Impermeáveis

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Referência : Tavares, J., Geraldo, A., (2019) Produto escalar, Rev. Ciência Elem., V7(3):044
Autor: Paulo Ribeiro Claro
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [http://doi.org/10.24927/rce2019.044]
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A busca de materiais impermeáveis tem uma história longa e exemplifica bem o aproveitamento de materiais naturais desconhecidos na Europa anterior à primeira globalização; mais recentemente, utiliza materiais artificiais, beneficiando do desenvolvimento da Química.


Com a aproximação dos dias de chuva, os casacos impermeáveis voltam a sair dos armários. E com eles, mais um dos confortos que temos a agradecer ao desenvolvimento da química. A sua origem remonta pelo menos ao século XIII, quando os indígenas da América do sul cobriam as roupas com látex para os tornar impermeáveis. A ideia foi importada pelos europeus, mas o sucesso não foi imediato: os primeiros impermeáveis eram pesados, desconfortavelmente rígidos, e sobretudo, bastante malcheirosos. O desenvolvimento da química de polímeros permitiu que os impermeáveis se fossem tornando mais leves, flexíveis, e inodoros. Mas a qualidade mais notável dos impermeáveis modernos é que também permitem a respiração da pele isto é, impedem a entrada da água da chuva, mas permitem a saída do vapor de água libertado pela transpiração.

Voltando ao início: Os tecidos normais absorvem água, ensopam, e são… permeáveis. Para fazer um casaco impermeável é necessário tratar o tecido de forma a não deixar passar a água. Os primeiros tecidos impermeáveis na Europa foram preparados em 1823, pelo escocês Charles Macintosh, que utilizou borracha natural (polímero de origem natural) dissolvida com alcatrão de hulha. O alcatrão de hulha é uma mistura líquida de compostos com cheiro intenso, resultante da queima do carvão, que naquela época era considerado um resíduo. Assim, Macintosh descobriu que essa mistura dissolvia a borracha e que esta podia ser espalhada com um pincel sobre um tecido, tornando-o à prova de água. Contudo, a borracha tornava o tecido pegajoso, e Macintosh resolveu o problema colocando outra camada de tecido por cima, ficando a camada de borracha entre as duas de tecido.

No entanto, os problemas não ficaram completamente resolvidos, pois este material era pesado, tinha um odor desagradável e tinha ainda tendência a enrijecer com o frio e a colar com o calor, pelo que não convenceu a população em geral a usá-lo. Mesmo assim, as forças armadas e a marinha mercante do Reino Unido foram equipadas com ele, pois dadas as circunstâncias climatéricas mais extremas a que estavam expostos davam outro valor aos impermeáveis.

Para o desenvolvimento deste novo conceito por Macintosh terão certamente contribuído os conhecimentos que surgiam na Europa sobre as antigas civilizações na América, como os Aztecas, Maias e Incas. O navegador Cristóvão Colombo, no século XV, terá sido dos primeiros europeus a contactar com os povos indígenas americanos, tendo referido o aproveitamento que estes faziam da borracha natural, quer como bolas para jogar, quer na impermeabilização de calçado e de peças de vestuário. A borracha natural iria no entanto permanecer quase três séculos, após a sua descoberta pelos europeus, como uma mera curiosidade, um material sem grande utilização. Esta será “redescoberta” com o advento da Revolução Industrial no século XIX e o despertar do interesse pela industrialização de novas matérias, quer na Europa, quer nos Estados Unidos. Assim, surgem novas invenções que utilizam a borracha, como a de Charles Macintosh, mas outras se seguiram, que permitiram melhorar a sua invenção.

Em 1839, Charles Goodyear, nos Estados Unidos, e em 1842, Thomas Hancock no Reino Unido, descobriram que aquecendo a borracha natural misturada com enxofre obtinham um material mais resistente e quase insensível às variações de temperatura. A esse processo foi dado o nome de vulcanização, como uma homenagem ao deus romano do fogo (Vulcano). (FIGURA 1).


FIGURA 1. Esquema simples da vulcanização: o enxofre cria ligações entre as cadeias de polímero.

A substituição da borracha natural por borracha vulcanizada permitiu a Macintosh, em sociedade com Hancock, a criação de impermeáveis com propriedades mecânicas excepcionais: excelente resistência ao desgaste, flexibilidade e leveza; ao mesmo tempo que se eliminava a necessidade do solvente e, consequentemente, dos odores desagradáveis.

No século XX, com o desenvolvimento da tecnologia e da indústria, surgem outros materiais impermeáveis, tendo por base novos polímeros sintéticos e revestimentos que repelem a água. Um dos desenvolvimentos que contribuíram para a popularização dos impermeáveis foi a eliminação do “efeito sauna”: nos tecidos impermeáveis modernos, o vapor de água da transpiração pode sair, apesar de a água líquida não conseguir entrar. Este efeito é obtido através da criação de estruturas com minúsculos poros por onde as gotas de água não entram, mas as moléculas de água isoladas podem passar facilmente. Estes tecidos impermeáveis arejados são obtidos com duas camadas de polímeros de propriedades diferentes: uma primeira camada de um polímero microporoso hidrofóbico (ou seja, que repele a água), que fica virado para o exterior; e uma camada de um polímero hidrofílico (ou seja, que atrai a água), que fica do lado de dentro e absorve a humidade que se liberta da pele (FIGURA 2).


FIGURA 2. Esquema da ação das diferentes camadas do polímero sobre as moléculas de água.

Depois entra em acção um pouco de termodinâmica: A diferença de temperatura entre o lado de dentro e o lado de fora cria as condições necessárias para que as moléculas de água absorvidas pelo poliuretano sejam empurradas para o exterior.

Um exemplo destes novos materiais utilizados em vestuário impermeável, é o tecido Gore-Tex® (fabricado pela empresa americana W.L. Gore & Associates, Inc.), no qual uma membrana Gore-Tex® é laminada entre dois tecidos. O exterior é tipicamente de nylon ou poliéster, fibras artificiais mais resistentes e o interior de poliuretano, um material polimérico leve, resistente à abrasão, macio, elástico e flexível, que absorve o vapor de água e permite a sua difusão para o exterior (FIGURA 3).


FIGURA 3. Esquema de funcionamento da membrana Gore-Tex®.

O “segredo” deste impermeável está na membrana Gore-Tex® que é feita a partir de politetrafluoretileno (PTFE) expandido, conhecido comercialmente como Teflon®. Este material apresenta-se como uma camada muito fina e com muitos microporos, sendo cada um deles 20 mil vezes menor do que uma gotícula de água e 700 vezes maior do que uma molécula de água isolada (Figura 4). Ou seja, a membrana fornece total impermeabilidade (impede a água exterior de entrar), ao mesmo tempo que permite que o excesso de calor e o vapor da transpiração saiam com facilidade.


FIGURA 4. A membrana Gore-Tex® vista ao microscópio electrónico.

Assim, um impermeável com esta composição torna-se para além de impermeável, flexível, leve e confortável, também “corta-vento” e, sobretudo, transpirável. Se vestir um impermeável e se sentir como se estivesse numa sauna, então é porque ele ainda não está a tirar partido do desenvolvimento da química dos polímeros.




Recursos relacionados disponíveis na Casa das Ciências:

  1. A Química dos Impermeáveis.




Criada em 14 de Fevereiro de 2019
Revista em 16 de Fevereiro de 2019
Aceite pelo editor em 16 de Outubro de 2019