Os fundamentos do eletromagnetismo

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Referência : Lage, E., (2021) Os fundamentos do eletromagnetismo, Rev. Ciência Elem., V9(1):016
Autor: Eduardo Lage
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2021.016]
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Resumo

O conhecimento de fenómenos elétricos e magnéticos vem já da Antiguidade Clássica: na Grécia de Aristóteles, descobriu-se que o âmbar (‘elektron’) atrai penas ou pós e que a pedra de Magnésia atrai pequenos pedaços de ferro; na China desses tempos já o compasso magnético era usado na navegação. Contudo, o estudo sistemático destes fenómenos só viria a ocorrer nos séculos. XVIII e XIX: Charles du Fay (1733) reconhece haver dois tipos de eletricidade (‘vítrea’ e ‘resinosa’), mas seria Benjamim Franklin a propor a existência de cargas positivas e negativas. Neste trabalho são apresentados os conceitos fundamentais do campo eletromagnético, discutidas as equações de Maxwell e deduzidas as propriedades genéricas relativas às conservações da energia e do momento do campo.


O primeiro resultado quantitativo deve-se a Charles A. Coulomb (1784) que, com uma balança de torção, mediu a força entre cargas verificando a sua proporcionalidade ao inverso do quadrado da distância entre elas; Carl F. Gauss (1813) demonstra que o fluxo da ‘força eléctrica’ (hoje dizemos campo) através de uma superfície fechada é inteiramente determinado pela carga elétrica no interior dessa superfície; Hans C. Oersted (1820) surpreende- se ao constatar que uma agulha magnética é defletida por uma corrente elétrica, a primeira evidência de fenómenos elétricos e magnéticos estarem relacionados; e André M. Ampère (1821) estabelece de forma analítica que correntes paralelas se atraem e correntes antiparalelas se repelem, iniciando assim a eletrodinâmica. Contudo, os progressos mais notáveis devem-se a Michael Faraday que, primeiro, inventa o conceito de campo, uma condição do espaço originada pela presença de cargas e que transmite, através de linhas de força, a acção que essas cargas exercem, à distância, sobre outras; e, segundo, descobrindo (1831) a lei da indução que viria a revolucionar as formas de geração e transmissão de energia. Finalmente, James Clerk Maxwell estabelece (1864) as equações que regem o campo eletromagnético e demonstra que uma perturbação deste campo se propaga no vazio com a velocidade da luz, efetuando, deste modo a redução da óptica a um capítulo do Eletromagnetismo.


FIGURA 1. A) Carl Firedrich Gauss (1777-1855). B) Charles-Augustin de Coulomb (1736-1806). C) Hans Christian Ørsted (1777-1851). D) André-Marie Ampère (1775-1836). E) Michael Faraday (1791-1867). F) James Clerk Maxwell (1831-1879).

As fontes do campo eletromagnético

Cargas elétricas geram o campo eletromagnético (c.e.m.) e são, por sua vez, por ele atuadas. Dois conceitos fundamentais são definidos para as cargas:

a) Densidade volúmica de carga (\(\rho \)):


\(\rho \left ( \vec{r},t \right )dV\) (1)


é a carga no elemento de volume \(dV\), centrado no ponto cujo vetor de posição é \(\vec{r}\) (num referencial cartesiano arbitrário), no instante \(t\).


b) Densidade volúmica de corrente (\(\vec{i}\))


\(\vec{i}\cdot \vec{n}dS\) (2)


é a carga que, na unidade de tempo, atravessa o elemento de superfície \(dS\) no sentido da sua normal unitária \(\vec{n}\).

A estrita conservação da carga eléctrica é um facto experimental e facilmente se exprime sob forma analítica. Com efeito, considere-se uma qualquer superfície fechada \(\Sigma\), imóvel, e defina-se, em cada um dos seus pontos, a normal unitária exterior \(\vec{n}\). Então, \(\int_{\Sigma}^{}dS\vec{i}\cdot \vec{n}\) é a carga que sai através da superfície na unidade de tempo. Por outro lado, a carga no interior do domínio D limitado por aquela superfície, é \(Q\left ( t \right )=\int_{D}^{}dV\rho \left ( \vec{r},t \right )\). A conservação da carga exprime-se, simplesmente, afirmando que a diminuição, por unidade de tempo, desta carga é igual à que sai, através da superfície, no mesmo tempo (note-se que ‘diminuição’ e ‘sair’ são, aqui, entendidas no sentido algébrico, mas estas designações estão relacionadas: uma diminuição negativa é um aumento real e uma saída negativa é uma entrada real). Assim:


\(-\frac{dQ}{dt}=-\int_{D}^{}dV\frac{\partial \rho }{\partial t}=\int_{\Sigma}^{}dS\vec{i}\cdot \vec{n}=\int_{D}^{}dV\bigtriangledown \cdot \vec{i}\)


Aqui, a última expressão é obtida pelo teorema de Gauss (\(\bigtriangledown \cdot \vec{i}\) é a divergência do campo das correntes). Como a superfície escolhida é arbitrária, deduz-se a expressão analítica da conservação da carga:


\(\frac{\partial \rho }{\partial t}=-\bigtriangledown \cdot \vec{i}\) (3)


Este resultado é absolutamente geral, aplicando-se quer a correntes de condução,


\(\vec{i}=\rho \vec{v}\) (4)


onde \(\vec{v}\) é a velocidade das cargas, quer a correntes magnéticas sem carga associada, como acontece, por exemplo, com o neutrão que possui um momento magnético intrínseco (a densidade de corrente exprime-se através de um rotacional, pelo que são nulos ambos os membros da eq. 3).


A força de Lorentz e os campos elétrico e magnético

A densidade volúmica de força exercida sobre cargas e correntes escreve-se, com toda a generalidade, sob a forma:


\(\vec{f}=\rho \vec{E} +\vec{i}\wedge \vec{B}\) (5)


Esta expressão serve para definir os campos elétrico (\(\vec{E}\)) e magnético (\(\vec{B}\)). Com efeito, considere-se o caso particular de correntes de condução e imagine-se um pequeno domínio, de volume \(dV\). A força actuando neste domínio é:


\(\vec{f}dV=\left ( \rho dV \right )\left ( \vec{E}+\vec{v}\wedge \vec{B} \right )=\delta Q\left ( \vec{E}+\vec{v}\wedge \vec{B} \right )\)


onde \(\delta Q=\rho dV\) é a carga no pequeno volume. Para uma única carga pontual (\(q\)), esta expressão reduz-se à forma habitual da força de Lorentz:


\(\vec{F}=q\left ( \vec{E}+\vec{v}\wedge \vec{B} \right )\) (6)

Assim, com a carga parada no referencial escolhido, fica completamente identificada a intensidade do campo elétrico: é a força que se exerce sobre a unidade de carga imóvel. Colocando a carga em movimento, a força que nela actua apresenta um termo adicional proporcional à velocidade, mas a ela perpendicular, o que permite definir a intensidade do campo magnético. Notar-se-á que apenas o campo elétrico realiza trabalho.

Considere-se, agora, um fio metálico de pequena espessura percorrido por uma corrente elétrica de Intensidade \(I\), i.e., a carga (positiva) que passa, em cada segundo, numa secção do fio. O fio é eletricamente neutro \(\left ( \rho =0 \right )\) porque a densidade de iões imóveis \(\left ( \rho _{+}>0 \right )\) compensa a densidade eletrónica \(\left ( \rho _{-}<0 \right )\). Contudo, os eletrões são livres de se mover e o seu fluxo é a corrente elétrica. A força exercida pelo campo na unidade de volume é, então, \( \rho _{-}\vec{v}\wedge \vec{B}\). Considere-se um pequeno elemento de fio de tamanho \(dl\) e secção reta \(s\). A força que se exerce sobre este elemento escreve-se \( \rho _{-}\vec{v}\wedge \vec{B}dls=-\rho _{-}\left | \vec{v} \right |sd\vec{l}\wedge \vec{B}\) onde o pequeno vetor \(d\vec{l}\) tem a direcção e sentido contrário à velocidade eletrónica e, portanto, com o sentido da corrente elétrica. Ora, \(I=-\rho _{-}\left | \vec{v} \right |s\) pois que, por definição, é a carga positiva que atravessa a secção s em cada segundo. Deste modo, a força exercida no elemento \(d\vec{l}\) do circuito é:


\(d\vec{F}=Id\vec{l}\wedge \vec{B}\) (7)


Esta força é conhecida por força de Laplace e fornece um outro método explícito para medir o campo magnético (usando, por exemplo, a balança das correntes).


As equações de Maxwell

A seguir são escritas as equações fundamentais do c.e.m. sob forma diferencial, na primeira coluna, usando os operadores divergência e rotacional, e sob forma integral, na segunda coluna. Cada uma delas leva a designação por que é habitualmente conhecida.

a) Equação de Maxwell-Coulomb ou Maxwell-Gauss


\(\bigtriangledown \cdot \vec{E}=\frac{\rho}{\varepsilon _{0}}\; \; \; \; \; \int_{\Sigma}^{}dS\vec{n}\cdot \vec{E}=\frac{Q}{\varepsilon _{0}}\) (8)


O fluxo do campo elétrico através de uma superfície fechada é a carga eléctrica no interior da superfície (dividida por \(\varepsilon _{0}\), uma constante universal).


b) Equação de Maxwell-Gauss


\(\bigtriangledown \cdot \vec{B}=0\; \; \; \; \; \int_{\Sigma}^{}dS\vec{n}\cdot \vec{B}=0\) (9)


O fluxo do campo magnético através de qualquer superfície fechada é nulo. Comparando com a equação anterior, tal significa não existirem cargas magnéticas.


c) Equação de Maxwell-Faraday


\(\bigtriangledown \cdot \vec{E}=-\frac{\partial \vec{B}}{\partial t}\; \; \; \; \; \oint_{\Gamma }^{}d\vec{l}\cdot \vec{E}=-\frac{d\Phi _{m}}{dt}\) (10)


A circulação do campo elétrico ao longo de uma linha fechada (a sua força eletromotriz) é igual e de sinal contrário à variação, em cada segundo, do fluxo magnético através dequalquer superfície que se apoie nessa linha. De forma equivalente, a variação do fluxo magnético \(\Phi _{m}\), seja qual for a sua origem, induz uma força eletromotriz num circuito fechado.


d) Equação de Maxwell-Ampère


\(\bigtriangledown \wedge \vec{B}=\mu _{0}\left ( \vec{i}+\varepsilon _{0}\frac{\partial \vec{E}}{\partial t} \right )\; \; \; \; \; \oint_{\Gamma }^{}d\vec{l}\cdot \vec{B}=\mu _{0}\left [ I+\frac{d}{dt}\int_{\Sigma_{a}}^{}dS\vec{n} \cdot \varepsilon _{0}\vec{E} \right ]\) (11)


O último termo do segundo membro, conhecido por corrente de deslocamento, foi introduzido por Maxwell para compatibilizar esta equação com a lei de conservação de carga. Esta equação significa que a circulação do campo magnético através de qualquer linha fechada é determinada pelas correntes que atravessam qualquer superfície que se apoie sobre essa linha, sejam elas correntes de condução ou de deslocamento.


São necessárias várias observações:

i) O operador diferencial nabla (▽) intervém nas definições de divergência (eqs. (8) e (9)) e de rotacional (eqs. (10) e (11)) – ver ‘Gradiente, divergência, rotacional’.


ii) Nas formas integrais da segunda coluna, o símbolo \(\Sigma\) designa uma superfície fechada e \(\vec{n}\) é o versor da normal exterior em cada ponto da superfície; o símbolo \(\Gamma \) designa uma linha fechada e \(d\vec{l}\) é um vetor infinitesimal tangente à linha, de comprimento \(\left \| d\vec{l} \right \|\), designando- se por circulação aqueles integrais de linha; este sentido de circulação determina o sentido da normal (regra do saca-rolhas) nos respectivos integrais de superfície, sendo esta aberta (símbolo \(\Sigma_{a}\)) e apoiando-se na linha. Todas estas linhas e superfícies estão imóveis no referencial escolhido.


iii) Na forma integral em (10), \(\Phi _{m}\) é o fluxo do campo magnético através de uma qualquer superfície aberta \(\Sigma_{a}\), apoiada no contorno \(\Gamma\):


\(\Phi _{m}=\int_{\Sigma_{a}}^{}dS\vec{n}\cdot \vec{B}\) (12)


iv) As constantes \(\varepsilon _{0}\) e \(\mu _{0}\) são universais mas os seus valores dependem dos sistema de unidades escolhido. No SI, a permeabilidade magnética do vácuo (\(\mu _{0}\)) tem o valor (postulado) \(\mu _{0}=4\pi \times 10^{-7}\) H/m (henry por metro) e a permitividade elétrica do vazio (\(\varepsilon _{0}\)) é \(\varepsilon _{0}\equiv \frac{1}{\mu _{0}c^{2}}\approx \frac{1}{36\pi}\times 10^{-9}\) F/m (farad por metro), onde c é a velocidade da luz no vazio.

Finalmente, uma importante observação. As equações do campo são lineares nas incógnitas \(\vec{E}\) e \(\vec{B}\). Deste modo, é válido o princípio da sobreposição: o campo para várias fontes é a soma algébrica dos campos para cada uma das fontes.


Propriedades de simetria das equações do c.e.m.

a) Inversão do tempo

Imagine-se a substituição \(t\rightarrow -t\) de modo que \(\frac{\partial }{\partial t}\rightarrow -\frac{\partial }{\partial t}\) e \(\vec{i}\rightarrow -\vec{i}\), mas \(\rho \rightarrow \rho\). A conservação de carga, eq (3), é invariante sob esta transformação. Observando a eq. (8), vê-se que \(\vec{E}\rightarrow \vec{E}\); então, a invariância da eq. (10) exige \(\vec{B}\rightarrow - \vec{B}\). Quer dizer, sob inversão do tempo (‘pôr o filme a andar para trás’), as equações de Maxwell são invariantes não distinguindo o sentido do tempo, uma propriedade inerente a processos reversíveis. Note-se que a força de Lorentz fica invariante, também, como devia ser.


b) Inversão do espaço

Considere-se, agora, a transformação \(\vec{r}\rightarrow - \vec{r}\) que corresponde, por exemplo, a usar-se um referencial cartesiano invertido em relação inicialmente escolhido. Nestas condições, \(\bigtriangledown \rightarrow -\bigtriangledown \), \(\vec{i}\rightarrow - \vec{i}\), mas \(\rho \rightarrow \rho\) (é um escalar). Assim, a eq. (8) exige \(\vec{E}\rightarrow - \vec{E}\), i.e. o campo elétrico é um vetor polar pois transforma-se como o vetor de posição (ver ‘Escalares, vetores e tensores cartesianos’). Sendo assim, a eq. (10) mostra que \(\vec{B}\rightarrow - \vec{B}\) - o campo magnético é um vetor axial (ou pseudovector). Com estes resultados, verifica-se facilmente que as eqs. (3) e (11) são invariantes.

Estas propriedades do c.e.m. sob inversão do tempo ou do espaço revelar-se-ão muito úteis na obtenção de soluções de problemas concretos do eletromagnetismo.


Os potenciais eletromagnéticos

As equações de campo, no seu conjunto, são duas equações escalares, eqs. (8) e (9), e duas equações vectoriais, eqs. (10) e (11), i.e., um total de oito equações para, apenas, seis incógnitas (as três componentes de \(\vec{E}\) e as três componentes de \(\vec{B}\)). Este excesso de equações para o número de incógnitas levanta duas questões: a sua compatibilidade e a possibilidade de redução a um número de equações igual ao número de incógnitas. A questão da compatibilidade foi, como referido, resolvida por Maxwell com a sua introdução da corrente de deslocamento. A questão da redução é, agora, considerada.

A eq. (9) é automaticamente satisfeita se se escrever:

\(\vec{B}=\bigtriangledown \wedge \vec{A}\) (13)

Este campo auxiliar \(\vec{A}\) designa-se por potencial vetorial magnético. Inserindo na eq. (10), obtém-se:

\(\bigtriangledown \wedge \left ( \vec{E}+\frac{\partial \vec{A}}{\partial t} \right )=0\; \; \; \; \; \rightarrow \; \; \; \; \; \vec{E}=-\frac{\partial \vec{A}}{\partial t}-\bigtriangledown \varphi \) (14)

Aparece um novo campo escalar (\(\varphi \)) designado por potencial elétrico. Inserindo estes resultados nas eqs. (8) e (11), e usando identidades entre operadores vetoriais, obtém-se:

\(\bigtriangledown \cdot \frac{\partial \vec{A}}{\partial t}+\bigtriangleup \varphi =-\frac{\rho }{\varepsilon _{0}}\) (15)

\(-\Delta\vec{A}+\bigtriangledown \left ( \bigtriangledown \cdot \vec{A} \right )=\mu _{0}\left [ \vec{i}-\varepsilon _{0}\left (\frac{\partial ^{2}\vec{A}}{\partial t^{2}} + \bigtriangledown \left ( \frac{\partial \varphi }{\partial t} \right ) \right ) \right ]\) (16)

Os campos físicos são \(\vec{E}\) e \(\vec{B}\), enquanto que os campo auxiliares \(\vec{A}\) e \(\varphi \) podem ser escolhidos de várias maneiras mas sempre garantindo os mesmos campos físicos pelas eqs. (13) e (14). Cada escolha é designada por fixação de um padrão (“gauge transformation”). Duas escolhas habituais são:


i) O padrão de Lorentz

\(\bigtriangledown \cdot \vec{A}+\frac{1}{c^{2}}\frac{\partial \varphi }{\partial t}=0\) (17)


onde foi usada a relação \(\varepsilon _{0}\mu _{0}c^{2}=1\) entre estas constantes.

Então, a eqs. (15) e (16) ficam:


\(\frac{1}{c^{2}}\frac{\partial ^{2}\varphi }{\partial t^{2}}-\Delta \varphi =\frac{\rho }{\varepsilon _{0}}\) (18)

\(\frac{1}{c^{2}}\frac{\partial ^{2}\vec{A} }{\partial t^{2}}-\Delta \vec{A} =\mu_{0}\vec{i}\) (19)


Note-se que estas quatro equações são, essencialmente, da mesma forma analítica, o que muito simplifica a procura de soluções.


ii) O padrão de Coulomb


\(\bigtriangledown \cdot \vec{A}=0\) (20)


Deste modo, a eq. (15) reduz-se à equação de Poisson:


\(\Delta\varphi =-\frac{\rho }{\varepsilon _{0}}\) (21)


e a eq.(16) fica:


\(\frac{1}{c^{2}}\frac{\partial ^{2}\vec{A}}{\partial t^{2}}-\Delta \vec{A}=\mu_{0}\left [ \vec{i}-\varepsilon _{0}\bigtriangledown \frac{\partial \varphi }{\partial t} \right ]\equiv \mu_{0}\vec{i}_{T}\) (22)


onde \(\vec{i}_{T}\equiv \vec{i}-\varepsilon _{0}\bigtriangledown \frac{\partial \varphi }{\partial t}\) é conhecida por densidade de corrente transversal porque facilmente se verifica ser \(\bigtriangledown \cdot \vec{i}_{T}=0\).

A escolha de um ou outro padrão depende do problema em análise e será exemplificado em “Campo magnético estacionário”[1] e “Teoria da radiação”[2]. Note-se, em qualquer caso, que as propriedades de inversão do tempo e do espaço conduzem aos seguintes resultados:

inversão do tempo \(\vec{A}\rightarrow -\vec{A}\; \; \; \; \; \varphi \rightarrow \varphi \)

inversão do espaço \(\vec{A}\rightarrow -\vec{A}\; \; \; \; \; \varphi \rightarrow \varphi \) (23)


Assim, o potencial vetorial é um vector polar enquanto o potencial elétrico é um verdadeiro escalar.


Conservação da energia e do momento do c.e.m.

Apenas o campo elétrico realiza trabalho sobre cargas e correntes, pelo que o trabalho realizado na unidade de tempo (potência) e por unidade de volume, é:


\(\frac{\delta ^{2}W}{\delta t\delta V}=\vec{i}\cdot \vec{E}\) (24)


Usando a eq. (11) para substituir a corrente, obtém-se:


\(\frac{\delta ^{2}W}{\delta t\delta V}=\left [ \frac{1}{\mu_{0}}\bigtriangledown \wedge \vec{B}-\varepsilon _{0}\frac{\partial \vec{E}}{\partial t} \right ]\cdot \vec{E}\)


Ora, é fácil verificar a seguinte identidade:


\(\vec{E}\cdot \bigtriangledown \wedge \vec{B}=\vec{B}\cdot \bigtriangledown \wedge \vec{E}-\bigtriangledown \cdot \left ( \vec{E}\wedge \vec{B} \right )\)


Lembrando a eq. (10) e substituindo nas anteriores equações, pode-se escrever:


\(\frac{\delta ^{2}W}{\delta t\delta V}=-\frac{\partial u}{\partial t}-\bigtriangledown \cdot \vec{S}\) (25)


onde:


\(u\equiv \frac{1}{2}\varepsilon _{0}\vec{E}^{2}+\frac{1}{2\mu_{0}}\vec{B}^{2}\) (26)


é a densidade de energia eletromagnética; e:


\(\vec{S}\equiv \frac{1}{\mu_{0}}\vec{E}\wedge \vec{B}\) (27)


é o fluxo de energia eletromagnética ou vetor de Poynting (1884).

Estas definições ganham sentido se se integrar a eq. (25) sobre um domínio D limitado por uma superfície fechada \(\Sigma \) de normal unitária exterior \(\vec{n}\) e se aplicar o teorema de Gauss:


\(-\frac{d}{dt}\int_{D}^{}dVu=\int_{D}^{}dV\left [ \frac{\delta ^{2}W}{\delta t\delta V}+\bigtriangledown \cdot \vec{S} \right ]=\frac{\delta W}{\delta t}=\int_{\Sigma }^{}dS\vec{n}\cdot \vec{S}\) (28)


Por palavras: a diminuição, na unidade de tempo, da energia eletromagnética contida no domínio (primeiro membro) é igual ao trabalho realizado, na unidade de tempo, pelo c.e.m. sobre as cargas e correntes no interior do domínio (primeiro termo do segundo membro) adicionado do fluxo de energia eletromagnética que sai deste domínio através da superfície na mesma unidade de tempo (segundo termo do segundo membro). A eq. (28) é, assim, uma lei genérica de conservação da energia e revela já a existência de um fluxo de energia através do espaço.

Considere-se, agora, a densidade de força eletromagnética, eq. (5) – é a força exercida pelo c.e.m. sobre as cargas e correntes situadas na unidade de volume. Como tal, é a quantidade de movimento transferida pelo campo para a matéria contida na unidade de volume, em cada segundo. Usando as eqs. (8) e (11), substituam-se as densidades de carga e corrente na expressão da força, para obter:


\(\vec{f}=\varepsilon _{0}\vec{E}\left ( \bigtriangledown \cdot \vec{E} \right )+\left [ \frac{1}{\mu_{0}}\bigtriangledown \wedge \vec{B}-\varepsilon _{0} \right ]\wedge \vec{B}=\)

\(=\varepsilon _{0}\vec{E}\left ( \bigtriangledown \vec{E} \right )+\frac{1}{\mu_{0}}\left ( \bigtriangledown \wedge \vec{B} \right )\wedge \vec{B}-\varepsilon _{0}\frac{\partial \left ( \vec{E}\wedge \vec{B} \right )}{\partial t}+\varepsilon _{0}\vec{E}\wedge \frac{\partial \vec{B}}{\partial t}\)


Defina-se a densidade de momento do c.e.m. por:


\(\vec{g}=\epsilon _{0}\vec{E}\times \vec{B}\) (29)


e use-se a eq. (10) no último termo acima. Tem-se:


\(\vec{f}=\varepsilon _{0}\vec{E}\left ( \bigtriangledown \cdot \vec{E} \right )+\frac{1}{\mu_{0}}\left ( \bigtriangledown \wedge \vec{B} \right )\wedge \vec{B}-\frac{\partial \vec{g}}{\partial t}-\varepsilon _{0}\vec{E}\wedge \left ( \bigtriangledown \wedge \vec{E} \right )=\)

\(=-\frac{\partial \vec{g}}{\partial t}+\varepsilon _{0}\vec{E}\left ( \bigtriangledown \cdot \vec{E} \right )-\varepsilon _{0}\vec{E}\wedge \left ( \bigtriangledown \wedge \vec{E} \right )-\frac{1}{\mu_{0}}\vec{B}\wedge \left ( \bigtriangledown \wedge \vec{B} \right )+\frac{1}{\mu_{0}}\vec{B}\left ( \bigtriangledown \cdot \vec{B} \right )\)


onde se adicionou um termo (o último, no segundo membro) que é nulo pela eq. (9). Assim escrito, vê-se que os termos que só contêm o campo elétrico são formalmente idênticos aos termos que só contêm o campo magnético, pelo que basta tratar um deles. Ora, é fácil verificar a seguinte identidade:


\(\vec{E}\left ( \bigtriangledown \cdot \vec{E} \right )-\vec{E}\wedge \left ( \bigtriangledown \wedge \vec{E} \right )=\vec{E}\left ( \bigtriangledown \cdot \vec{E} \right )+\vec{E}\cdot \bigtriangledown \vec{E}-\frac{1}{2}\bigtriangledown \left ( \vec{E}^{2} \right )\)


Considere-se uma componente genérica (i = 1, 2, 3 ) para os dois primeiros termos do segundo membro: \(E_{i}\sum_{j=1}^{3}\frac{\partial E_{j}}{\partial x_{j}}+\sum_{j=1}^{3}\frac{\partial E_{i}}{\partial x_{j}}E_{j}=\sum_{j=1}^{3}\frac{\partial }{\partial x_{j}}\left ( E_{i}E_{j} \right )\)

Inserindo acima, conclui-se que se pode escrever todo o segundo membro do seguinte modo:


\(\sum_{j=1}^{3}\frac{\partial }{\partial x_{j}}\left ( E_{i}E_{j}-\frac{1}{2}\vec{E}^{2}\delta _{ij} \right )\)


Aqui, \(\delta _{ij}\) é o símbolo de Kronecker. Regressando à expressão da força, obtém-se finalmente:


\(f_{i}=-\frac{\partial g_{i}}{\partial t}-\sum_{j=1}^{3}\frac{\partial \tau _{ij}}{\partial x_{j}}\) (30)


onde:


\(\tau _{ij}=u\delta _{ij}-\varepsilon _{0}E_{i}E_{j}-\frac{1}{\mu_{0}}B_{i}B_{j}\) (31)


é conhecido por tensor de Maxwell e onde u é a densidade de energia definida na eq. (26).

De notar que o traço deste tensor é, simplesmente, \(\tau _{ij}=u\).

As definições apresentadas ganham sentido se se integrar a eq. (30) sobre um domínio D limitado por uma superfície fechada \(\Sigma \) de normal unitária exterior \(\vec{n}\) e se aplicar o teorema de Gauss:


\(-\frac{d}{dt}\int_{D}^{}dV\; g_{i}=\int_{D}^{}dV\; f_{i}+\int_{\Sigma }^{}dS_{\tau _{ij}}n_{j}\)


Por palavras: a diminuição, em cada segundo, do momento do campo, é igual à soma do momento transferido, em cada segundo, para as cargas e correntes no interior do domínio (i.e., a força exercida pelo campo) com o fluxo do momento através da superfície que limita o domínio. É a expressão da lei genérica de conservação do momento do campo.

Os resultados obtidos mostram que o c.e.m. é sede de densidades de energia e de momento, parte dos quais é transferida para a matéria e a outra parte propaga-se no espaço constituindo fluxos que transmitem a ação do campo a distâncias arbitrárias onde podem ser absorvidos por outras cargas e correntes.

Por último, notar-se-á, por comparação das eqs. (27) e (29), que \(\vec{g}=\left ( \frac{1}{c^{2}} \right )\vec{S}\).


Uma divisão metodológica para o estudo do eletromagnetismo

O eletromagnetismo é um dos mais importantes capítulos da Física abarcando múltiplos tópicos e imensas aplicações. O seu estudo assenta no conhecimento prévio de alguns resultados básicos, agrupados arbitrariamente nas seguintes áreas:

i) Eletrostática

ii) Campo magnético estacionário

iii) Polarização elétrica e magnetização

iv) Circuitos elétricos

v) Ondas eletromagnéticas

vi) Teoria da radiação


Cada uma destas áreas pode ter um desenvolvimento autónomo sem deixar de se integrar na teoria geral do eletromagnetismo.

Referências

  1. LAGE, E., Campo magnético estacionário, Rev. Ciência Elem. no prelo.
  2. LAGE, E., Teoria da radiação, Rev. Ciência Elem.. no prelo.


Criada em 24 de Julho de 2020
Revista em 8 de Fevereiro de 2021
Aceite pelo editor em 15 de Março de 2021