Poluição, um veneno silencioso para a saúde humana

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Referência : Ribeiro, H., (2019) Poluição, um veneno silencioso para a saúde humana, Rev. Ciência Elem., V7(4):069
Autor: Helena Ribeiro
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [http://doi.org/10.24927/rce2019.069]
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A Poluição é indiscutivelmente um dos maiores perigos e desafios que o mundo enfrenta presentemente. A influência antropogénica, frequentemente desregulada, nas diferentes esferas do ambiente tais como o ar, solo ou água acarreta problemas graves para a saúde pública. A Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que fatores ambientais estão na origem de 23% das mortes globais (12-18% na Europa). Torna-se assim necessário a conscientização da sociedade face à extensão deste problema e a adoção de uma atitude proativa, com alteração de hábitos e comportamentos, assim como implementação de regulamentação e políticas sustentáveis promotoras de um ambiente limpo e saudável que proporcione saúde e bem-estar.


O termo Poluição refere-se à contaminação do ambiente com qualquer matéria (poluente) que provoque desequilíbrios ou prejuízos ao equilíbrio ecológico da Terra ou afete a qualidade de vida dos seus habitantes. O incremento dos níveis de urbanização e industrialização decorrentes do desenvolvimento económico estimulam o consumo de recursos e produção de resíduos, que se não forem efetuados de forma sustentável, podem causar efeitos diretos a curto-prazo na saúde pública ou até mesmo causar danos complementares detetáveis apenas a médio ou longo-prazo.

Ao longo dos últimos anos, os resultados adversos da poluição ambiental na saúde humana e a magnitude dos seus impactos têm sido evidenciados em vários estudos de coorte. A poluição do ar, do solo e da água estão entre as principais questões ambientais que causam maior preocupação, estando a maior parte da população quotidianamente exposta a pelo menos uma destas formas de poluição.

Ar

A poluição do ar é considerada um dos maiores riscos ambientais para a saúde humana, particularmente nas áreas urbanas[1], contribuindo para o aumento de doenças e infeções respiratórias (asma, doença pulmonar obstrutiva crónica, pneumonia), doenças cardiovasculares, cancro do pulmão, AVCs[2].

Estima-se que está na origem de 4,2 milhões de mortes por ano em todo mundo, 400 mil mortes prematuras por ano na União Europeia (EU), resultando na diminuição da esperança de vida da população em 7,4 meses[3], sendo os mais afetados idosos, crianças, grávidas, portadores de doenças crónicas e os mais desfavorecidos socio-economicamente[4].

O ar que respiramos diariamente pode ser poluído por exemplo por partículas (PMs), fumo ou gases. Estes são considerados poluentes primários quando são emitidos diretamente para a atmosfera (e.g. CO, NOx, SOx, PMs, metano, hidrocarbonetos policíclicos aromáticos - PAH) ou poluentes secundários quando resultam de reações químicas envolvendo substâncias percursoras presentes no ar (e.g. formação de O3 troposférico através da reação fotoquímica com o NO2). A origem destes poluentes pode ser natural, por exemplo partículas provenientes da erosão do solo, ou antropogénica, por exemplo queima de combustíveis fósseis para produção de energia ou transporte. O ar é ainda fonte de contaminação do solo e água pela deposição dos poluentes nele presentes.

O último relatório publicado sobre a “Qualidade do Ar na Europa” mostra que esta tem vindo a melhorar significativamente, à semelhança do que acontece por exemplo nos EUA ou Austrália. No entanto a concentração no ar de alguns poluentes ainda excedem frequentemente os valores médios anuais estipulados de salvaguarda para a proteção da saúde humana[5], sendo frequente ouvirmos nas notícias alertas para estas excedências. Entre estes poluentes, a matéria particulada de pequenas dimensões em suspensão no ar, O3, NOx, CO2 e recentemente alguns compostos orgânicos voláteis carcinogénicos são os que causam maior preocupação.

A matéria particulada em suspensão no ar com dimensão inferior a 10 e 2,5 micrómetros (PM10 e PM2,5) (Figura 1) é a mais prejudicial para a saúde humana pois consegue ultrapassar o sistema respiratório superior e penetrar nos pulmões, podendo as partículas de dimensão submicrónica entrar na circulação sanguínea provocando impactos a nível do sistema respiratório e cardiovascular[6].

Os níveis elevados de ozono troposférico e o NO2 são relacionados com problemas de asma, bronquite, função pulmonar reduzida e infeções respiratórias induzindo elevadas taxas de morbilidade e morte prematura[7].


FIGURA 1. Matéria particulada presente na atmosfera, observada em microscopia eletrónica de varrimento (SEM).

Solo

O solo proporciona habitat, abrigo, alimento, nutrientes e atua também como importante filtro natural de contaminantes[8], [9]. No entanto, a existência, deposição ou infiltração de contaminantes, tais como metais pesados, produtos químicos ou microorganismos patogénicos, em concentrações mais elevadas que as normais representam um risco significativo para a saúde humana e restantes seres vivos[10]. Apesar dos esforços recentes, o impacto da poluição do solo na saúde humana, nomeadamente os efeitos a médio e longo-prazo da exposição aos poluentes, não se encontra bem documentado, sendo ainda um fenómeno marginalmente entendido com várias incertezas associadas[11], [12].

A principal fonte de contaminação do solo é antropogénica decorrente da deposição inadequada (acidental ou premeditada) de sustâncias ou subprodutos tóxicos e resíduos resultantes da atividade industrial, exploração mineira, expansão urbana, derramamentos ou uso de armas[13]. A agricultura intensiva (Figura 2) e a utilização de más práticas culturais é também uma das principais atividades contaminantes do solo pelo uso excessivo de agroquímicos, pela irrigação com águas residuais não tratadas ou pelo uso de corretivos do solo de origem animal. Estas ações incorporam no solo concentrações elevadas de elementos tóxicos que quando excedem a sua capacidade filtrante, perturbam o equilíbrio do solo e afeta a capacidade de cumprir a sua função[14].

A exposição do ser humano a estes poluentes pode dar-se pela ingestão de solo contaminado ou contaminação secundária dos lençóis freáticos. Acontece também através da cadeia alimentar pelo consumo de fruta, vegetais e carne uma vez que as raízes das plantas absorvem e acumulam nos seus órgãos os contaminantes que irão servir de alimento para humanos e animais para consumo humano[15], [16]. Tendo em conta que cerca de 98% da quantidade média de calorias ingeridas per capita mundialmente é proveniente de cultivo diretamente no solo ou dependem indiretamente do solo[17] esta é possivelmente uma das vias mais silenciosas de exposição recorrente.


FIGURA 2. Influência das atividades agrícolas no solo e água.

Entre os poluentes do solo com maior impacto na saúde humana encontram-se os metais pesados (arsénio, chumbo, cádmio, mercúrio), poluentes químicos orgânicos persistentes como os PCBs (bifenilos policlorados) e PAHs e alguns poluentes emergentes com importância crescente como produtos farmacêuticos, desreguladores endócrinos, patógenos multirresistentes e microplásticos[18], [19].

Os metais pesados apesar de serem elementos que se encontram naturalmente presentes no solo, podem ser incorporados através de diversas atividades antropogénicas tais como a agricultura, fundição, exploração mineira, incineração de resíduos e mais recentemente deposição de lixo eletrónico e informático[20], [21]. Estes elementos quando ingeridos e absorvidos continuamente ou em concentrações tóxicas podem induzir problemas gastrointestinais (As, Hg), cardiovasculares (As, Hg), hepáticos (As, Cd, Pb, Hg), neurológicos (As, Pb, Hg), ósseos (As, Cd, Pb) e de pele (As) umas vez que não são excretados, sendo acumulados nos tecidos e órgãos[22], [23]. Os poluentes químicos orgânicos persistentes, os poluentes emergentes e patógenos são também alguns dos contaminantes mais importantes da água.

Água

Em média 60% do organismo humano adulto é constituído por água sendo o seu consumo uma necessidade vital. Assim, qualquer mudança adversa na composição e condição da água que diminua a sua qualidade acarreta graves problemas para a saúde humana. De acordo com a OMS, a poluição da água é responsável por cerca de dois milhões de mortes em todo o mundo, sendo um dos principais vetores de transmissão de diversas doenças como a cólera, malária, poliomielite, responsável por infeções gastrointestinais e da pele, problemas neurológicos, ósseos e do sistema reprodutivo, cancro entre outras[24].

A poluição, direta ou indireta, de lagos, rios, oceanos, aquíferos e água subterrânea pela infiltração de contaminantes ou sua descarga sem tratamento adequado para remoção das substâncias nocivas tem sido documentada por todo o mundo, na Europa inclusive apesar de todos os esforços levados a cabo com a implementação das diretivas Diretiva-Quadro da Água (Diretiva 2000/60/CE) e Diretiva das Substâncias Prioritárias (Diretiva 2013/39/EU). Esta situação torna-se mais problemática particularmente nos países com menor rendimento per capita[25], [26].

Os principais contributos para a poluição da água são lixiviados de fertilizantes e águas residuais de origem agrícola, diferentes tipos de efluentes (industriais, domésticos, radioativos), centrais de tratamento de águas e resíduos, derrames decorrentes da exploração petrolífera e exploração mineira, transporte marítimo e fluvial e aquacultura[27].

Os metais pesados, poluentes orgânicos e sintéticos persistentes, produtos farmacêuticos, desreguladores endócrinos, patógenos multirresistentes e microplásticos encontram-se listados como os principais contaminantes da água[28], [29].

Os poluentes de origem orgânica e sintética, ocupam presentemente um lugar de destaque. Contaminantes como PCBs, PAHs, compostos organoclorados e organobrometos sofrem bioacumulação ao longo da cadeia alimentar podendo atingir níveis elevados de toxicidade quando finalmente entram em contacto com o ser humano[30]. Estes compostos podem afetar o sistema imunitário humano debilitando-o, potenciar diminuição na fertilidade e influenciar o sistema nervoso e hepático. Alguns deles são considerados carcinogénicos como os PAHs ou os compostos organoclorados como por exemplo as dioxinas que são acumuladas nos tecidos adiposos de alguns peixes[31].

Alguns contaminantes emergentes como fármacos, pesticidas, antibióticos, hormonas, produtos de higiene humana, produtos de limpeza são frequentemente encontrados na água mesmo após esta passar por processos convencionais de tratamento (águas residuais e para consumo)[32]. Estes poluentes apresentam propriedades desreguladoras endócrinas com efeitos a longo prazo na capacidade cognitiva e sistema reprodutivo, induzem stress oxidativo a nível celular com formação de espécies reativas de oxigénio e alterações na permeabilidade da membrana celular[33]. Adicionalmente, os microplásticos são um tipo de poluente emergente que tem a capacidade de absorver poluentes orgânicos e estudos recentes de toxicidade apontam para a possível contaminação humana através da ingestão de alimentos contaminados tais como peixe e molúsculos[34].

Referências

  1. EEA Air quality in Europe — 2018 report, European Environmental Agency, Luxemburgo. 2018.
  2. WHO Review of evidence on health aspects of air pollution — REVIHAAP project technical report, World Health Organization Regional Office for Europe, Copenhaga, Dinamarca. 2013
  3. WHO Review of evidence on health aspects of air pollution — REVIHAAP project technical report, World Health Organization Regional Office for Europe, Copenhaga, Dinamarca. 2013
  4. EEA Unequal exposure and unequal impacts: social vulnerability to air pollution, noise and extreme temperatures in Europe, European Environmental Agency, Luxemburgo. 2018.
  5. WHO Ambient air pollution: A global assessment of exposure and burden of disease, World Health Organization, Genebra, Suíça. 2016.
  6. WHO Health effects of particulate matter. Policy implications for countries in eastern Europe, Caucasus and central Asia, World Health Organization Regional Office for Europe, Copenhaga, Dinamarca. 2013.
  7. WHO Ambient air pollution: A global assessment of exposure and burden of disease, World Health Organization, Genebra, Suíça. 2016.
  8. MOEBIUS-CLUNE, B. et al. Comprehensive Assessment of Soil Health – The Cornell Framework, Edição 3.2, Universidade de Cornell, Geneva, NY. 2016.
  9. RODRÍGUEZ-EUGENIO, N. et al. Soil Pollution: a hidden reality, Food and Agriculture Organization (FAO), Roma, Itália. 2018.
  10. BREVIK, E. & BURGESS, L. The Influence of Soils on Human Health, Nature Education Knowledge, 5,1. 2014.
  11. RODRÍGUEZ-EUGENIO, N. et al. Soil Pollution: a hidden reality, Food and Agriculture Organization (FAO), Roma, Itália. 2018.
  12. BREVIK, E. & BURGESS, L. The Influence of Soils on Human Health, Nature Education Knowledge, 5,1. 2014.
  13. RODRÍGUEZ-EUGENIO, N. et al. Soil Pollution: a hidden reality, Food and Agriculture Organization (FAO), Roma, Itália. 2018.
  14. RODRÍGUEZ-EUGENIO, N. et al. Soil Pollution: a hidden reality, Food and Agriculture Organization (FAO), Roma, Itália. 2018.
  15. BREVIK, E. & BURGESS, L. The Influence of Soils on Human Health, Nature Education Knowledge, 5,1. 2014.
  16. KHAN, A. et al. The uptake and bioaccumulation of heavy metals by food plants, their effects on plants nutrients, and associated health risk: a review, Environmental Science and Pollution Research, 22, 13772-13799. 2015.
  17. BREVIK, E. & BURGESS, L. The Influence of Soils on Human Health, Nature Education Knowledge, 5,1. 2014.
  18. RODRÍGUEZ-EUGENIO, N. et al. Soil Pollution: a hidden reality, Food and Agriculture Organization (FAO), Roma, Itália. 2018.
  19. BREVIK, E. & BURGESS, L. The Influence of Soils on Human Health, Nature Education Knowledge, 5,1. 2014.
  20. BREVIK, E. & BURGESS, L. The Influence of Soils on Human Health, Nature Education Knowledge, 5,1. 2014.
  21. RAI, P. et al. Heavy metals in food crops: Health risks, fate, mechanisms, and management, Environment International, 125, 365-385. 2019.
  22. BREVIK, E. & BURGESS, L. The Influence of Soils on Human Health, Nature Education Knowledge, 5,1. 2014.
  23. RAI, P. et al. Heavy metals in food crops: Health risks, fate, mechanisms, and management, Environment International, 125, 365-385. 2019.
  24. WHO Health as the Pulse of the New Urban Agenda: United Nations Conference on Housing and Sustainable Urban Development, World Health Organization, Quito. 2016.
  25. WHO Health as the Pulse of the New Urban Agenda: United Nations Conference on Housing and Sustainable Urban Development, World Health Organization, Quito. 2016.
  26. EVANS, A. et al. Agricultural water pollution: key knowledge gaps and research needs, Current Opinion in Environmental Sustainability, 36, 20-27. 2019.
  27. EEA Chemicals in European waters. Knowledge developments, European Environmental Agency, Luxemburgo. 2018.
  28. EEA Chemicals in European waters. Knowledge developments, European Environmental Agency, Luxemburgo. 2018.
  29. EEA Contaminants in Europe’s seas. Moving towards a clean, non-toxic marine environment, European Environmental Agency, Luxemburgo. 2019.
  30. EEA Contaminants in Europe’s seas. Moving towards a clean, non-toxic marine environment, European Environmental Agency, Luxemburgo. 2019.
  31. EEA Contaminants in Europe’s seas. Moving towards a clean, non-toxic marine environment, European Environmental Agency, Luxemburgo. 2019.
  32. EEA Chemicals in European waters. Knowledge developments, European Environmental Agency, Luxemburgo. 2018.
  33. EEA Chemicals in European waters. Knowledge developments, European Environmental Agency, Luxemburgo. 2018.
  34. EEA Contaminants in Europe’s seas. Moving towards a clean, non-toxic marine environment, European Environmental Agency, Luxemburgo. 2019.




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Criada em 16 de Outubro de 2019
Revista em 19 de Outubro de 2019
Aceite pelo editor em 17 de Dezembro de 2019