Parques eólicos: o vilão das aves e morcegos

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Referência : Moreira, M., (2019) Parques eólicos: o vilão das aves e morcegos, Rev. Ciência Elem., V7(3):057
Autor: Mafalda Moreira
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [http://doi.org/10.24927/rce2019.057]
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A energia gerada nos parques eólicos (energia eólica), proveniente do aproveitamento do vento, é um contributo significativo no combate ao aquecimento global. Sendo este um problema tão grande nos dias de hoje, porquê ser considerado um pequeno vilão? Existem vários impactes negativos na biodiversidade, principalmente no grupo das aves e morcegos. Estas desvantagens, que podem ser mais ou menos intensas, devem ser avaliadas e minimizadas, mesmo sendo considerada uma “energia verde”.


O recurso às energias renováveis cresceu exponencialmente nas últimas décadas, como resposta às crescentes necessidades energéticas a nível mundial, sendo que a energia eólica foi aquela que mais evoluiu tecnologicamente. Neste sentido, a energia eólica surgiu como uma alternativa promissora aos combustíveis fósseis, combatendo assim a libertação excessiva de gases de efeito de estufa (GEE) e, consequentemente, o aquecimento global.

No entanto, apesar dos claros benefícios, as infraestruturas dos parques eólicos podem ter vários impactes na fauna selvagem, nos vertebrados terrestres e/ou voadores, sendo que as aves e os morcegos são, de facto, os grupos onde os maiores danos são reportados[1], durante a construção e operação dos parques eólicos.

As aves e os morcegos podem ser afetados por dois grandes tipos de impactes: os diretos, em que ocorrem fatalidades por colisão com as pás da turbina em rotação, ou indiretos, que incluem a perda e/ou fragmentação do habitat ou a alteração do comportamento normal dos indivíduos pela perturbação causada[2]. Apesar destes impactes se revelarem mais determinantes num grupo ou outro, não existe dúvida que as mortalidades diretas por colisão são o fator comum com maior impacte nas populações de aves e morcegos.

O que torna as aves e morcegos tão vulneráveis à colisão com as turbinas? A construção de parques eólicos implica a existência de obstáculos verticais que, além do mais, não são estáticos, as turbinas. Assim, inevitavelmente, criam-se interferências nas passagens aéreas dos indivíduos entre os locais de alimentação, nidificação, acasalamento e até nas rotas migratórias, o que aumenta o risco de colisão.

Mas então quais são os superpoderes deste vilão? Na verdade, as turbinas conseguem confundir, repelir e até mesmo atrair os animais.


Figura 1. Turbinas de um parque eólico, construídas numa cumeada montanhosa de Portugal.
A) e duas das espécies mais afetadas em Portugal: o morcego-arborícola-pequeno (Nyctalus leisleri) (Fonte: iucnredlist.org);
B) e o peneireiro-vulgar (Falco tinnunculus) (Fonte: findingnature.co.uk).

O que se esperaria era que os indivíduos evitassem a aproximação às novas infraestruturas, evitando assim colisões com as mesmas, mas, no caso dos morcegos, ocorre exatamente o contrário. Acontece que, algumas espécies, percecionam de forma errada as turbinas, ou seja, confundem-nas principalmente com árvores onde poderiam empoleirar-se, caçar e acasalar[3]. Qualquer uma destas atividades, como, por exemplo, a própria procura de parceira, aumenta a probabilidade de colisão com as turbinas[4]. Outra forma de atração, mas, neste caso indireta, é a acumulação de insetos perto das turbinas (devido à luz existente) que acaba por atrair também os morcegos para se alimentarem perto das mesmas, o que, novamente, aumenta o risco de serem apanhados por uma pá em movimento[5]. Quanto à confusão que possa ser originada pelas turbinas, o melhor exemplo é talvez o facto de os morcegos não conseguirem distinguir os ecos produzidos pela superfície das torres das turbinas e pela água, o que os leva a passagens e contactos frequentes com as infraestruturas[6].

Existem outros fatores que podem aumentar a probabilidade de mortalidade dos morcegos como, por exemplo, os movimentos migratórios que ocorrem[7] ou as condições meteorológicas. Aliás, as taxas de colisão mais elevadas são registadas durante o fim do verão e outono, quando a atividade dos mesmos é mais elevada devido, entre outros fatores, aos períodos de migração[8]. Por outro lado, a temperatura e as baixas velocidades de vento estão positivamente correlacionadas com uma maior atividade perto das turbinas[9].

Contrariamente ao que acontece com os morcegos, as aves alteram o comportamento quanto à utilização de áreas com parques eólicos: ou evitam a uma pequena escala ou então acabam por evitar todo o parque eólico, o que pode interferir com as áreas normalmente utilizadas pelos indivíduos[10]. Ora, se este novo obstáculo as obriga a maiores distâncias de voo, então o esforço e gasto calórico será também maior, o que influencia a condição física da ave, podendo mesmo ser prejudicial para a mesma. Tal como nos morcegos, a atração também funciona nesta classe de seres vivos, especialmente quando as condições meteorológicas são más, devido às luzes existentes nas turbinas, aumentando assim a probabilidade de colisão[11]. No entanto, as aves de rapina colidem mesmo sob as melhores condições de visibilidade, o que nos indica que existem outros fatores que influenciam o risco de colisão das aves. Esses fatores podem ser agrupados em: características da espécie, do local e particularidades do parque eólico[12]. No caso das aves de rapina, trata-se de um fator relacionado com a espécie, pois estas usam uma técnica de voo durante a caça que as torna mais vulneráveis à colisão, ou seja, aproximações a alta velocidade que exigem grande nível de concentração. O mesmo se verifica para as aves planadoras, pois estas aproveitam as principais correntes de vento para voos menos dispendiosos energeticamente e, por isso, locais com muito vento (como os parques eólicos) são preferenciais para estas aves. Outros fatores como a perceção sensorial, fenologia e comportamento podem ser incluídos no grupo das características dependentes da espécie que influenciam o risco de colisão[13]. Já quanto ao local, o risco poderá depender do relevo (algumas aves usam, por exemplo, encostas íngremes e vales com mais frequência), da obstrução dada a rotas migratórias, da quantidade de recursos alimentares e das condições meteorológicas do local[14], ou seja, a própria localização geográfica do parque eólico reflete-se no risco oferecido aos organismos. Por fim, nos fatores relativos ao parque eólico, são questões mais mecânicas como, por exemplo, a configuração do parque ou a visibilidade das pás[15].

Tal como nos morcegos, existem outros fatores que aumentam o risco de colisão como, por exemplo, as condições de voo fornecidas pelas condições meteorológicas, pois a presença de chuva, nevoeiro ou durante a noite, quando a visibilidade é reduzida, dificultam a capacidade de controlo de voo e manobras de desvio[16]. Além do mais, estas condições de má visibilidade, em conjunto com ventos fortes, levam a uma diminuição da altura de voo durante a migração, aumentando o risco de colisão[17].

Todos os impactes mencionados, para ambos os grupos, acabam por ser mais significativos quando se trata de espécies com maior longevidade, taxas reprodutivas baixas ou, então, quando se trata de espécies com estatuto de conservação desfavorável pela sua raridade. Em Portugal, todos os morcegos e algumas espécies de aves estão protegidos devido, precisamente, ao seu risco de extinção, pois as suas populações não têm uma capacidade de resposta rápida e, por isso, são mais afetadas pelas mortalidades resultantes da colisão com as infraestruturas eólicas. Daí que seja importante, por um lado, recorrer cada vez mais às energias renováveis e, por outro, tentar mitigar os impactes resultantes, para um melhor equilíbrio entre os requisitos humanos e a Natureza. Para tal, evita-se a perturbação de áreas preferenciais de determinadas espécies ou, numa fase posterior, aplicam-se medidas de minimização ou compensação de impactes[18]. Estas medidas podem passar por evitar o posicionamento de turbinas em locais propícios a correntes de vento utilizadas por aves planadoras, por exemplo, ou posiciona-las de modo a criar corredores de voo, ou então, desligar temporariamente as turbinas aquando da passagem de bandos migratórios[19].

Referências

  1. DAI, K., et al. Environmental issues associated with wind energy – A review. Renew. Energy, 75, 911–921, 2015
  2. DAI, K., et al. Environmental issues associated with wind energy – A review. Renew. Energy, 75, 911–921, 2015
  3. CRYAN, P. M. et al. Behavior of bats at wind turbines. Proc. Natl. Acad. Sci, 111, 15126–15131, 2014
  4. CRYAN, P. M. & BARCLAY, R. M. R. Causes of bat fatalities at wind turbines: Hypothesis and predictions. J. Mammal, 90, 1330–1340, 2009
  5. HORN, J. W., et al. Behavioral Responses of Bats to Operating Wind Turbines. J. Wildl. Manage, 72, 123–132, 2008
  6. HALE, A., et al., Could the smooth surfaces of tower monopoles be a contributing factor to bat fatalities at wind turbines?, Conference on Wind Energy and Wildilfe Impacts, 2017.
  7. ZIMMERLING, J. R. & FRANCIS, C. M. Bat mortality due to wind turbines in Canada. J. Wildl. Manage, 80, 1360–1369, 2016
  8. BAERWALD, E. F. & BARCLAY, R. M. R. Patterns of activity and fatality of migratory bats at a wind energy facility in Alberta, Canada. J. Wildl. Manage, 1103–1114, 2011.
  9. BAERWALD, E. F. & BARCLAY, R. M. R. Patterns of activity and fatality of migratory bats at a wind energy facility in Alberta, Canada. J. Wildl. Manage, 1103–1114, 2011.
  10. MAY, R., et al. Mitigating wind-turbine induced avian mortality: Sensory, aerodynamic and cognitive constraints and options. Renew. Sustain. Energy Rev., 42, 170–181, 2015
  11. WANG, S., et al. Ecological impacts of wind farms on birds: Questions, hypotheses, and research needs. Renew. Sustain. Energy Rev., 42, 170–181, 2015
  12. MARQUES, A. T. et al. Understanding bird collisions at wind farms: An updated review on the causes and possible mitigation strategies. Biol. Conserv, 179, 40–52, 2014
  13. MARQUES, A. T. et al. Understanding bird collisions at wind farms: An updated review on the causes and possible mitigation strategies. Biol. Conserv, 179, 40–52, 2014
  14. MARQUES, A. T. et al. Understanding bird collisions at wind farms: An updated review on the causes and possible mitigation strategies. Biol. Conserv, 179, 40–52, 2014
  15. MARQUES, A. T. et al. Understanding bird collisions at wind farms: An updated review on the causes and possible mitigation strategies. Biol. Conserv, 179, 40–52, 2014
  16. LANGSTON, R. H. W. & PULLAN, J. D. Windfarms and Birds: an analysis of the effects of windfarms on birds, and guidance on environmental assessment criteria and site selection issues. Conv. Conserv. Eur. Wildl. Nat. Habitats 23rd meeti, 1–58, 2003
  17. WANG, S. & WANG, S., Impacts of wind energy on environment: A review, Renew. Sustain. Energy Rev. 49, 437–443, 2015
  18. ARNETT, E. B. & MAY, R. F. Mitigating wind energy impacts on wildlife: Approaches for multiple taxa. Human-Wildlife Interact, 10, 28–41, 2016
  19. ARNETT, E. B. & MAY, R. F. Mitigating wind energy impacts on wildlife: Approaches for multiple taxa. Human-Wildlife Interact, 10, 28–41, 2016




Recursos relacionados disponíveis na Casa das Ciências:

  1. Morcegos de Portugal;
  2. Morcego-de-ferradura-pequeno;
  3. Morcego-de-ferradura-pequeno.




Criada em 13 de Dezembro de 2018
Revista em 21 de Janeiro de 2019
Aceite pelo editor em 16 de Outubro de 2019