Morgan

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Referência : Moreira, C., (2014) Morgan, Rev. Ciência Elem., V2(3):302
Autor: Catarina Moreira
Editor: José Feijó
DOI: [http://doi.org/10.24927/rce2014.302]


Thomas Hunt Morgan (25 Setembro 1866 – 4 Dezembro 1945) foi um importante biólogo nas áreas da evolução, genética e embriologia. Recebeu o prémio Nobel em Fisiologia e Medicina em 1933 pelos seus trabalhos sobre o papel dos cromossomas na hereditariedade. As suas descobertas vão ser a base da genética moderna.

A importância dos trabalhos de Thomas Morgan está intimamente ligada aos trabalhos de Mendel, de Walter Sutton e Theodor Boveri. Os dois últimos no início de século XX, chegaram à conclusão que o comportamento dos factores referidos por Mendel nas suas experiências se assemelhava ao dos cromossomas durante as divisões da meiose. Estes dois cientistas defendiam que os genes estavam localizados nos cromossomas, teoria que ficou conhecida, em 1902, como Teoria Cromossómica da Hereditariedade. Thomas Morgan, mais tarde, tem um papel fundamental na compreensão dos processos de segregação independente de um determinado gene.

Morgan fazia investigação na Universidade de Columbia nos Estados Unidos da América, e trabalhava com as moscas da fruta (ou mosca do vinagre) (Drosophila melanogaster) para compreender como determinados caracteres eram herdados e transmitidos aos organismos em desenvolvimento. Diz-se que ele terá reparado, numa observação à lupa, que um macho de mosquinha do vinagre em vez de ter os olhos vermelhos como era de esperar no tipo selvagem (do inglês wild-type) teria os olhos brancos. Morgan ter-se-á interrogado sobre o que teria acontecido para tal modificação ocorrer e, aproveitando os laboratórios existentes e os vários cruzamentos que se faziam entre as mosquinhas na que ficou conhecida pela “sala das moscas” planeou uma série de cruzamentos onde pudesse observar a transmissão de caracteres genético ao longo de várias gerações.


Thomas Hunt Morgan.jpg

Figura 1. Thomas Hunt Morgan.


As mosquinhas da fruta, Drosophila melanogaster, são ainda hoje um excelente material biológico para experiências ao nível da genética por reunirem uma série de características que facilitam o trabalho de investigação:

  • são fáceis de manusear e de alimentar, mantendo-se facilmente em condições laboratoriais
  • as suas reduzidas dimensões (3-4 mm) permitem o seu armazenamento em pequenos tubos
  • são facilmente observáveis à lupa ou ao microscópio óptico, com um dimorfismo sexual que permite facilmente distinguir entre machos e fêmeas
  • têm um ciclo de vida curto (cerca de 12 dias), atingindo a maturidade sexual cerca de 12 horas após a eclosão da pupa
  • produzem elevado número de descendentes
  • possuem uma grande variedade de caracteres fáceis de observar (como a cor dos olhos, a forma e o tamanho das asas)
  • cariótipo constituído por apenas 4 pares de cromossomas (3 autossómicos e 1 sexual)



As experiências de Morgan

1a experiência: Morgan cruzou o macho de olhos brancos com várias fêmeas de olhos vermelhos (indivíduos parentais P) para observar a cor dos olhos da descendência. Na primeira geração de descendentes (F1) os indivíduos tinham todos olhos vermelhos. Num segundo conjunto de cruzamentos Morgan cruzou entre si machos e fêmeas da geração F1 e observou uma descendência (F2) de mosquinhas com olhos vermelhos e olhos brancos numa proporção de 3:1. Estes resultados são muito semelhantes aos obtidos e descritos por Mendel nas suas experiências de cruzamentos para caracteres recessivos. Um peculiaridade nas observações de Morgan foi o facto de todos os indivíduos com olhos brancos serem machos, nenhuma fêmea apresentava esse fenótipo.

Tabela 1. Proporções Mendelianas esperadas versus proporções observadas por Morgan

Cruzamentos Resultados

Fenótipos Esperados Fenótipos observados
P1 olhos vermelhos ♀ x P1 olhos brancos ♂ F1 todos olhos vermelhos ♀ e ♂ F1 todos olhos vermelhos ♀ e ♂
F1 olhos vermelhos ♀ x F1 olhos vermelhos ♂  75% olhos vermelhos ♀ e ♂

25% olhos brancos ♀ e ♂

 50% olhos vermelhos ♀

25% olhos vermelhos ♂

25% olhos brancos ♂


Morgan para tentar explicar os resultados obtidos, formulou várias hipóteses. Uma das hipótese colocadas para explicar o facto de não existirem fêmeas de olhos brancos foi de que as fêmeas de olhos brancos não seriam viáveis, isto é, não chegariam a nascer. Para testar a veracidade ou não desta hipótese realizou outra série de cruzamentos.


2a experiência: Morgan cruzou fêmeas de olhos vermelhos (F1) resultantes do cruzamento de P1 olhos vermelhos ♀ com P1 olhos brancos ♂, com machos de olhos brancos à espera de não obter nenhuma fêmea de olhos brancos dado serem letais. Os resultados não foram os esperados: a descendência tinha fêmeas de olhos brancos numa proporção de 1:1:1:1 fêmeas de olhos brancos : fêmea de olhos vermelhos : machos de olhos brancos : machos de olhos vermelhos.

Com base nestes resultados Morgan concluiu:

  • o fenótipo de olhos brancos não é uma condição letal para as fêmeas
  • são possíveis todas as combinações entre cor dos olhos e sexo
  • o carácter correspondente aos olhos brancos pode ser transportada por fêmeas quando fêmeas F1 são cruzadas com machos de olhos brancos.


Mas ficava ainda por explicar as proporções obtidas nos primeiros cruzamentos entre F1. Morgan sabia através dos trabalhos de Nettie Stevens e E.B. Wilson que a determinação do sexo estava relacionada com a herança de um cromossoma acessório, o cromossoma X. Nas fêmeas formavam o par XX, e nos machos, o par de cromossomas sexuais era heteromórfico (isto é, os cromossomas eram morfologicamente diferentes) formando o par XY.

Em relação à Drosophila Morgan formou algumas ideias:

  • os cromossomas X e Y seriam responsáveis pela determinação sexual
  • na meiose, os gâmetas da fêmea transportam sempre um cromossoma X e no macho metade transporta um cromossoma X e a outra metade um Y
  • na fecundação, o zigoto irá possuir a informação necessária e especifica relativamente ao sexo: XX ou XY.


Tabela 2. Hereditariedade dos cromossomas sexuais



Gâmetas masculinos


X Y
Gâmetas femininos X XX XY
X XX XY


3a experiência: Se o alelo para a cor dos olhos for herdada com o cromossoma X então manifestar-se-á sempre nos machos mesmo se recessivo.

Simbologia associada: X+ alelo selvagem para os olhos vermelhos, Xw alelo para os olhos brancos (o w vem de “white” termo inglês para branco)

Utilizando esta simbologia revejam-se os cruzamentos efectuados por Morgan. No seu primeiro cruzamento de um macho de olhos brancos (XwY) com fêmeas selvagens (X+ X+), a descendência possível era:


Tabela 3. Primeiro cruzamento efectuado por Morgan: gâmetas e genótipos formados após fecundação por combinação gamética



Gâmetas masculinos P1


XW Y
Gâmetas femininos P1 X+ X+Xw X+Y
X+ X+Xw X+Y


Tabela 4. Segundo cruzamento de Morgan


Gâmetas masculinos F1


X+ Y
Gâmetas femininos F1 X+ X+X+ X+Y
Xw X+Xw XwY


O terceiro cruzamento efectuado por Morgan foi entre fêmeas de olhos vermelhos (X+Xw) e machos de olhos brancos (XwY). Os resultados observados neste cruzamento com proporções na descendência de 1:1:1:1 com todas as combinações possíveis entre cor dos olhos e sexo presentes revelava que a cor branca dos olhos não era letal para as fêmeas.


Tabela 5. Terceiro cruzamento de Morgan para testar a hipótese de o fenótipo de olhos brancos ser letal para as fêmeas.



Gâmetas masculinos


Xw Y
Gâmetas femininos X+ X+Xw X+Y
Xw XwXw XwY


Para determinar se o fenótipo de olhos brancos era consequência de uma hereditariedade associada ao cromossoma X presente nos gâmetas das fêmeas, Morgan efectuou uma quarta série de cruzamentos.


4a experiência: Morgan cruzou fêmeas de olhos brancos com machos de olhos vermelhos. Este cruzamento é o cruzamento recíproco do 1o efectuado por Morgan (combinação contrária). Com este cruzamento Morgan poderia concluir se a transmissão do alelo para a cor dos olhos estava efectivamente associado a um cromossoma sexual. Se o alelo para a cor branca fosse recessivo, seria de esperar que uma fêmea de olhos brancos fosse homozigótica recessiva. Se por sua vez, estivesse associado ao cromossoma X a hereditariedade do alelo para a cor dos olhos, num cruzamentos destes seria de esperar que todos os machos apresentassem olhos brancos dado receberem via gâmeta materno o alelo (Xw). Da mesma forma, seria de esperar que todas as fêmeas tivessem olhos vermelhos uma vez que receberiam dos gâmetas paternos o alelo dominante (X+) e dos gâmetas maternos o alelo recessivo (Xw).


Tabela 6. Quarto cruzamento entre fêmeas de olhos brancos e machos de olhos vermelhos



Gâmetas masculinos


X+ Y
Gâmetas femininos
Xw X+Xw XwY
Xw X+Xw XwY

Com estes resultados Morgan pode concluir que o gene responsável pela cor dos olhos estaria localizado no cromossoma X.

As experiências Morgan foram fundamentais para mostrar experimentalmente a Teoria Cromossómica da Hereditariedade. Morgan estava inicialmente relutante sobre a presença dos genes nos cromossomas, bem como não aceitava a ideia da segregação independente que ocorria ao nível da meiose a quando da formação dos gâmetas. Através da experimentação laboratorial ele concluiu que estava errado e num artigo publicado em 1909, retractou-se e explicou detalhadamente os seus resultados e conclusões.



Referências bibliográficas:

Miko, I. (2008) Thomas Hunt Morgan and sex linkage. Nature Education 1(1)

Morgan, T. H. 1910. Sex-limited inheritance in Drosophila, Science, 32: 120-122.



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Criada em 13 de Julho de 2011
Revista em 14 de Julho de 2011
Aceite pelo editor em 04 de Janeiro de 2012