Carbocatiões

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Referência : Corrêa, C., (2013) Carbocatiões, Rev. Ciência Elem., V1(1):028
Autores: Carlos Corrêa
Editor: Jorge Gonçalves
DOI: [http://doi.org/10.24927/rce2013.028]

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Índice

Estrutura

Os carbocatiões, intermediários reativos em muitas reacções orgânicas, são catiões em que a carga positiva está associada a um ou mais átomos de carbono, como por exemplo CH3+ (carbocatião metilo) e CH2=CH-CH2+ (carbocatião alilo):


Carbocatiões Fig 1.png


São normalmente muito reativos, o que lhes confere uma vida bastante curta. Foi J. Stiegler, em 18992, quem propôs pela primeira vez a intervenção de carbocatiões como intermediários em Química Orgânica, ideia que foi desenvolvida mais tarde por H. Meerwein3.


No carbocatião metilo a carga positiva está praticamente toda localizada no átomo de carbono mas no carbocatião alilo a carga está deslocalizada, o que se representa utilizando as seguintes estruturas contribuintes (ressonância):


Carbocatiões Fig 2.png


A verdadeira estrutura do carbocatião é algo parecida com a representação inserida por baixo da chaveta e significa que na partícula não existem nem ligações duplas nem ligações simples, mas ligações com carácter intermédio entre duplo e simples, que se representaram por um traço tracejado sobre um traço cheio. Mostra, igualmente, que a carga positiva não está localizada num só átomo de carbono mas distribuída pelos carbonos terminais do carbocatião. Dada a simetria da partícula, as cargas δ+ aqui são iguais a 0,5+.


A geometria em torno do átomo de carbono com carga positiva é plana, o que seria de esperar dada a repulsão dos pares eletrónicos que fazem as ligações do carbono aos três átomos adjacentes. A geometria destes dois carbocatiões está representada na figura:


Carbocatiões Fig 3.png


As três orbitais moleculares (OM) π do carbocatião alilo resultantes da combinação das três orbitais atómicas p são as seguintes:


Carbocatiões Fig 4.png


A OM de menor energia está completamente preenchida e estende-se sobre todo o sistema, o que confere às ligações C-C um caráter intermédio entre ligação simples e ligação dupla (3 electrões em cada ligação, ou seja, dois electrões \(\sigma\) e um electrão π entre dois carbonos). A maior contribuição da orbital atómica pz2 para esta orbital molecular mostra que a densidade electrónica é maior sobre o carbono central, ou seja, a deficiência eletrónica situa-se nos carbonos laterais (o que equivale a dizer que é neles onde existe excesso de carga positiva, como as estruturas contribuintes mostram).


Os carbocatiões podem apresentar estruturas variadas, como os carbocatiões benzilo e fenilo.


Carbocatiões Fig 5.png


O carbocatião benzilo é estabilizado pela deslocalização da carga positiva sobre todo o sistema pois o eixo da orbital pz do carbono fora do anel é paralela aos eixos das seis orbitais atómicas pz combinadas no benzeno; em contraste, no carbocatião fenilo a carga encontra-se centrada no carbono pois o eixo da orbital vazia sp2 do carbono é perpendicular aos eixos das orbitais pz referidas.


Carbocatiões Fig 6.png




Os carbocatiões podem também ser estabilizados por dispersão da carga positiva por acção do efeito indutor e por hiperconjugação de outros átomos e grupo presentes.




Os carbocatiões terciários são mais estabilizados que os secundários e estes mais estabilizados que os primários, devido aos efeitos dos grupos alquilo adjacentes.



Carbocatiões Fig 7.png


Os grupos alquilo, como o metilo, dadores de carga negativa δ-, dispersam a carga positiva sobre outros átomos (carga inicialmente localizada num só carbono), tornando o sistema mais estável.


Carbocatiões Fig 8.png


A hiperconjugação é uma estabilização resultante da interacção de orbitais \(\sigma\) com orbitais p e π. A figura representa a hiperconjugação no carbocatião etilo e mostra que a carga positiva é dispersa sobre o sistema, a ligação C-H é enfraquecida e a ligação dupla tem caráter intermédio entre duplo e simples.


Carbocatiões Fig 9.png


A deslocalização electrónica (mesomerismo, ressonância), o efeito indutor e a hiperconjugação podem actuar simultaneamente e a sua importância decresce da deslocalização electrónica até à hiperconjugação. Apresentam-se seguidamente carbocatiões cuja estabilidade decresce desde o tropílio (ciclo-heptatrienilo) até ao fenilo.


Carbocatiões Fig 10.png


O catião tropílio forma-se rapidamente por dissolução em água de brometo correspondente, não reagindo com o solvente. Este catião, com 4n+2 electrões π deslocalizados sobre o anel apresenta aromaticidade e daí a sua apreciável estabilidade. O carbocatião trifenilmetilo reage com a água, mas pode ser obtido em SO2 líquido. Em meio superácido os fluoroalcanos, R-F, são convertidos facilmente em carbocatiões.


R-F + SbF5 \longrightarrow R+ + [SbF6]


Formação de Carbocatiões

Os precursores mais vulgares de carbocatiões são os haloalcanos (por cisão heterolítica da ligação C-X), os alcenos (por adição de eletrófilos à ligação dupla) e os álcoois (por desidratação dos correspondentes iões oxónio).


Carbocatiões Fig 11.png


A extensão da ionização dos haloalcanos depende da estabilização do carbocatião formado (da sua estabilidade), da natureza do halogéneo (I > Br > Cl > F) e do solvente (deve ser ionizante e ter capacidade de solvatação). Embora a existência dos carbocatiões fosse deduzida com base em particularidades nas reações em que eles participam, em 1958, Doering et al,4 observaram pela primeira vez, por RMN, um carbocatião estável (o catião heptametilbenzenónio). Em 1963 G. Olah5 conseguiu detetar diretamente carbocatiões alquilo, muito mais reativos, formados a partir de fluoretos de alquilo em meio superácido (SbF5), onde permanecem sem sofrer qualquer modificação, podendo ser observados por IV e RMN.


Carbocatiões Fig 12.png


O sinal de RMN (dupleto) correspondente aos grupos metilo no composto inicial, acoplados com o átomo de fluor, desapareceu completamente dando lugar a um singuleto a campo muito mais baixo correspondente aos grupos metilo do carbocatião, em que a densidade eletrónica sobre os protões foi apreciavelmente diminuída devido à proximidade da carga positiva.



Iões carbónio não-clássicos

São catiões que não podem ser representados adequadamente por uma simples estrutura de Lewis por conterem um ou mais átomos de hidrogénio e carbono formando pontes entre dois centros electronicamente deficientes. Estes catiões apresentam átomos de carbono pentacoordenados (como no catião norbornilo) ou átomos de hidrogénio dicoordenados (como no catião metónio)7. Uma das primeiras proposta da existência destes iões deve-se a Nevil, Salas e Wilson8, embora Winstein e Trifan9 tenham tido um papel importante no desenvolvimento do conceito.


Carbocatiões Fig 13.png



Intervenção dos carbocatiões em reacções químicas

Os carbocatiões, dada a sua baixa densidade electrónica, atacam preferentemente pontos de densidade eletrónica elevada, formando ligações à custa de dupletos electrónicos do substrato. São electrófilos ou ácidos de Lewis. Assim, os carbocatiões:


  • Reagem com iões negativos


      R+ + Cl \longrightarrow R-Cl


  • Adicionam a ligações múltiplas, originando novos carbocatiões:


      R+ + CH2=CH-CH3 \longrightarrow R-CH2-CH+─CH3


  • Eliminam protões, formando compostos insaturados (cisão β):


      R-CH2-CH+─CH3 \longrightarrow R-CH2-CH=CH2 + H+


  • Removem hidreto:


      R-CH2-CH2+ + CH2=CH-CH3 \longrightarrow R-CH2-CH3 + CH2=CH-CH2+


  • Adicionam ao anel aromático:


Carbocatiões Fig 14.png

No novo carbocatião a carga positiva está deslocalizada do anel, como sucede no carbocatião benzenónio

Carbocatiões Fig 15.png



  • Sofrem rearranjos, transformando-se em catiões de maior estabilidade:


Carbocatiões Fig 16.png


Carbocatiões Fig 17.png

Processos industriais em que intervêm carbocatiões

Os carbocatiões são os intermediários mais comuns nas reações da Química Orgânica, intervindo também em importantes processos industriais, como a polimerização, a alquilação de alcenos, o cracking catalítico e outros.


  • Polimerização catiónica

A borracha butílica é um polímero obtido por polimerização catiónica do isobutileno iniciada por BF3 na presença de vestígios de água, em diclorometano, a temperaturas muito baixas.


Carbocatiões Fig 18.png


  • Alquilação de alcenos

A alquilação de alcenos realiza-se para obter hidrocarbonetos ramificados de elevado índice de octano, como o “isoctano” (2,2,4-trimetilpentano). Realiza-se na presença de ácidos concentrados, como HF e H2SO4.


Carbocatiões Fig 19.png


Além do “isoctano” obtêm-se alcenos derivados do catião dímero por cisão β C-H, embora em pequena percentagem.


  • Cracking catalítico 10

O cracking catalítico realiza-se a temperaturas da ordem de 480-540 °C e destina-se a converter hidrocarbonetos de cadeia longa em hidrocarbonetos de menores cadeias para serem utilizados como combustíveis (gasolinas, queroseno, óleos leves e GLP). Utilizam-se catalisadores à base de sílica-alumina, contendo Ni e outros metais. Estes catalisadores ácidos removem hidreto de alcanos e adicionam protões a alcenos, originando carbocatiões. Os carbocatiões formados, a estas temperaturas elevadas, sofrem cisões β, originando moléculas com cadeias menores. Ocorrem, também, rearranjos que originam ramificações das cadeias. Muitas vezes o cracking catalítico realiza-se na presença de hidrogénio (hidrocracking), que reduz a quantidade de alcenos produzidos e remove enxofre e azoto sob a forma de H2S e NH3.

Carbocatiões Fig 20.png

Referências

1. a) K.P.C.Vollardt e N.E.Schore, Organic Chemistry, W.H.Freeman, 1999.

b) R. Morrison e R. Boyd, Química Orgânica, Fundação Calouste Gulbenkian, 1996.

c) N. L. Allinger et al, Organic Chemistry, Worth Publishers, Inc., 1971.

d) W. H. Brown, Organic Chemistry, Saunders College Publishing, 1995.

2. J. Stiegler, Am. Chem. J., 21,101(1899).

3. H. Meerwein, Ber., 55, 250(1922).

4. W. Doering et al., Tetrahedron, 4, 178-185(1958)

5. George Andrew Olah, Prémio Nobel da Química em 1994 pela sua contribuição para a química dos carbocatiões, apresenta uma interessante revisão do assunto na sua Nobel Lecture, p.156, de 8 Dez. 1994.

6. H. C. Brown e R. Schleyer, “The Non-classical Ion Problem”, Plenum Press, New York, 1977.

7. E.V.Anslyn Dennis e A. Dougherty, Modern Physical Organic Chemistry, Wiley, p 55, 2006.

8. T. P. Nevil, E. de Sodas e C.L.Wilson, J. Chem. Soc.,1188 (1939).

9. S. Winstein e D.S.Trifan, J. Amer. Chem. Soc.,71,2958(1949).

10. Doris Kolb e Kenneth E. Kolb, J. Chem. Educ.,56, 465(1979).



Criada em 16 de Outubro de 2012
Revista em 05 de Novembro de 2012
Aceite pelo editor em 06 de Novembro de 2012