Imunidade

Da WikiCiências
Share/Save/Bookmark
Revisão das 14h30min de 9 de maio de 2019 por Admin (discussão | contribs)

(dif) ← Revisão anterior | Revisão actual (dif) | Revisão seguinte → (dif)
Ir para: navegação, pesquisa

Referência : Moreira, C., (2013) Imunidade, Rev. Ciência Elem., V1(1):006
Autor: Catarina Moreira
Editor: José Feijó
DOI: [http://doi.org/10.24927/rce2013.006]
PDF Download


Em sentido lato, consiste nos diversos processos fisiológicos que o organismo tem disponíveis para reconhecer corpos estranhos, neutralizá-los e eliminá-los.

Os sistemas imunitários desenvolveram dois tipos de mecanismos de defesa: imunidade inata e imunidade adaptativa.

  • imunidade inata (ou não específica): tem como função impedir a entrada de agentes patogénicos no organismo, não desencadeando respostas personalizadas ao agente patogénico. Presente em todos os animais e plantas com flor
  • imunidade adaptativa (ou específica): caracteriza-se por desencadear respostas personalizadas para cada tipo de patógeno e por ter efeito de memoria (após uma primeira infecção, num segundo ataque pelo patógeno o organismo é mais célere na sua resposta). Presente em vertebrados com mandíbulas.


imunidade inata (ou não específica)

Consiste num conjunto de processos que confere protecção contra agentes patogénicos impedindo a entrada dos agressores ou destruindo-os se já se encontrarem no interior do organismo.

Em animais, entrada de agentes pode ser impedida por barreiras físicas ou por secreções e enzimas: a pele, as mucosas, os pêlos das narinas, a flora vegetal interna, o suor, as lágrimas, a saliva, o suco gástrico e o muco vaginal. A segunda defesa dá-se caso os agentes patogénicos já estejam no interior do organismo. Pode ser local (fagocitose) ou sistémica (febre, sistema complemento e interferões):

  • fagocitose: capacidade de algumas células envolverem substâncias com extensões da membrana plasmática e as digerirem já no seu interior. As células com capacidade fagocitária (fagócitos) podem ser de três tipos:
    • eosinófilos: com fraca capacidade fagocitária
    • neutrófilos: são os primeiros a fagocitar
    • macrófagos: são células de grandes dimensões que se diferenciam a partir de monócitos. Por regenerarem os seus lisossomas (vesículas cheias de enzimas) têm um maior longevidade e uma grande capacidade fagocitária.

Quando um tecido é atingido pelos agentes patogénicos, algumas células, os mastócitos, bem como alguns basófilos, produzem histamina e outros mediadores químicos que provocam a dilatação dos vasos sanguíneos e aumentam a sua permeabilidade, aumentando o fluxo de sangue no local, o que explica o aparecimento de inchaços (aumento do calibre dos vasos), vermelhidão (aumento do número de glóbulos vermelhos), dor ( o aumento do volume pressiona as terminações nervosas) e calor (aumento da taxa metabólica) característicos de uma inflamação. A histamina e outras substâncias ao entrarem na circulação sanguínea vão atrair os fagócitos para o local da inflamação, que conseguem atravessar as paredes dos capilares modificando a sua forma – diapedese. Os primeiros a chegar são os neutrófilos seguidos dos macrófagos.

  • resposta sistémica: quando todo o organismo é invadido por microrganismos patogénicos
    • febre: as toxinas produzidas pelos agentes patogénicos e certos compostos pirogenos, citoxinas, produzidos pelos leucócitos, podem fazer aumentar a temperatura do corpo. A subida de temperatura embora perigosa se excessiva, por um lado, inibe o crescimento dos microrganismos e por outro estimula e acelera os mecanismos de defesa.
    • interferões: conjunto de proteínas envolvidas em mecanismos de defesa accionado em infecções virais. Quando uma célula é infectada por um agente viral, é normal haver um acréscimo de RNA de cadeia dupla, resultante da replicação do material genético viral (quer seja DNA ou RNA), que activa o interferão. Essa activação estimula a produção de glicoproteínas (interferões) que serão excretadas para a circulação sanguínea. Os interferões vão-se ligar a receptores membranares de células vizinhas activando genes codificantes de proteínas antivirais, que apenas são activadas quando a célula é infectada. Quando activadas as proteínas antivirais iniciam um processo de destruição do mRNA celular impedindo a sua tradução. A célula infectada acaba por morrer de forma programada – apoptose – e os vírus ficam sem local para se replicarem, ficando a infecção controlada. O interferão em si não tem uma função antiviral mas sim de activar a produção de proteínas antivirais. Alguns interferões estimulam os fagócitos a destruir os microrganismos.
    • sistema de complemento: corresponde a um grupo de cerca de 20 proteínas produzidas pelo fígado e que circulam na linfa na sua forma inactiva. Na presença de alguns agentes patogénicos sofrem uma rápida activação em cascata, isto é, a activação de uma proteína estimula a activação de outra e assim por diante. Uma vez activadas as proteínas desencadeiam uma resposta imunitária não específica, como por exemplo:
      • provocam a lise de células infecciosas. Algumas proteínas do completo fixam-se na membrana das bactérias, criando poros na membrana que levam as bactérias à morte.
      • atraem leucócitos aos locais de infecção – quimiotaxia
      • ligam-se aos agentes patogénicos facilitando a actividade dos fagócitos – opsonização.


imunidade adaptativa (ou específica)


Os mecanismos de defesa específicos vão sendo mobilizados enquanto os mecanismos não específicos intervêm numa primeira fase da infecção. A imunidade específica, ao contrário da não específica, actua de forma diferente consoante o agente patogénico e tem um efeito de memória, ou seja, o organismo memoriza o agente patogénico numa primeira infecção e em infecções posteriores a resposta imunitária é mais rápida e poderosa.

Este tipo de imunidade é desencadeado sempre que o sistema imunitário reconhece um antigénio – qualquer molécula que reage de forma específica com um anticorpo ou com um receptor de um linfócito T, desencadeando respostas imunitárias específicas.

A resposta imunitária especifica está intimamente associada aos linfócitos (tipos B e T)– células imunocompetentes – ou seja, ganham a competência (nos órgãos linfóides) para poderem reconhecer determinados epítopos. Para garantir que os seus receptores são funcionais e distinguem e não atacam o próprio organismo, fazem um estágio na medula óssea que só contem células do próprio organismo e todos os linfócitos que apresentarem receptores para antigénios próprios são eliminados, induzindo-se apoptose (selecção negativa).

A actuação dos linfócitos B e T embora interligada é bastante diferente:

  • os linfócitos B actuam indirectamente sobre os antigénios através da produção de anticorpos, enquanto os linfócitos T actuam directamente
  • os linfócitos B reconhecem antigénios livres, enquanto os linfócitos T só reconhecem antigénios associados a outras células
  • só existe uma categoria de linfócitos B e várias de linfócitos T

como a imunidade específica actua sobre o que a imunidade não-específica não conseguiu isoladamente eliminar, existem dois tipos de imunidade específica dependendo da localização da acção: humoral e celular

  • A imunidade humoral depende do reconhecimento dos antigénios, pelos linfócitos B, que circulem no sangue e linfa e que ainda não tenham por isso invadido as células. Os linfócitos B são produzidos e amadurecidos na medula óssea adquirindo receptores membranares específicos de determinados epítopos. Depois de sofrerem uma primeira selecção negativa de controlo, os linfócitos B denominados naive migram para os órgãos linfóides secundários.

Quando um antigénio que circule na corrente sanguínea ou linfática passa por um dos órgãos linfóides secundários, é detectado pelo linfócito específico e é estabelecida uma ligação que activa o linfócito – selecção clonal. Para evitar respostas erradas a antigénios não perigosos, o linfócito B activado é sujeito a uma confirmação de reconhecimento por um linfócito T, que se for positiva ordena a multiplicação mitótica do linfócito B – multiplicação clonal. A diferenciação dos linfócitos B inicia-se depois da multiplicação transformando as células originais em plasmócitos e em células B memória. Os plasmócitos são células efectoras com grande capacidade de síntese proteica, produzindo grandes quantidades de proteínas – anticorpos. As células B memória são células diferenciadas e autorizadas, mas não efectoras, com uma grande longevidade, que accionam uma resposta imunitária rápida e potente numa segunda infecção – memória imunitária.

Os anticorpos são proteínas globulares – imunoglobulinas (Ig) – que se ligam a epítopos específicos. Apesar da forte especificidade das Ig, estas moléculas partilham algumas características:

  • são constituídas por quatro cadeias polipetídicas: duas longas ou pesadas e duas curtas ou leves
  • estrutura em Y devido `as ligações dissulfito entre as cadeias longas
  • possuem um região constante comum a todos os anticorpos da mesma classe, que permite serem identificadas por outros componentes do sistema imunitário
  • possuem um região variável que lhes confere especificidade
  • ligam-se aos antigénios em dois locais, os determinantes antigénicos, localizados na região variável

No Homem, e nos vertebrados em geral, conhecem-se cinco classes de imunoglobulinas


Classe de Ig Local de ocorrência Funções
Ig A Leite, saliva, lágrimas, secreções respiratórias e gástricas Protege contra agentes patogénicos nos locais de entrada do organismo
Ig D Linfócitos B Estimula linfócitos B a produzirem outros tipos de anticorpos
Ig E Mastócitos presentes nos tecidos Interfere na libertação de substâncias alérgicas
Ig G Plasma e na linfa intersticial Protege contra bactérias, vírus e toxinas
Ig M Plasma Primeiro anticorpo a actuar perante um antigénio


Após as imunoglobulinas se terem ligado ao respectivo antigénio forma-se o complexo antigénio-anticorpo, que desencadeia os processos destrutivos de agentes patogénicos, que consoante a classe a que cada anticorpo pertence pode variar:

  • neutralização: o complexo antigénio-anticorpo impede o antigénio de actuar
  • opsonização: a formação do complexo antigénio-anticorpo que é rapidamente identificado e fagocitado por macrófagos
  • imobilização e prevenção de aderência: a formação do complexo antigénio-anticorpo impede o antigénio de se mover ou se ligar a hospedeiros
  • aglutinação ou precipitação: os complexos antigénio-anticorpo formam aglomerados de grandes dimensões que os impede de circular
  • activação do sistema complemento: o complexo antigénio-anticorpo activa a primeira proteína do sistema complemento dando inicio à cadeia de activações sucessivas.


  • A imunidade celular está associada aos linfócitos T, produzidos na medula mas, ao contrário dos B, estes são maturados no timo. A resposta imunitária é activada quando uma célula apresentadora que podem ser macrófagos, linfócitos B ou agentes virais, apresenta um antigénio a um linfócito T.

Tal como os linfócitos B, os linfócitos T naive ficam armazenado são órgãos linfóides secundários até que uma célula apresentadora lhes apresente um antigénio e os active, começando a produzir proteínas capazes de desencadear respostas variadas nas células-alvo. Os diferentes tipos de linfócitos têm funções diferentes e são identificados em laboratório pela presença de diferentes marcadores.

  • linfócitos citotóxicos ou citolíticos (TC): reconhecem e destroem células infectadas e cancerosas. Os linfócitos reconhecem estas células por exibirem glicoproteínas anormais à superfície e depois de activados segregam substâncias tóxicas que destroem as células. Os linfócitos não sofrem qualquer alteração permanecendo se necessários activos.
  • linfócitos auxiliares (TH): reconhecem o MHC de superfície dos macrófagos e libertam mediadores químicos (citoquinas) que estimulam linfócitos B, fagócitos e/ou outros linfócitos T.
  • linfócitos T supressores (TS): segregam substâncias que reduzem ou suprimem a resposta imunitária quando a infecção já está controlada.

De uma maneira geral, quando os linfócitos T reconhecem o antigénio especifico, actuam consoante a classe a que pertencem mas comum a todos eles é a diferenciação de linfócitos T memoria que numa segunda infecção pelo mesmo antigénio desencadeiam respostas mais potentes e rápidas.

Imunização

A memória imunitária desenvolve-se durante o primeiro contacto com o antigénio, conferindo imunidade ao indivíduos. A imunidade pode ser natural, como se descreveu acima quando o próprio organismo reage contra os agentes patogénicos ou pode ser induzida, através da administração directa de anticorpos específicos (imunidade passiva) ou através da administração de vacinas (imunidade activa).

As vacinas são preparados de agentes patogénicos mortos ou alterados, vírus patógenos ou toxinas que neste caso específico não desencadeiam a doença, mas estimulam respostas imunitárias especificas no organismo. Ao desencadear uma resposta imunitária primária consequentemente desencadeia a formação de células-memória que na eventualidade de uma infecção posterior pelo mesmo agente patogénico irão produzir uma resposta mais rápida e potente. Algumas vacinas conferem imunidade para toda a vida como a vacina do sarampo e outras têm de ser administradas periodicamente como a anti-tetânica.


Materiais relacionados disponíveis na Casa das Ciências:

  1. Design de Medicamentos, um resumo da ciência da Farmacologia e as suas últimas novidades;
  2. Haptenos - Como funcionam;
  3. Infecção por agrobacteriumIII;
  4. Alergias.
  5. Sistema Imunitário - Fator estimulador de colónias, produção de glóbulos brancos devido ao fator estimulador de colónias
  6. Apoptose, a morte celular - Como acontece?
  7. Sistema Imunitario - Teoria da seleção clonal, a seleção clonal como parte do Sistema Imunitário
  8. Origem do cancro da mama, como se origina o Cancro da Mama?


Criada em 15 de Setembro de 2010
Revista em 16 de Setembro de 2010
Aceite pelo editor em 10 de Janeiro de 2012