A compreensão pública do som

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Referência : Meirelles, M. G., (2021) A compreensão pública do som, Rev. Ciência Elem., V9(2):042
Autor: Maria Gabriela Meirelles
Editor: José Ferreira Gomes
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2021.042]
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Resumo

O som desempenha um papel importante em todas as atividades humanas e as aplicações da acústica são encontradas em praticamente todos os aspetos da sociedade. De facto, o ambiente sonoro é um componente essencial do nosso equilíbrio, moldando o nosso comportamento individual e coletivo. As ondas sonoras propagam-se num meio material, independentemente do seu estado físico. Elas disseminam-se tanto através de um meio sólido, como o ferro ou o betão, quanto de um fluido, como o ar ou a água. O seu deslocamento ocorre através de compressões e rarefações do meio por onde ela se propaga. Quando o recetor é o ouvido humano, ao chegar a onda produz um sinal nervoso propagado até ao cérebro onde é interpretado como sensação de som, desde que a sua frequência se situe no intervalo entre cerca de 20 Hz e 20 000Hz.

No âmbito de 2020 – Ano Internacional do Som, um grupo de alunos da Universidade dos Açores promoveu um inquérito com vista a aferir o grau de compreensão do som como fenómeno físico. Os resultados deste inquérito são aqui discutidos sumariamente.


A Física/perceção do som

O som é definido como a propagação tridimensional de uma onda mecânica. Para que esta propagação ocorra é necessário que aconteçam compressões e rarefações do meio no qual a onda se propaga. A onda sonora não arrasta as partículas do meio, apenas faz com que estas vibrem em torno da sua posição de equilíbrio. As ondas podem ser classificadas de acordo com a altura (frequência), intensidade (volume) e timbre (capacidade de diferenciar sons com a mesma altura e intensidade, mas emitidos por fontes diferentes). A velocidade de propagação do som no ar, à temperatura de 0°C, é de 331 ms-1. Esta velocidade aumenta de 0,61 ms-1 com a elevação de 1°C de temperatura[1]. A intensidade de uma onda sonora está relacionada com a energia transmitida por unidade de área e por unidade de tempo.

O ruído, por sua vez, é definido como um som desagradável ou indesejável para o ser humano. Segundo a Associação Portuguesa de Segurança (APSEI)[2] – “na europa estima-se que, mais de um terço dos trabalhadores estejam, expostos a níveis de ruído potencialmente perigosos durante pelo menos um quarto do seu tempo de trabalho”. A nível mundial cerca de 50% dos jovens com idades entre 12 e 35 anos, correm o risco de sofrer alguma perda de audição, devido à exposição a ruídos nos telefones, ambientes recreativos, festivais de música, etc.. A poluição sonora já é considerada a segunda maior poluição ambiental do planeta, tanto em ambientes internos como em ambientes externos, ultrapassando a poluição da água e apenas perdendo para a poluição do ar. A Organização Mundial de Saúde[3] (OMS) considera a poluição sonora um problema de saúde pública, o que é discutido em detalhe por Basner et al.[4].

Os riscos, no entanto, não significam a busca por um mundo silencioso. Inúmeras pesquisas científicas têm demonstrado que a prática da música ajuda a desenvolver e manter o desempenho cognitivo em todas as idades da vida, aumenta a capacidade de aprendizagem e memorização e contribui para a aquisição de outras habilidades, principalmente em crianças.


Análise dos resultados - Questionário

A utilização de questionários de resposta fechada e divulgados nas redes sociais é especialmente atrativa para obter uma primeira compreensão do sentimento geral da população. No caso presente, o inquérito foi preparado e divulgado por alunos da Universidade dos Açores e os resultados não pretendem ser representativos de uma população bem definida. Ao presente questionário sobre o som responderam 411 pessoas, sendo 55,5% do sexo feminino. A faixa etária dos inquiridos mais representativa foi a dos 18 aos 25 anos. Para idades inferiores a 18 anos responderam, apenas, 5,6% da população da amostra. Os inquiridos com idade superior a 25 anos contabilizam 34,5% das pessoas que responderam ao questionário. Quanto ao nível de formação dos inquiridos, salienta-se que 0,5% têm o grau de doutor, 3,6% o de mestre, 20,2% são licenciados e 42,3% da amostra desta população frequentam o ensino superior. Destes alunos, 62,1% frequentam o Polo de Ponta Delgada da Universidade dos Açores, enquanto que 33,4% são alunos do ensino secundário. Do total dos inqueridos, 91% reside nos Açores.

O som pode ser considerado segundo duas perspetivas, como fenómeno físico, que envolve a sua produção, propagação, receção e deteção, ou como sensação do som percebida pelo indivíduo, que depende de efeitos fisiológicos e psicológicos[5]. Mas seja qual for a fonte do som e a sua interpretação, o seu excesso pode transformar-se rapidamente em ruído. Neste questionário foram incluídas vinte e duas questões que permitem inferir sobre estes dois aspetos do som. Discutimos aqui apenas as respostas a algumas destas questões. À questão – “Você sabe que no ano de 2020 comemora-se o Ano Internacional do Som?”, a grande maioria dos respondentes (89%) mostraram desconhecer o facto, o que talvez se possa explicar pela inexistência de iniciativas com impacto público relevante.


GRÁFICO 1. Percentagens obtidas nas respostas à questão – “Você sabe que no ano de 2020 comemora-se o Ano Internacional do Som?”.

Portugal consta da lista de países que aderiram às comemorações do Ano Internacional do Som, apenas, com um evento, o TecniAcustica 2020, realizado em outubro de 2020, o que poderá ser a razão para esta elevada percentagem de desconhecimento deste evento, pela amostra da população que respondeu a este inquérito.

À questão “O som propaga-se no vácuo?”, 59% da população em análise respondeu “Não”. Realmente, as ondas sonoras são do tipo mecânicas, ou seja, são ondas de pressão que, para se propagarem, necessitam de um meio material que transporte as vibrações provocadas pela fonte sonora até ao recetor sonoro. Dos 21% que responderam “Sim”, 64,7% são jovens entre os 18 e os 25 anos. Efeito, provavelmente, do facto de, atualmente, no 8.º ano de escolaridade, na disciplina de Físico-Química, ser lecionado um módulo sobre o tema do som: Produção e Propagação do Som e Ondas e Atributos do Som e sua Deteção pelo Ser Humano e Fenómenos Acústicos.


GRÁFICO 2. Percentagens obtidas nas respostas à questão – “O som propaga-se no vácuo?”

Para as ondas sonoras, o efeito Doppler constitui o fenómeno pelo qual um observador percebe frequências diferentes das emitidas por uma fonte e resulta do movimento relativo de aproximação ou afastamento entre a fonte e o observador. Quando a fonte sonora se aproxima do observador, a frequência percebida por este é maior do que a frequência de emissão da fonte; o som é mais agudo. No entanto, se a fonte sonora se afasta do observador, a frequência sentida por este é menor do que a frequência emitida pela fonte; o som é mais grave. Neste questionário, pretendeu-se saber se os inquiridos têm conhecimento deste fenómeno, utilizando para tal a pregunta, “Conhece o conceito de Efeito Doppler?” Obtivemos 59% de respostas negativas. Dos 41% dos inquiridos que responderam ter conhecimento do efeito Doppler, verificamos que, 23,4% não conseguem explicar corretamente este fenómeno físico (GRÁFICO 3).


GRÁFICO 3. Percentagens obtidas nas respostas à questão – “Conhece o conceito de efeito Doppler?”.

Quando os inquiridos são confrontados com a questão “O ruído é um problema de saúde pública?”, 89,2% deles concorda que sim. Mas, por outro lado, à pergunta “O som tem um papel importante na sua vida?”, 97,5% responderam sim. Ou seja, um expressivo reconhecimento da sua importância e, simultaneamente, do seu potencial enquanto fonte de distúrbio. Os 10 inquiridos que não consideram relevante o som nas suas vidas, são maioritariamente do sexo masculino, com idades compreendias entre os 18 e os 25 anos. Todos eles responderam não saber que estamos a comemorar em 2020 o Ano Internacional do Som.


FIGURA 1. Adjetivos e percentagens atribuídas à questão, “Utilizando um adjetivo defina como seria para si um mundo sem música”.

Considerando que alguns autores defendem que a música é a combinação de sons e silêncios de uma maneira organizada, foi solicitado aos inquiridos que respondessem, por meio de um adjetivo “Como seria para si um mundo sem música?”. A esta questão 21,9% dos inquiridos não responderam, enquanto, 6,9% optaram por atribuir adjetivos que não estão referidos no FIGURA 1.


Reflexões finais

Os principais resultados indicam: (i) um certo grau de desconhecimento em relação aos conceitos físicos/acústicos relacionados com o parâmetro som; (ii) níveis moderados de compreensão da sensação do som percebida pelo indivíduo, (iii) um ponto comum identificado é o de que os inquiridos reconhecem que o som tem um papel importante na sua vida e (iv) os portugueses consideram triste, vazio e aborrecido viver num mundo sem música.

Referências

  1. ANG, W. & KANG, J., Acoustic Comfort Evaluation in Urban Open Public Spaces, Applied Acoustics, v. 66, p. 211-229. 2005.
  2. BUECHE, F. J., & HECHET, E., Física, McGraw Hill de Portugal, Lda. ISBN: 972-773-089-2. 2001.
  3. WHO, Night noise guidelines for Europe.
  4. BASNER, M. et al. Auditory and Non-auditory Effects of Noise on Health, The Lancet, 383(9952):1325-1332. DOI: 10.1016/S0140-6736(13)61613-X. 2014.
  5. https://www.apsei.org.pt/areas-de-atuacao/seguranca-no-trabalho/o-ruido-no-local-de-trabalho/.


Criada em 10 de Agosto de 2020
Revista em 2 de Outubro de 2020
Aceite pelo editor em 15 de Junho de 2021