eugénio Conceição Silva é talvez mais conhecido por ter sido um astrónomo amador e um astrofotógrafo reconhecido internacionalmente (FIGURA 1). Nas décadas de 40 e de 50 realizou numerosas observações (sobretudo de estrelas variáveis e de estrelas duplas) bem como centenas de astrofotografias que foram publicadas em diversas obras especializadas. Em 1954 foi-lhe atribuído o prémio anual da Sociedade Astronómica de França (ex-aequo com o astrónomo francês Jean Texereaux) e cinco anos mais tarde foi-lhe atribuído outro prémio conferido pela “Agrupacion Astronómica de Aster” (Barcelona). Escreveu diversos artigos na revista portuguesa de divulgação “Átomo”[1], publicou um livro sobre o sistema solar[1] e orientou a publicação da tradução portuguesa da obra “Astronomia” de Karl Strumpff, tendo igualmente realizado o prefácio da referida obra. Participou em diversas reuniões internacionais em Paris, Roma e Moscovo.
Foi igualmente Presidente do Conselho do Centro de Estudos Aeronáuticos, representante em Portugal da Federação Internacional de Astronáutica, o que evidencia o interesse que nutria por estas matérias.
Astronomia e Astrofotografia
Ao longo se mais de 25 anos, E.C. Silva acumulou milhares de observações astronómicas bem como centenas de astrofotografias de excelente qualidade. Algumas destas imagens e observações foram publicadas em diversos livros de astronomia (e.g. Sagot, R., J. Texerau, 1963, Revue des constellations e Paul, E.H. 1970, Outer Space Photography) bem como em algumas revistas da especialidade (L’Astronomie- Bulletin de la Société Astronomique de France e Jounal des observateurs- Centre Nationale de la Recherche Scientifique, Marseille).
As primeiras observações astronómicas foram realizadas com uma luneta astronómica por ele construída. Mais tarde foi construindo diversos telescópios refletores que utilizou regularmente (aberturas de 100 mm e 500 mm). O telescópio que construiu com 500 mm de abertura era na época o maior da Península Ibérica. Sobre este instrumento foram publicados diversos artigos nomeadamente na revista francesa L’Astronomie (janeiro de 1951) e Scientific American (setembro de 1952)[2] (FIGURA 2).
O telescópio de 500 mm foi instalado numa cúpula com 5,5 m de diâmetro edificada num anexo da sua residência na base do Alfeite. A cúpula rodava manualmente apoiada sobre 13 rolamentos. As primeiras observações com este instrumento datam de 1950. O espelho principal e secundário bem como a montagem equatorial foram construídas pelo Comandante Conceição Silva ao longo de 4 anos (1946/1950). A montagem em berço inglês não permitia a realização de observações próximo do polo celeste Norte, apenas era possível atingir uma declinação de 75º N. O berço e o tubo com uma secção octogonal foram construídos em contraplacado de 1” reforçado. O telescópio podia ser usado no foco principal (f/6) ou no foco Cassegrain (f/18) atingindo-se amplificações superiores a 800x nesta configuração.
A construção do espelho principal foi efetuada com uma ferramenta de 300 mm de diâmetro de acordo com as instruções descritas na obra Amateur Telescope Making-Advanced[2]. A parabolização do espelho principal foi efetuada recorrendo ao teste de Focault[3]. E.C. Silva refere que os primeiros testes efetuados com o telescópio foram coroados de sucesso tendo atingido facilmente uma magnitude limite de 15,5 (visual). O movimento sideral da montagem equatorial de berço foi assegurado por um sector que por sua vez era acionado por um centrifugador. Durante uma sessão de observação visual ou fotográfica era possível efetuar pequenos ajustes do movimento sideral acelerando ou reduzindo ligeiramente a velocidade de rotação do centrifugador.
O instrumento era munido de um sistema de porta-chapas fotográficas que permitia efetuar correções manuais nos eixos de Ascenção Reta e Declinação durante uma exposição de longa pose. A sua conceção foi inspirada no modelo descrito na obra Lunetes et Telescopes[3]. Este instrumento encontra-se atualmente em exposição nas galerias do Planetário Calouste Gulbenkian (FIGURA 3).
Entre os anos de 1950 e 1956 E.C. Silva realiza numerosas fotografias astronómicas de longa pose no foco principal (f/6) do telescópio de 500 mm. As primeiras imagens realizadas em 1950/1951 foram obtidas recorrendo a chapas Superfulgur. O tempo de total de exposição neste período variou entre 60 e 240 min. Em 1952/1953 são realizadas algumas astrofotografias com Chapas Kodak Super XX e a partir de 1953 quase todas as astrofotografias são obtidas recorrendo ao uso das emulsões espectroscópicas da Kodak (103 aO e 103 aE). Neste período as condições de observação no observatório do Alfeite não eram ainda muito afetadas pela poluição luminosa proveniente da cidade de Almada e de Lisboa. Por este motivo as imagens de objetos do céu profundo eram realizadas sem recorrer ao uso de quaisquer filtros. A partir de 1956 foi necessário usar filtros (Kodak W24) uma vez que a poluição luminosa era mais intensa. As últimas imagens obtidas com o telescópio de 500 mm datam de 1957 e são realizadas com chapas Kodak OaO e OaE com tempos de exposição de 60 a 300 min. O maior tempo de exposição registado diz respeito a uma imagem da nebulosa NGC7000 (475 min), tendo as imagens sido realizadas em 4 noites distintas[4].
A grande maioria das astrofotografias obtidas pelo Comandante Conceição Silva foram reproduzidas num CD-Rom editado pela Associação Portuguesa de Astrónomos Amadores e compilado pelo autor[5] (FIGURA 4). Estas imagens destacam-se ainda hoje pela sua elevada beleza e riqueza de pormenor. O Comandante Conceição Silva foi um dos pioneiros da astrofotografia em Portugal tendo servido de inspiração a diversas gerações de astrónomos amadores e de astrofotógrafos. Pode por este motivo afirmar-se sem qualquer margem para dúvidas que o Comandante E.C. Silva foi o pai da astronomia de amadores em Portugal.
Notas:
[1] A rotação da Terra. Átomo, 19500228; Vamos construir um telescópio? I. Átomo, 19500430; Vamos construir um telescópio? II. Átomo, 19500530; Vamos construir um telescópio? III. Átomo, 19500730; O observatório astronómico do Alfeite. Obra admirável de um amador que construiu o maior telescópio existente em Portugal. Átomo, 19500930; Vamos construir um telescópio? IV. Átomo, 19501130; Vamos construir um telescópio? VI. Átomo, 19510130; A visita ao obser-vatório astronómico do Alfeite. Átomo, 19510430; A segunda visita promovida por «Átomo» ao observatório do Alfeite. 19510530; Construção de oculares. I. Átomo, 19520229; Visitas de «Átomo» ao observatório do Alfeite. Átomo, 19521130; Viagens interplanetárias. I- Fantasias e realidades. Átomo, 19530228; Viagens interplanetárias. II- Métodos clássicos, foguetões e fontes de energia. Átomo, 19530330; Viagens interplanetárias. III- Considerações finais ou uma hipótese que se mantém sem resposta imediata. Átomo, 19530430; Mercúrio passou em frente ao Sol. Átomo, 19531130.
[2] About the fine telescope of a Portuguese navy officer
[3] No artigo publicado na revista Scientific American é referido que o espelho sofria de um defeito ligeiro de sub-correção.
[4] Cf. http://astrosurf.com/re/silva.html
[5] Astrophotography by Eugénio Conceição Silva (1903/1969) (CD-Rom).
[editar] Referências
- ↑ SILVA, E.C. O Sistema Solar. Biblioteca Cosmos, 74/75: 194pp, 1944.
- ↑ INGALLS, A.G. Amateur Telescope Making – Advanced: 650pp, 1946.
- ↑ DANJON, A. & A. COUDER, Lunetes et Telescopes. Editions de la Revue d’Optique Theorique et Instrumental, Paris. 1935.
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Criada em 17 de Maio de 2019
Revista em 5 de Junho de 2019
Aceite pelo editor em 21 de Junho de 2019