A aventura para o conhecimento

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Referência : Gomes, A., Pires, C. V., Oliveira, S., Coelho, A., Gonçalves, L., Porto, L., Nora, D., Connor, S., Raja, M., LaLonde, E. S., Martins, M. J. F., (2023) A aventura para o conhecimento,, Rev. Ciência Elem., V11(3):006
Autores: Ana Gomes, Cristina Veiga-Pires, Sónia Oliveira, Aurora Coelho, Luís Gonçalves, Luís Porto, David Nora, Simon Connor, Mussa Raja, Elena Skosey-LaLonde, Maria João Fernandes Martins
Editor: João Nuno Tavares
DOI: [https://doi.org/10.24927/rce2023.006]
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Resumo

Neste artigo pretende-se apresentar o jogo de tabuleiro A aventura para o conhecimento como uma ferramenta facilitadora do processo de ensino-aprendizagem. Este foi criado para auxiliar a disseminação e comunicação de ciência no âmbito de um projeto de investigação internacional e interdisciplinar que estuda as alterações ambientais que ocorreram ao longo dos últimos 7500 anos na costa sudeste de Moçambique. No jogo cada jogador(a) é convidado(a) a assumir o papel de um investigador(a) que participa num trabalho de campo onde irá criar conhecimento para escrever um livro. Para tal vai necessitar de recursos materiais e humanos para analisar diversos indicadores paleoambientais, e a velocidade com que vai fazê-lo vai depender de diversas condicionantes. Este jogo encontra-se disponível em https://ccvalg.pt/inmoz/inmozPT.html.


O que são paleoambientes e porque é importante estudá-los ao longo do Holocénicoa?a

Quando falamos de paleoambientes referimo-nos aos ambientes que existiram no passado num determinado local. Descobrir como foram esses ambientes passados e como evoluíram ao longo do tempo permite-nos compreender melhor quais foram os fatores que promoveram a suas alterações (alterações climáticas naturais ou atividades humanas)[1] e as interações entre a Humanidade e o ambiente. Este conhecimento é também essencial para sermos capazes de prever melhor o futuro[2], ajudando a sociedade a compreender como pode adaptar-se às futuras alterações climáticas e ambientais.


Como e onde se podem estudar os paleoambientes?

Os estudos paleoambientais podem ser feitos em diversas escalas temporais e espaciais[3] e em diversos ambientes, isto é, podemos estudar:

  • Como um ambiente se alterou ao longo dos últimos 2000 anos ou 2,6 milhões de anos ou noutro intervalo de tempo (em função da idade do registo geológico que se pretende estudar);
  • A evolução de ambientes marinhos, terrestres ou ambientes de transição (que fazem fronteira entre a terra e o mar) onde se acumulam sedimentos nos quais a história dessa evolução fica registada.

Naturalmente, os métodos utilizados para efetuar estes estudos são variados e a sua seleção depende do objetivo do estudo.

No âmbito do projeto InMoz, uma equipa internacional e interdisciplinar reuniu-se para estudar as alterações paleoambientais que ocorreram ao longo dos últimos 7500 anos num lago localizado entre as dunas da planície costeira da região sudeste de Moçambique (FIGURA 1). Além disto, esta equipa correlaciona os dados ambientais com dados arqueológicos para compreender melhor como as alterações paleoambientais influenciam a população humana e como a paisagem evoluiu em função das interações entre os humanos e o ambiente que os rodeia.


FIGURA 1. Localização do lago Nyalonzelwe, onde se efetuou um estudo sobre as alterações paleoambientais que ocorreram ao longo dos últimos 7500 anos, no âmbito do projeto InMoz: A) Localização de Moçambique. B) Localização do Lago Nyalonzelwe e geologia da planície costeira da região sudeste de Moçambique onde o lago se encontra (Província de Inhambane). C) Fotografia aérea do lago Nyalonzelwe (Fotografia de Brandon Zinsious, 2019).

Várias razões levaram a equipa do InMoz a escolher a região sudeste de Moçambique para efetuar este estudo. A primeira de todas foi a África ser um continente muito importante para o estudo da evolução e do comportamento humano[4]. Em segundo lugar, no continente africano, Moçambique tem uma localização chave para efetuar este tipo de estudos em termos arqueológicos e paleoantropológicos5. Além disso, em contraste com outras zonas do globo, existem poucos estudos paleoambientais em África[5] que se foquem no período Quaternário. Por último, na região sudeste de Moçambique é possível encontrar muitos lagos que preservam o registo das alterações paleoambientais recentes (Quaternário). Os lagos são um dos melhores locais para efetuar estudos interdisciplinares, pois os sedimentos que se depositam no fundo destes são pouco afetados por ondas e correntes e contêm fósseis de muitos organismos sensíveis a alterações ambientais[6].

Após efetuarem-se sondagens para recolher testemunhos dos sedimentos que se depositaram no fundo do lago Nyalonzelwe, estes sedimentos foram analisados utilizando vários indicadores sedimentológicos (como por exemplo, a determinação do diâmetro das partículas que constituem as amostras de sedimento – análise textural), químicos (como por exemplo, a determinação da composição química elementar dos sedimentos) e biológicos (determinação das espécies fósseis, como por exemplo, diatomáceasb). É através da interpretação conjunta da informação dada por todos estes indicadores, e muitos mais, que é possível desvendar a história da evolução ambiental deste lago e da área que o rodeia.


A ciência e a sociedade: o jogo A aventura para o conhecimento.

Atualmente, a disseminação e comunicação de ciência para o público em geral é um elemento fundamental da ciência aberta[7], que pode fazer uso de diversas ferramentas (como por exemplo, programas de televisão, canais de YouTube, revistas científicas, dias abertos, jogos de tabuleiro) [8], [9]. A equipa de investigadores do projeto InMoz, em cooperação com especialistas de disseminação e comunicação de ciência do Centro Ciência Viva do Algarve e do canal de YouTube Na Mira, desenvolveram o jogo de tabuleiro A aventura para o conhecimento com o objetivo de aproximar de forma criativa a sociedade à ciência e aos conhecimentos que se produzem através desta (FIGURA 2). Especificamente, este jogo pretende dar a conhecer o processo que permite obter os dados necessários e descobrir quais foram as alterações ambientais que ocorreram no passado, perceber como a Humanidade interage com o ambiente na situação específica deste “caso de estudo”, perceber como as informações arqueológicas podem dar pistas sobre alterações ambientais e mostrar o carácter interdisciplinar e a importância do trabalho em equipa.

Para tal, cada jogador(a) é convidado(a) a assumir o papel de um investigador(a) que participa num trabalho de campo na Província de Inhambane em Moçambique. Durante o trabalho de campo os investigadores(as) vão poder “criar conhecimento” visitando ao longo do tabuleiro do jogo casas de lagos e dunas onde se encontram os indicadores que podem ser estudados em cada um destes ambientes se tiverem os recursos humanos (i.e., conhecimento para obter informação a partir da análise dos diversos indicadores) e materiais (i.e., equipamentos ou materiais necessários para estudar os indicadores) necessários para tal. Além de criarem conhecimento, nas casas de dunas e de lagos, os(as) investigadores(as) podem ganhar pontos de História mais longa que podem ser convertidos em conhecimento, visto a escala temporal ser uma variável muito importante neste tipo de investigação. Os recursos humanos e materiais podem ser obtidos em casas do tabuleiro de jogo ou através do estabelecimento de colaborações (i.e., trocas e cedências de recursos) com os outros investigadores(as) em jogo. Contudo, quando se faz trabalho de campo, tudo pode correr de acordo com o plano inicial ou o plano pode sofrer atrasos ou ser mais rápido de acordo com diversas condicionantes. Estas condicionantes estão representadas nas casas de trânsito que vão definir a velocidade de progressão da investigação durante o trabalho de campo. O jogo termina quando um(a) dos(as) investigadores(as) obter o conhecimento necessário para escrever um livro (casa de chegada).


FIGURA 2. Jogo de tabuleiro A aventura para o conhecimento.

Este jogo destina-se a jogadores(as) com mais de 12 anos. Pode ser jogado em museus, escolas ou em ambiente familiar. Sendo uma ferramenta facilitadora do processo de ensino-aprendizagem, particularmente no ensino básico e secundário, este jogo pode contribuir para o aumento da literacia científica e pode ser utilizado para ajudar os(as) alunos(as) a:

  • Valorizar outros povos e outras culturas, reconhecendo a diversidade como fonte de aprendizagem para todos[10], 14;
  • Reconhecer e valorizar o património natural e cultural[11];
  • Assumir atitudes e valores que promovam uma participação cívica de forma responsável e solidária[12];
  • Reconhecer que a ciência é uma atividade, com objetivos, procedimentos e modos de pensar próprios[13], [14];
  • Integrar saberes de diferentes disciplinas para aprofundar temáticas de Ciências Naturais[15], [16], [17], [18];
  • Aprender a orientar-se, tendo como referência os pontos cardeais[19], 14 representados no tabuleiro do jogo;
  • Distinguir formas de relevo, recursos hídricos e identificar agentes erosivos que dão origem a diferentes paisagens à superfície da Terra[20], [21];
  • Caracterizar ambientes terrestres e ambientes aquáticos[22];
  • Perceber a diversidade dos seres vivos que vivem/viveram no planeta Terra e as interações que estes estabelecem com o meio[23], através da descoberta de diferentes organismos apresentados e descritos nas cartas de Duna e Lago que são sensíveis a alterações paleoambientais;
  • Reconhecer o modo como as alterações ambientais influenciam a vida dos seres vivos e da sociedade[24];
  • Compreender as causas e consequências da alteração dos ecossistemas[25].

O jogo A aventura para o conhecimento encontra-se disponível em https://ccvalg.pt/inmoz/inmozPT.html. Neste endereço é ainda possível encontrar um filme que explica as regras do jogo produzido pelo canal de YouTube "Na Mira" (https://www.youtube.com/watch?v=ou- HuSeD1klY&t=71s).


Agradecimentos

Este trabalho foi financiado pela Fundação para a Ciência e Tecnologia através do projeto PTDC/HAR-ARQ/28148/2017, contrato CEECINST/00146/2018/CP1493/CT0002 e UID/0350/2020 (CIMA).


Notas

a) Época mais recente na escala do tempo geológico (últimos 11700 anos), pertencente ao período da história da Terra denominado Quaternário (últimos 2,6 milhões de anos).

b) Algas unicelulares eucarióticas com tecas siliciosas, pertencentes ao Reino Chromista[26] e cujo tamanho varia entre 2 e 500 μm[27]. A identificação das diferentes espécies de diatomáceas é feita com base na forma, tamanho e ornamentação das suas tecas siliciosas. Estas algas vivem em águas doces, salobras e salgadas[28].

Referências

  1. ZIEGLER, M. et al., Development of Middle Stone Age innovation linked to rapid climate change, Nat. Commun., 4, 1905–1909. 2013.
  2. AHMED, M. et al., Continental-scale temperature variability during the past two millennia, Nat. Geosci., 6:339–346. 2013.
  3. WILLIAMS, M. A. J. et al., Quaternary Environments, Edward Arnold. 1993.
  4. BICHO, N. et al., Middle and Late Stone Age of the Niassa region, northern Mozambique, Preliminary results. Quat. Int., 404, 87–99. 2016.
  5. HUMPHRIES, M. S. et al., Rapid changes in the hydroclimate of southeast Africa during the mid- to late-Holocene, Quat. Sci. Rev., 212, 178–186. 2019.
  6. EINSELE, G., Sedimentary Basins: Evolution, Facies, and Sediment Budget, Springer Verlag, Berlin, 781 pp., 2000.
  7. SENGUPTA, P. et al., Open Science, Public Engagement and the University, Cornell University. 2017.
  8. ROSS-HELLAUER, T. et al., Ten simple rules for innovative dissemination of research, PLoS Comput. Biol., 16, 4, e1007704. 2020.
  9. PAREKH, P. et al., Board game design: an educational tool for understanding environmental issues, Int. J. Sci. Educ., 43, 13, 2148-2168.
  10. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 3.º Ano, 1.º Ciclo do Ensino Básico, Estudo do Meio. 2018.
  11. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 4.º Ano, 1.º Ciclo do Ensino Básico, Estudo do Meio. 2018.
  12. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 4.º Ano, 1.º Ciclo do Ensino Básico, Estudo do Meio. 2018.
  13. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 7.º Ano, 3.º Ciclo do Ensino Básico, Ciências Naturais. 2018.
  14. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 8.º Ano, 3.º Ciclo do Ensino Básico, Ciências Naturais. 2018.
  15. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 7.º Ano, 3.º Ciclo do Ensino Básico, Ciências Naturais. 2018.
  16. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 8.º Ano, 3.º Ciclo do Ensino Básico, Ciências Naturais. 2018.
  17. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 10.º Ano, Ensino Secundário, Biologia e Geologia. 2018.
  18. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 11.º Ano, Ensino Secundário, Biologia e Geologia. 2018.
  19. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 3.º Ano, 1.º Ciclo do Ensino Básico, Estudo do Meio. 2018.
  20. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 3.º Ano, 1.º Ciclo do Ensino Básico, Estudo do Meio. 2018.
  21. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 7.º Ano, 3.º Ciclo do Ensino Básico, Ciências Naturais. 2018.
  22. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 5.º Ano, 2.º Ciclo do Ensino Básico, Ciências Naturais. 2018.
  23. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 10.º Ano, Ensino Secundário, Biologia e Geologia. 2018.
  24. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 3.º Ano, 1.º Ciclo do Ensino Básico, Estudo do Meio. 2018.
  25. DIREÇÃO GERAL DE EDUCAÇÃO, Aprendizagens Essenciais, Articulação com o perfil dos alunos, 10.º Ano, Ensino Secundário, Biologia e Geologia. 2018.
  26. FALKOWSKI, P. G. et al., The evolution of modern Eukaryotic phytoplankton, Science, 305, 354?360. 2004.
  27. SPAULDING, S. A. et al., Diatoms of the United States. 2010.
  28. GOMES, A., Alterações ambientais na costa algarvia durante o holocénico: um estudo com base em diatomáceas, Universidade do Algarve, Tese de Doutoramento, 631 pp.. 2013.


Criada em 6 de Janeiro de 2022
Revista em 11 de Agosto de 2022
Aceite pelo editor em 15 de Março de 2023